Restos de Colecção: Casa do Povo d’Alcantara

17 de dezembro de 2017

Casa do Povo d’Alcantara

A primeira loja “Casa do Povo d’Alcantara” abriu as suas portas em Abril de 1899, num gaveto entre a Rua do Livramento (actual Rua Prior do Crato) e a Rua Cascaes (actual Rua João de Oliveira Miguens).

                                    13 de Abril de 1899                                                                            1905

     

Este estabelecimento era propriedade de João de Oliveira Miguens (1867-1907), figura destacada do directório do “Partido Republicano Português”, Grão-Mestre da Maçonaria e que, em 1902, por ocasião do Convénio, organizou uma tentativa de levantamento armado em Alcântara. Assim se explica que pouco depois da implantação da Republica, em 1910, julgou por bem a Câmara Municipal de Lisboa atribuir o seu nome a uma Rua adjacente à sua antiga propriedade.

João Oliveira Miguens (1867-1907)

A “Casa do Povo d’Alcântara” era uma loja de piso térreo e que comercializava, sobretudo, tecidos e roupas, além de alfaiataria e camisaria, e em que os seus os fregueses recebiam pratos-brinde executados pela Fábrica de Louça de Alcântara, fundada em 1885.

No dia 18 Fevereiro de 1905 foi a esta a casa comercial que Manuel Gourlade, tesoureiro do “Grupo Sport Lisboa” pagou 12 mil réis, pela compra das primeiras 12 camisolas de flanela vermelha para o clube, fundado, em Belém, menos de um ano antes, em 28 de Fevereiro de 1904. A factura ainda existe e tem um merecido lugar de destaque no acervo do actual “Museu Cosme Damião”, do “Sport Lisboa e Benfica”.

Entretanto, com a morte de João de Oliveira Miguens em 7 de Janeiro de 1907, a loja "Casa do Povo d'Alcantara" é demolida e é iniciada, em 1906, a construção, a cargo de Guilherme Francisco Baracho,  de um novo e grandioso edifício em ferro e betão, com projecto dos arquitectos franceses Ch. Vieillard e F. Touzet, que demorou 14 meses e cujo custo, «comprehendendo o edificio, mobiliario, installações, etc., orça por uns cem contos de réis.». As instalações eléctricas ficaram a cargo de Alfredo de Brito. Recordo que tanto os arquitectos como o construtor, foram, igualmente, responsáveis pela construção da garagem Auto-Palace na Rua Alexandre Herculano e inaugurada em 1908.

“Casa do Povo d’Alcantara”, aquado da sua inauguração em 21 de Junho de 1907

8 de Agosto de 1907

Este novo edifício, e nova "Casa do Povo d'Alcantara", inaugurado em 21 de Junho de 1907, era propriedade de 32 sócios, «sendo seus directores os srs. Barroso & C.ª e José Antonio da Trindade, e formando o conselho fiscal as firmas: Oliveira Soares & C.ª, Santos Mattos & C.ª e Pacheco & Pinto.» além da mãe do falecido fundador. A gerência foi entregue a José António Trindade, que tinha sido o primeiro funcionário da antiga loja.

Edifício da "Casa do Povo d'Alcantara"

Localização do edifício da "Casa do Povo d'Alcantara", dentro da elipse desenhada

Quanto ao edifício, o jornal “Vanguarda”, assim o descrevia:

«O edificio magnifico, occupa um enorme espaço de terreno das ruas do Livramento e Cascaes, tendo onze vãos, dois dos quaes, um para a primeira rua indicada, com o nº 137, que dá acesso ao publico e outro com o nº 36, na segunda, para serviço do pessoal, despacho de fazendas, etc., constituindo os restantes os mostruarios externos do estabelecimento.
A armação, balcões, mostruario e mais mobiliario elegantissimos, são de carvalho do norte envernizado e os sobrados, á ingleza.
Ao fundo do estabelecimento ha uma larga e bem lançada escadaria desdobrada em dois lanços, que communica os tres pavimentos, vendo-se n'uma sobre-porta, á direita, o retrato do fundador da casa.
No primeiro pavimento acham-se installadas as secções de modas, fanqueiro, retrozeiro, perfumaria, luvaria, gravataria, etc., no segundo os de alfaiataria, camisaria, sapataria, chapelaria e sombreireiro, e no terceiro tudo quanto constitue a guarnição d'uma casa, desde a sala até á cozinha.
Pela porta da rua Cascaes entra-se para os despachos de fazenda, no pavimento terreo e no primeiro andar; e para os escriptorios e administração, no segundo andar.»

Lateral (à esquerda na foto) para a Rua de Cascaes

 

Cupão de desconto

22 de Dezembro de 1907

Última referência publicitária a que tive acesso, no Almanaque do jornal “O Mundo” para 1913

A existência da “Casa do Povo d’Alcântara”, não foi muito longa e, depois de encerrada e o seu interior ser profundamente transformado, tornou-se no café-concerto “Rialto”, inaugurado em 12 de Junho de 1937 e propriedade da firma “Tavares & Ferreira, Ltda.”. A sua existência foi ainda mais curta.

11 de Junho de 1937

1937

 

Se a existência da “Casa do Povo d’Alcântara”, não foi muito longa, então a do “Rialto” … e em 18 de Setembro de 1942, é fundado o “Atlético Club de Portugal”, fruto da fusão entre o “Carcavelinhos Football Club” e o “União Foot-ball Lisboa”, e instala a sua sede no edifício onde tinha funcionado a “Casas do Povo d’Alcântara” e o “Rialto”, razão pela qual, ainda hoje, este edifício é designado, oficialmente, por “Edifício do Atlético Clube de Portugal”.

Em 1945, o “Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa” compra o edifício promovendo um projeto de remodelação da responsabilidade do arquitecto António Lino que, entre outras alterações transformará as antigas portas do piso térreo em montras. Em 1990, é a vez da “Escola Superior de Artes Decorativas” da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva instalar-se nos pisos superiores onde ainda hoje se mantém.

 

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital

4 comentários:

Anónimo disse...

Muito interessante este artigo.

Ficou-me uma dúvida, resultante da foto e do texto.

O Fundador morreu em 1906 ou em 1907?

Meus cumprimentos,

Manuel A.

José Leite disse...

Caro Manuel A.

Foi lapso meu, ao escrever 1906.

Ele morreu a 7 de Janeiro de 1907.

Os meus cumprimentos
José Leite

João Celorico disse...

Caro José Leite,
só hoje me apercebi do seu regresso que muito saúdo.
Quero apenas deixar, não umas correções mas umas notas acerca da evolução do nome das artérias referidas.
Assim:
- A Rua do Livramento, passou a rua D. António Prior do Crato e actualmente apenas Rua do Prior do Crato. A calçada do Livramento, lá continua mais ou menos a meio,
- A Rua de Cascaes, foi encurtada e entre a rua Prior do Crato e a av. 24 de Julho/rua Fradesso da Silveira, passou a chamar-se Rua José de Oliveira Miguéns.
- A rua de Cascais é, agora, apenas entre a José de Oliveira Miguéns e a av. da Índia.

Aproveito para lhe enviar os meus votos de Boas Festas e Santo Natal para si e os que lhe são mais queridos.

João Celorico


José Leite disse...

Caro João Celorico

Muito grato pelo sempre bem-vindo comentário e pelas, não menos bem-vindas informações adicionais.

Realmente é João de Oliveira Miguens e não José.

Retribuo os sues votos de Feliz Natal e Boas Festas para si e sua família.

Abraço

José Leite