Restos de Colecção: dezembro 2024

4 de dezembro de 2024

Salomão Cardoso - Chapéus

A famosa casa de chapéus para senhora "Salomão Cardoso", terá sido inaugurada por volta de 25 de Dezembro de 1912, na Rua Garrett, 25-27, em Lisboa. Era propriedade de Salomão Cardoso, que tinha sido co-proprietário de outra famosa chapelaria de senhora e crianças "Cardoso & Cardoso", igualmente na Rua Garrett.

"Salomão Cardoso" à direita na foto


Casa "Salomão Cardoso" com os seus painéis em vidro pintado estilo "Art Noveau"

A casa "Cardoso & Cardoso" - conhecida pelo "Cardoso dos Chapéus" - era pertença da firma "Cardoso & Cardoso, Lda." tendo sido constituída em 1907 pelos sócios Salomão Cardoso e Pepe Cardoso, e terá aberto pela primeira vez, o seu estabelecimento na Rua Garrett, 2-6 esquina com a Rua do Carmo, em Lisboa por volta do dia 8 de Novembro de 1908.


O "Cardoso dos chapéus" na esquina da Rua Garrett com a Rua do Carmo


Pedido de registo de desenho para caixas de chapéus, em 27 de Março de 1907

Acerca desta casa transcrevo uma nota publicada no jornal "Diário Illustrado" de 8 de Novembro de 1908:

«Evocar esta firma e lembrar ao mesmo tempo. em qualquer meio elegante, o mais aprimorado estabelecimento de Lisboa n'essa tão rara quão delicada especialidade de chapéos para senhoras e creanças
Quem descer o Chiado, ao voltar para a rua do Carmo, refestela, mui naturalmente que sobresahe um variegado sortido de modelos no genero vindos do estranjeiro e todos reveladores d'um fino gosto.
Nao admira que com semelhantes predicados alli concorra a «elite» das nossas damas que no momento buscam fornecer-se de chapéos proprios da estação que começa.
Entre a clientela d'estes ultimos dias teem alli sido vistas a fazer compras as ex.mas sr.a *: Marqueza de Valle Flor, Condessa de S. Lourenco, Condessa de Pinhel e filhas, Condessa d'Almeida, Condessa de Alferrarede, Baroneza da Varzea do Douro, Madame Eduardo Pinto Basto, Madame Joseph Bello, Madame Alboim (Bomtim), Madame Macieira Reis, Madame Hintze Ribeiro, Madame Elisa Barbosa, Madame Chaigruean, Madame Belio, Madame Arrobas. Madame Anjos e lilhas, D. Grabiella e D. Celeste Anjos, etc.»

8 de Novembro de 1908

Com a saída de Salomão Cardoso da sociedade, a loja de chapéus de senhora ficou na posse de Pepe Cardoso e passou a designar-se "P. Cardoso Palace" sob a firma "Pepe Cardoso, Lda.". Por ali ficou até ser substituída por uma loja de roupa feminina e depois em 1942 pela "Secção de Turismo dos Caminhos de Ferro Alemães" seguida da livraria "Ática" inaugurada em 7 de Dezembro de 1946. 

21 de Janeiro de 1928


"P. Cardoso Palace" em liquidação


"P. Cardoso Palace" já encerrada definitivamente

Após o encerramento da "P. Cardoso Palace" apareceria em 1938 outra loja de chapéus, de seu nome "Cardoso", na Rua da Prata, 13e e 136. Presumo eu, poder ser do mesmo Pepe Cardoso, ou seu descendente. Repito, presumo eu ...

1938

Quanto à "Salomão Cardoso", veio substituir a loja de bicyclettes "Casa Columbia" da firma "J. de Carvalho & Brandão" que ali estava nos números 25 e 27 da Rua Garrett, desde os finais do século XIX.  

15 de Junho de 1901


25 de Dezembro de 1912


3 de Fevereiro de 1913

O jornal "A Capital" em 14 de Julho de 1916, a propósito da "Salomão Cardoso", observava:

«Onde esteve o Amieiro, presentemente em liquidação, foi a Casa de madame Aline Neuville, a grande modista que tão grande fama e renome alcançou. Ao lado fol a  Ourivesaria Mourao e é presentemente a Casa de Chapéus de sr. Salomao Cardoso, uma das mais chics da capital e dos que maior clientella poseue na alta roda lisboeta. E com justiça. E' que nem todos os estabelecimentos que se consagrem a este genero de commercio, que tem tanto de interessante como do difficil, pela porção de faculdades excepcionaes que exhige, podem lograr attrahir as criaturas que apreciam n'um chapeu mais do que os veludos, as plumas e as rendas caríssimas mas, esse nao sei que subtil que se chama o bom gosto e que nao se adquire por que nasce com a pessoa. E os chapéus do sr. Salomio Cardoso conseguem lançar em pleno Chiado a nota alegre do sua inexcedivel elegância e da sua original composicão, cheia de novidade e do imprevisto. Lá fóra, nos grandes centros elegantes do estrangeiro, pouco deve haver que exceda em delicadeza de gosto e em perfeicao de acabamento os chapeus que sahem da casa onde outr'ora teve a sua installaçao a ourivesaria que nao logrou ganhar no Chiado profundas raizes.


1915


24 de Junho de 1916

Na sobreloja deste mesmo prédio, que é o que tem os nos 25 e 27, foi também a casa de modas de madame Cid, mãe do médico Jorge Cid e do consul de Portugal em Bremen Paulo Cid, e viúva do Cid caçador, que não era raro ver-se de chapeu de largas abas, polainas, botas grossas, sacco de caça e espingarda, seguido e precedido de uma matilha de perdigueiros de boa casta.»

Como se pode ler na página da revista "Ilustração Portuguesa" de 8 de Dezembro de 1918, e que publico de seguida, a casa "Salomão Cardoso", já funcionava sob a firma "Salomão Cardoso, Sucessor Leite, Limitada"

8 de Dezembro de 1918

A "Salomão Cardoso, Sucessor Leite, Limitada", viria a encerrar uns anos mais tarde para dar lugar à sapataria de luxo "Onix", após remodelação exterior e interior das suas instalações, que ocorreram em 1939. Na sobreloja viria a instalar-se a loja de modas de luxo, "Dior".

Futura loja "Onix" em obras em foto de 9 de Abril de 1939

12 de Outubro de 1939


Sapataria "Onix" e loja "Dior"


fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Arquivo Nacional da Torre do Tombo


1 de dezembro de 2024

"Olimpia Club" em Lisboa

O Salão “Olympia”, situado na Rua dos Condes, em Lisboa, foi inaugurado a 22 de Abril de 1911, na Rua dos Condes, em Lisboa. Propriedade da “Empreza do Olympia, Limitada” de Leopoldo e Henrique O'Donell, Júlio Petra Viana e Victor Alves da Cunha Rosa, - os mesmos que viriam a fundar o Salão Lisboa, e inaugurado em 20 de Novembro de 1915 - o Salão “Olympia”  tinha cabina de projecção de filmes isolada da sala de espectáculos, salões para concertos, gabinete de leitura e restaurante, etc ... tornando «esta casa de espectáculos como a primeira da capital.»


"Olimpia Club" no 1º piso


"Orquestra-Salão" - Sexteto residente que acompanhava os filmes mudos e dava pequenos concertos



Leopoldo O'Donell (1870-1941) e artigo na "Folha de Lisboa" de 2 de Janeiro de 1922

Desde início que este Salão oferecia um serviço de "bufete" com «esmerado serviço», mas não passou disso mesmo até 1 de Junho de 1924, dia em que Leopoldo O'Donnell inaugura o novo "Bufete Olimpia" anunciado na seguinte notícia:

«Leopoldo O'Donell o infatigável emprezario acaba de iniciar mais um importante melhoramento no Salão Olimpia.
De ora ávante todos os espectadores do Olimpia poderão aproveitar-se dum beneficio interessante que lhes permitirá sem sairem do edificio, tomar qualquer refeição por preços convidativos.
O novo bufete Olimpia tem o seu serviço organizado para o fornecimento diario de almoços, chás, jantares e ceias, estando a sua direção a cargo de Camilo Fernandes.
Durante as refeições haverá sempre concerto musical por um grupo de distintos artistas.»

film "Fatima Milagrosa" (mudo) de Rino Lupo, depois de estreado no "Teatro Rivoli" no Porto em 7 de Abril  a que se seguiu a sua estreia no "Teatro Politeama" em Lisboa a 12 de Maio de 1928, em 28 de Julho era a vez de estrear no "Olimpia" que foi acompanhado «com partitura adequada por Guilherme Ferreira, violino director do Olimpia-Orquestra-Jazz e pelos distintos artistas Alberto Fernandes (pianista), Jose de Sousa Pinto (saxofone), Francisco Furtado (trompete), Antonio Moreira (trombone de varas), Francisco Fonseca (contrabaixo) e Antonio Lopes (jazz-band).» No final do texto anterior jazz-band equivaleria a bateria.

Publico de seguida, anúncio do jornal "Diario de Lisbôa", de 13 de Julho de 1927, ao "Restaurant Olimpia", (ex-"bufete") explorado pela firma "Amoedo Portela & Nazaret", que confirma que até esta data ainda não funcionava como club nocturno.


13 de Julho de 1927

Este novo «bufete» que virou «restaurant», e que funcionava no 1º andar do edifício do Salão "Olimpia", terá sido o embrião para o aparecimento, dois anos depois, do "Olimpia Club", cujo primeiro anúncio a que tive acesso publico de seguida, e que data de 6 de Fevereiro de 1929, por altura do Carnaval.

Primeiro anúncio que tive acesso ao "Olimpia Club", de 6 de Fevereiro de 1929


Nota: foto anterior (s.d. colecção Silvestre Navarro) do livro "Roteiro do Jazz na Lisboa dos anos 20-50" de João Moreira dos Santos.

Como «casa de jogo» presume-se que já funcionaria desde 1918, a fazer fé na seguinte passagem, que transcrevo, do "Diario da Câmara dos Deputados" da sessão de 25 de Fevereiro de 1920, na página 7:

«Informação que colhi convencido do que apenas poderia trazer à Camara a nota das verbas cobradas e distribuídas desde 1918 para cá.
Eu vou ler à Câmara.
O Sr. Eduardo de Souza (interrompendo): - Peço a V. Ex,a que leia primeiramente os nomes das casas de jogo que pagaram.
O Orador (lendo): - Clube Vila Garcia, Pedrouços, 100$; Palácio da Regaleira, rã, 1.500$; Sporting Clube de Lisboa, 1.000$; Clube dos Restauradores, (Ma-xime), 4.0000-; Clube dos Patos, 1.000$; Grémio Português (Redondo), 800$; Clube Nacional, 1.000$; Palace Clube, 3.000$; Clube da Restauração, 200$; Clube a Fita, 200$; Recreativo Popular, 200$; Clube Internacional, 800$; Rossio Clube, 1:000$; Bristol Clube, 1.000$; Majestic Clube, 3.000$; Índia Clube, 200$; Clube da Forra, 200$; Olímpia Clube, 200$; Petit Foz, 200$; Palais Royal, 300$; Moulin Rouge, 200$; Clube Montanha, 200$; Academia Recreativa Estrela Polar, 200$; Clube Recreativo Internacional, 200$; Clube Recreativo do Monte, 200$; Rato Clube, 200$: Clube dos Bebianos, 200$; Clube Recreativo, 200$; Clube dos Quatro, 200$; Recreativo Aliança, 200$; Beato Clube, 200$: Clube 31 de Janeiro, 200$; Clube Recreativo 5 de Outubro, 200$; Clube Luso-Breme, 200$; Ritz-Club, 1.500$. »

Penso que seria uma sala dedicada exclusivamente a jogo, como era costume na época, não tendo espectáculos nem jazz-band. Neste tipo de salas os jogos mais concorridos eram a roleta, o bacarat e a banca francesa, todos jogos de azar proibidos. Mas também se jogava bilhar, mah-jong, king, e bridge. A partir de 1929 (deduzo eu) terá se transformado exclusivamente em cabaret, com jazz-band privativa, ou convidada, e, como já referi, passa a denominar-se "Olimpia Club".


1929

Acerca dos clubs nocturnos, aqui fica um artigo da autoria de Félix Correia, publicado no jornal "Diario de Lisbôa", em 13 de Julho de 1927. 

(clicar para ampliar)

Nesta altura reinavam o "Alhambra", no "Parque Mayer", o "Bal-Tabarin Montanha" na Rua da Glória, o "Avenida Palace Club" no Palácio Lima Mayer, "Monumental Club" (ex-"Majestic Club") na Rua Eugénio dos Santos, o "Palace Dancing" (ex-"Ritz Club") e o "Maxim's" ambos no Palácio Foz.

Foi nesta sala que o famoso guitarrista Armandinho (1891-1946), fez a sua estreia como guitarrista profissional, acompanhado à viola por João da Mata Gonçalves. Continuaria a manter em simultâneo com outros trabalhos como sapateiro, operário da "Companhia Nacional de Fósforos", servente do "Casão Militar" ou fiscal do "Mercado da Ribeira".


1930

O "Olimpia Club" esteve presente no desenvolvimento do jazz em Portugal ao ter estreado, em 12 de Março de 1930, a jazz-band cubana  "The Ibero American Syncopators", liderada por Santiago Sanches, e composta por nove músicos, a maioria dos quais negros. A sua contratação para o "Olímpia Club" entre 12 e 28 de Março foi resultado do grande sucesso que alcançara no decurso d o evento «Semana Portuguesa» na "Exposição Ibero-Americana" realizada em Sevilha entre Maio de 1929 e Junho de 1930, onde actuara no restaurante "Plantación". Também deu espectáculo o bailarino Elias Pierre, anunciado na imprensa como «o rei do charleston e do black-bottom». Aqui deu, aliás, lições grátis, tendo ensinado «a dançar todas as damas e cavalheiros em 10 segundos o black bottom».


18 de Março de 1930


28 de Março de 1930

Também em Março de 1930, apresentou-se no "Olímpia Club" a orquestra do pianista António Roman Navarro. Além desta, passaram por esta sala a "Orquestra Abel Rezende", que se estreou no Salão "Olímpia" em 1927 e que aqui atuou regularmente durante mais de 14 anos, assim como, nos anos 50 do século XX, a "Orquestra Royal Jazz", com o violinista Rosário, o cantor Abreu Moreira e "Os Magos do Ritmo".

29 de Março de 1935


1939

1940


1949

«Mais importante nesta década foi a presença do conjunto de Domingos Vilaça, músico que aqui atuava em Fevereiro de 1954 e cujo prestígio como instrumentista era já tão significativo na época que a direção do Olímpia Club chegou mesmo a publicar anúncios na imprensa para realçar a sua contratação. Justamente distinguido, Vilaça foi um dos pioneiros no jazz em Portugal, tendo gravado nos anos 50, para a editora Alvorada, os primeiros dois discos deste género musical realizados por músicos portugueses» in: "Roteiro do jazz na Lisboa dos anos 20-30" de João Moreira dos Santos (2012).

27 de Fevereiro de 1954

O "Olimpia Clube", explorado pela "Empresa António Martins", encerraria em definitivo no Carnaval de 1959 Nestes anos «reinavam» o "Tágide", "Maxime" "Ritz Club", "Negresco", "Bico Dourado", "Nina", "Principe Negro", "Pasapoga", etc.

9 de Fevereiro de 1959

"Olimpia" em foto de 1960


fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaCasa Comum, Publisite