Restos de Colecção: Arsenal da Marinha

6 de outubro de 2014

Arsenal da Marinha

A partir do reinado de D. Afonso V, em meados do século XV, a “Ribeira das Naus” tornou-se um centro privilegiado de construção naval. A existência de estaleiros na zona ribeirinha, junto à Praça do Comércio, encontra-se documentado desde a Idade Média. O terramoto de 1755 destruiu quase completamente os estaleiros na “Ribeira das Naus”, cuja reconstrução, da responsabilidade de Eugénio dos Santos, teve início em 1759, dando origem a um complexo no mesmo local, denominado “Arsenal da Ribeira das Naus”.

“Ribeira das Naus” antes do terramoto de 1755

O “Arsenal da Ribeira das Naus” pombalino pode reclamar-se como descendente directo das “teracenas” (ou “tercenas”) navais seiscentistas, os locais onde se construíam navios e armazenavam aprestos.

“Teracenas Navais”

O “Arsenal da Marinha” do período contemporâneo teve início na sua reconstrução. Implantado na Ribeira das Naus, tendo renascido em torno do dique (“esplêndido”, foi a apreciação do almirante Napier em 1833), cujo risco se ficou a dever ao brigadeiro Bartolomeu da Costa. Viria a ser o antigo local dos “Estaleiros da Ribeira das Naus” e dos armazéns das armas, da pólvora e munições.

Estaleiro da Ribeira das Naus

A propósito da Ribeira das Naus, Paulo Sande escrevia no século XVI:

«Ocupa a Ribeira das Naus um espaço vastíssimo (...). Constrói-se ali (...) essas grandes naus e galeões que abriram a navegação da Índia (...) Diz-se que a construção de cada uma dessas naus custa vinte mil cruzados
É admirável aqui, na verdade, a abundância de tudo o que é necessário para abastecer a armada, pois não falta grande quantidade de mastros, vergas e calabares muito ensebados e compridos; toda a sorte de pez e alcatrão; nem a arte de amolecer o ferro e o aço (...).»

Levantamento topográfico de Francisco e César Goullart, na planta nº 51, de 1879

No âmbito das suas funções de fornecedor de todos os materiais de que os navios tivessem necessidade para o seu funcionamento, o “Arsenal da Marinha” tinha também a seu cargo os estabelecimentos de Vale de Zebro e da Azinheira, ambos a Sul do Tejo. Em Vale de Zebro estava localizada a padaria.

Ao longo da sua história, foram feitas importantes alterações e melhoramentos. A construção da doca seca, no último quartel do século XVIII, revelou-se de grande utilidade para a época. Ao mesmo tempo, face às exigências das Armadas, concluía-se a “Cordoaria Nacional” em 1771, que deveria fornecer cordame, velas, tecidos e bandeiras para os navios.

Cordoaria Nacional”, fachada para a Avenida da Índia

                                                                         “Arsenal da Marinha” em 1866

O "Arsenal da Marinha" estava implantado a poente do Terreiro do Paço, sensivelmente no mesmo local do antigo "Estaleiro da Ribeira das Naus’"e da "Ópera do Tejo’" destruída pelo terramoto de 1755. Até à implantação da República em 5 de Outubro de 1910, era designado por "Arsenal Real da Marinha".

O edifício foi completamente destruído pelo terramoto de 1755 e a sua reconstrução ficou a dever-se ao risco de Eugénio dos Santos cujas obras tiveram início em 1759. Manteve a sua função de construção e de reparação de navios, dispondo para isso de um dique próprio. Nas dependências anexas, funcionou o observatório astronómico e a "Sala do Risco", espaço onde se desenhava  ou "riscava" o traço dos navios.

                                                                    “Sala do Risco” antes do incêndio de 1916

                                           Planta da “Sala do Risco” e da “Escola Naval” antes do incêndio de 1916

Fragata "Paciencia" na “Sala de Risco”, para treino dos alunos da Escola Naval

“Sala do Risco” após o incêndio em 1916

Corveta "Mindello" no cais do Arsenal da Marinha, em 1875

Canhoneira “Dom Luiz” em construção e o seu lançamento à água em 1895

 

No entanto, já no final do século XIX, o complexo industrial tornou-se acanhado para as exigências da época. Sem capacidade para reparar ou construir navios que não fossem de madeira, contratou-se o engenheiro naval francês Croneau para levar a cabo a adaptação do edifício às novas tecnologias.

Em 18 de Agosto de 1897 é iniciada a construção do primeiro navio em aço nestes estaleiros o cruzador "Rainha D. Amelia", que seria concluído e lançado água em 10 de Abril de 1899.

Cruzador “Rainha Dona Amelia”

Entrada principal do Arsenal da Marinha no encontro da Rua do Arsenal com a Praça do Município, em foto de 1939

Vista do Arsenal da Marinha a partir do rio Tejo

Vistas aéreas

Planta do Arsenal da Marinha, em 1900

Planta na “Revista Municipal” de 1949

Antes 1755

Vistas exteriores do complexo do “Arsenal da Marinha”

Arsenal da Marinha.4 

 

 

É lançada à água no "Arsenal da Marinha" em 8 de Junho de 1910 a canhoneira "Beira" que sendo o último navio da Monarquia, foi o primeiro de uma série de oito construídos entre 1910 e 1929 e que tão bons serviços prestaram, tendo ficado conhecidos por cruzadores de bolso. O último, a canhoneira "Diu" serviu até 1969.

Para além da construção e manutenção naval, o "Arsenal da Marinha" albergou ao longo da sua existência vários outros departamentos e serviços da Marinha, tais como a “Intendência de Marinha de Lisboa” e a “Escola Náutica”, a primeira transferida para o "Arsenal do Alfeite" em 1932,  e ainda os extintos “Observatório Real da Marinha” e “Ministério da Marinha”.

Fotos dos interiores das oficinas do “Arsenal da Marinha” disponibilizadas pela revista “Illustração Portugueza”

Oficina de carpinteiros de machado

                     Pilão da ferraria                                     Oficina de máquinas                              Oficina de fundição

  

                              Oficina de carpintaria de moldes                                                     Oficina de polieiros

 

Manutenção de tubos lança-torpedos dum submarino

Ainda nesse ano, tentou-se reaproveitar o dique e outras zonas operacionais. Já na segunda metade do século XIX, a construção de uma ponte, equipada com uma cábrea capaz de elevar pesos até 60 toneladas, aumentou significativamente a capacidade do Arsenal

Cábrea

A 1 de Fevereiro de 1908, o rei D. Carlos e o Infante Luís Filipe são assassinados no Terreiro do Paço e os seus corpos são depositados provisoriamente no "Arsenal da Marinha".

Serviço de combate a incêndios do Arsenal da Marinha

 

Em notícia publicada no jornal "O Século" , em 24 de Março de 2010, chamou-se à atenção para a necessidade de se aprofundarem os estudos relativos à transferência do “Arsenal da Marinha” para a margem sul do Tejo:

Só o interesse militar pode justificar a sua transferência. (…) Se o governo entende que deve transferir o Arsenal como medida militar, que o faça, embora esteja demonstrado que essa transferência vai importar em quantia superior a 3000 contos; se, porém, deseja essa transferência obedecendo a um sentimento de estética, que o não faça sem graves precauções (…)”, pois “(…) do ponto de vista estético é ela desnecessária.”

Demolição dos estaleiros do “Arsenal da Marinha” e construção da Avenida da Ribeira das Naus

 

 

Edifício da “Sala do Risco” reconstruído em foto de 1950

Tal seria concretizado com o início de construção do novo "Arsenal do Alfeite", em 1917, cujas obras decorreram até 1932 por conta das reparações de guerra alemãs.

Nota: acerca do "Arsenal do Alfeite" consultar artigo neste blog no seguinte link: Arsenal do Alfeite.

Entretanto em 1925, a “Sala do Risco” do “Arsenal da Marinha” seria o local onde teve lugar o julgamento dos revoltosos envolvidos no golpe de 18 de Abril de 1925, também conhecida por Golpe dos Generais. Organizada pelo capitão-de-fragata Filomeno da Câmara, pelo general João José Sinel de Cordes, pelo coronel Raul Augusto Esteves e pelo capitão Jaime Baptista, foi uma revolta de grande magnitude, envolvendo, pela primeira vez desde 1870, cerca de 61 oficiais e no activo. Este movimento insurreccional é considerado como o primeiro ensaio do golpe de 28 de Maio de 1926.

Julgamento na “Sala do Risco”

 

Jornal “O Eco do Arsenal”, de 1 de Dezembro de 1929

O jornal “O Eco do Arsenal”, foi o orgão e propriedade dos operários do “Arsenal da Marinha” cujo sindicato cedo se orientou politicamente pelas teses defendidas pelos comunistas da então URSS. Tinha a sua sede na Travessa do Fala-Só, na encosta de S. Pedro de Alcântara para os Restauradores.

Actualmente a zona outrora ocupada pelos estaleiros do “Arsenal da Marinha”, e designada por “Ribeira das Naus”, foi recuperada e apresenta uma imagem bem diferente.

fotos in:  Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital

11 comentários:

João Celorico disse...

Caro José Leite,

No “Arsenal de Marinha”, aos departamentos e serviços de Marinha que diz ter albergado poderá acrescentar a “Escola Náutica”, até ser criada a Escola Náutica Infante D. Henrique, em Paço de Arcos.

Também recordo, talvez entre 1948 ou 1949, as obras de aterro do Arsenal.

Cumprimentos,
João Celorico

José Leite disse...

Caro João Celorico

A Escola Náutica, não terá sido no Arsenal do Alfeite? Onde foi construído um edifício de raiz para o efeito, conforme poderá consultar no artigo que publiquei acerca do mesmo?

Grato, os meus cumprimentos

José Leite

Luis Eme disse...

parabéns, José Leite, pelo seu trabalho extraordinário, neste excelente blogue.

Luis Eme disse...

caro José Leite,

penso que a Escola Naval é que terá sido construída de raiz, na Base Naval do Alfeite.

João Celorico disse...

Caro José Leite, dei uma vista de olhos pelo artigo que me refere e o que me parece é que haverá confusão entre Escola Náutica e Escola Naval, esta sim instalada no Alfeite. A Escola Náutica, garantidamente desde 1957 ( desconheço se ainda anteriormente) estava instalada nos 2º e 3º pisos do antigo Arsenal de Marinha, com entrada pela rua do Arsenal (frequentei de 1961 a 1963) e aí permaneceu até ir para Paço de Arcos.

Cumprimentos,
João Celorico

José Leite disse...

Caro Luis Eme

Agradecendo a amabilidade das suas palavras, confirmo a sua informação.

Cumprimentos

José Leite

José Leite disse...

Caro João Celorico

Peço desculpa pela minha confusão e desconhecimento. Tem toda a razão.

Quando li a sua chamada de atençâo, estava "mergulhado" na feitura de um artigo e não quis deixar de responder ao seu comentário, e com a pressa nem fui verificar.

As minhas desculpas, e agradecimentos

Cumprimentos

José Leite

João Celorico disse...

Caro José Leite,

Mais uma vez refiro que não tem que me pedir desculpas por aquilo que eu trago aqui e que, no fundo, são minudências.
Não pensava vir aqui de novo por tal assunto, no entanto porque prezo o esclarecimento, cá estou de volta.
Aquando da minha passagem pela Escola Náutica, os professores eram oficiais da Armada, na situação de reserva ou no activo. Alguns acumulavam com funções na Escola Naval. Tal leva-me a crer que tal se manteve até à mudança da Escola Náutica para Paço de Arcos (penso que nos princípios dos anos 70), onde já havia professores oriundos da Marinha Mercante.
Acresce que no edifício do Arsenal da Marinha, a entrada para a Escola Náutica se dava por uma porta na rua do Arsenal e que suponho seria a antiga entrada para a Escola Naval. Isto porque nas portadas interiores, envidraçadas, julgo recordar nos vidros gravados a fosco a designação “Escola Naval”.
Tal leva-me a supor que a Escola Náutica foi ocupar as anteriores instalações da Escola Naval, depois desta ter passado para o Alfeite.
Assim, talvez o parafraseado ficasse melhor como segue:

Para além da construção e manutenção naval, o “Arsenal da Marinha” albergou ao longo da sua existência vários outros departamentos e serviços da Marinha, tais como a “Intendência de Marinha de Lisboa” , a “Escola Naval”, transferida para o Arsenal do Alfeite” em 1932 e mais tarde a “Escola Náutica”, até ser transferida para Paço de Arcos, recebendo o nome de “Escola Náutica Infante Dom Henrique”, e ainda os extintos “Observatório Real da Marinha” e “Ministério da Marinha”.

A não ser que estejamos a falar somente até 1932 e então não fará sentido meter a Escola Náutica neste assunto! Penso eu.
Já agora, também nesse edifício, na ponta junto ao largo do Corpo Santo, funcionou a “Junta Central da Casa dos Pescadores” (penso que era assim que se designava).

E, agora, sou eu que peço desculpa por esta minha longa dissertação!

Melhores cumprimentos,

João Celorico

José Leite disse...

Caro João Celorico

Mais uma vez agradeço a sua habitual e preciosa colaboração.

Eu tento ser o mais rigoroso possível, mas nem sempre me é possível. Como vou a variadíssimos temas e como a minha sabedoria é limitada, e ao tentar, também, ser o mais completo possível não querendo ser fastidioso, aparecem as "maselas".

Com os meus renovados agradecimentos, os meus cumprimentos

José Leite

Tito Cerqueira disse...

Caros amigos,

Já agora, um contributo que pode ajudar a esclarecer as dúvidas da conversa sobre a Escola Náutica.

http://estudos.universia.net/portugal/instituicao/escola-superior-nautica-infante-d-henrique/ver/historia

Cumprimentos.

PS: parabéns pelo magnífico blog!

José Leite disse...

Caro Tito Cerqueira

Muito agradecido não só pelo link que me enviou, como pelas suas amáveis palavras em relação ao blog.

Cumprimentos

José Leite