O “Café Restaurant Royal”, localizado na Praça Duque de Terceira, ao Cais do Sodré, em Lisboa, terá aberto as suas portas em 1904, após o trespasse da loja ter sido adquirido por um brasileiro, com a finalidade de ali instalar um café elegante.
A loja deste edifício onde se instalaria o “Royal”, esquina com a Rua do Alecrim, albergava, até então, a alfaiataria “A. P. Rego Taylor”, do alfaiate Rego, que se mudaria para o largo do Corpo Santo. Antes do alfaiate tinha sido um armazém de fazendas. Poucos meses depois, do “Café Royal” ter aberto as suas portas, já o proprietário o colocava no mercado para trespasse «por preço disso condigno».
“A. P. Rego Taylor”, à esquerda na foto
Depois de profundas obras de remodelação, a nível de interiores exteriores, o “Cafe Restaurant Royal”, já propriedade da firma "Pereira & Seara", abriu em Outubro de 1905. O Café estava equipado com um alpendre de ferro forjado e vidro, estilo “Arte Nova”, com as paredes exteriores enriquecidas com painéis de azulejos, fabricados pela “Fábrica de Cerâmica Constância”, a partir de desenhos encomendados a J. Bonnadove, Os seus interiores também estavam decorados em estilo “Arte Nova”, com mesas monogramadas e espelhos debruados a ouro.
Outubro de 1906
Nas suas fachadas um exuberante conjunto de painéis (“Arte Nova”) pintados a azul, rematados por cercadura policromada, no entanto, apenas o da “Água Castello” publicitava um produto, sendo excepcional no que respeita à iconografia do conjunto, pois na sua maioria, os painéis parecem respeitar ao espaço do Café.
O “Café Restaurant Royal” seria, posteriormente, trespassado a José Blanco Rodriguez, e em 1932, por morte deste, já era propriedade de sua herdeira Ramona Rodriguez Perez. De referir que este Café sempre se manteria nesta família até ao seu encerramento definitivo, em 1959.
1932
Entre a lista de clientes destacam-se Columbano, Raphael Bordallo Pinheiro, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Camilo Pessanha, António Botto, Gago Coutinho, Cunha Leal, Lopes Graça, Luís Pacheco, Reinaldo Ferreira (“Repórter X”), Mário Cesariny, Mário Domingues, etc. e a propósito …
«Foi muito conhecido sobretudo no período da primeira Guerra Mundial. Era então frequentado por passageiros e tripulantes de barcos que vinham ao Tejo e por espiões, tanto do lado aliado como do lado alemão. Fervilhava então de gente, o mais heterogénea possível. Um dos seus clientes mais assíduos durante algum tempo e que escreveu sobre ele, foi Reinaldo Ferreira, o talentoso e infeliz Repórter X. Outro frequentador desse café, foi o companheiro daquele, Mário Domingues, um homem de cor, natural de S. Tomé, também jornalista e novelista policial de mérito, que depois se dedicou à divulgação de temas históricos. O Café Royal teve o destino de outros cafés de Lisboa: é agência de um banco.» in “Olisipo”, boletim do Grupo "Amigos de Lisboa"
Anúncio de 1942
Mário Domingues, outro habitué do “Royal”, e em tom de elogio, escreveria o seguinte texto para num panfleto promocional, do “Café Royal”, antes do seu encerramento em 1959:
«Conheci naquele aconchegado café tantos tipos humanos, presenciei tanto drama, escutei tanta inconfidência, lidei com gente tão fraternal e, por vezes, com patifes, escroques internacionais, mal disfarçados espiões que se acotovelavam com ingleses gelados e rígidos por fora e sentimentais por dentro, holandeses saudáveis, americanos mal educados mas good-fellows; impregnei-me de tanta humanidade, armei-me de tanta compreensão e tolerância que considero o Royal o maior tesouro espiritual da minha vida.»
O “Café Restaurante Royal” encerraria definitivamente em 31 de Dezembro de 1959, após o que o edifício entrou em obras de recuperação e alteração nos pisos superiores. O espaço outrora ocupado pelo “Café Royal” viria a ser ocupado por uma agência bancária do “Banco Borges & Irmão (1937-1996), actual “BPI - Banco Português de Investimento” (1981 -). Quanto aos azulejos da seu exterior foram retirados intactos e estão, actualmente, guardados no depósito do “Museu do Azulejo”.
1959 1961
fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Hemeroteca Municipal de Lisboa
3 comentários:
A agência bancária era do Banco Borges e Irmão. Posteriormente, em 1996, foi adquirido pelo BPI (Banco Português de Investimento).
Caro Manuel Tomaz
Muito grato pela sua informação.
Cumprimentos
Chego tardíssimo, entre 1958 e 1963, fui frequentador regular do Café Royal - um dos principais locais de Lisboa onde fiz na altura a minha imersão na vida cultural da época e das suas implicações políticas daquela altura. Como outros moradores na Linha de combóio da Costa do Sol, entre os quais Mário Henrique Leiria e Viriato Camilo, desembarcámos depois de almoço no Cais do Sodré e íamos beber a bica no Café Royal dos azulejos azuis, onde mandava o Pepe Blanco, cunhado do Viriato e dono do café, em breve pai da futura actriz Rita Blanco, além de uma série de personagens - todos mais velhos do que eu - do mundo cultural da esquerda mais ou menos clandestina da época, como alguns dos aqui mencionados mas tb o pintor António Domingues, filho do escritor, o próprio Herberto Helder ocasionalmente e outros cujo nome a memória não recorda neste momento!
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