Em 1 de Setembro de 1896, nasceu a Oceanografia portuguesa, quando o Rei D. Carlos I (1863-1908) - e de seu nome completo, Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão - iniciou a bordo do seu primeiro yacht real “Amelia”, uma série de campanhas ao longo da costa atlântica de Portugal que se prolongariam até 1906. Além do interesse científico, D.Carlos I preocupou-se também em estudar os recursos marinhos vivos da costa portuguesa, tendo por objectivo maximizar o rendimento da indústria e do comércio da pesca. Esta era uma das mais significativas actividades económicas do país que, atravessando uma crise política e financeira graves, herdara para governar. Em 1898, dedicou-se, em especial, à investigação sobre pescas marítimas, tendo inclusivamente publicado o seu estudo sobre “A Pesca do Atum no Algarve”, editado pela “Imprensa Nacional”, Lisboa, em 1899.
Alguns trabalhos oceanográficos realizados por D. Carlos I, ou por ele patrocinados, foram pioneiros na oceanografia mundial. A sua ligação próxima ao Príncipe Alberto I do Mónaco, um dos mais brilhantes oceanógrafos desta era de exploração, foi certamente decisiva.
Interior de um navio oceanográfico, no início do século XX, numa reconstituição do “Museu Oceanográfico do Mónaco”
Os quatro yachts reais tiveram todos o nome de “Amelia” em honra a D. Maria Amélia Luísa Helena de Orleães (1865-1951), Rainha e esposa do Rei D. Carlos I.
De seguida umas páginas duma publicação do “Clube Naval de Lisboa”, de 1932, em que esclarece os significados dos termos yacht e iate.
O yacht real “Amelia” (I) foi construído em Preston, Inglaterra, em 1878, foi adquirido pelo ainda príncipe D. Carlos em 1888, chegando a Cascais em 3 de Setembro deste ano. O seu casco era de ferro, tinha 33,84 metros de comprimento, deslocava 147 toneladas e atingia uma velocidade de 10 nós. Tinha três embarcações e vários apetrechos para os estudos oceanográficos a que o monarca se dedicava.
Primeiro yacht “Amelia” que chegou pela primeira vez a Cascais em 3 de Setembro de 1878
A gravura anterior, representa o yacht "Amelia" na viagem que fez de Lisboa a Setúbal, com os Duques de Bragança a bordo. No topo do mastro da proa içado o galhardete distintivo de vice-comodoro da “Real Associação Naval”, no mastro grande o galhardete branco com a Cruz de Aviz, distintivo do príncipe real D. Carlos. No mastro de ré o mariate J.B.C.S. pelo que o yacht poderia ser reconhecido em qualquer porto e por qualquer navio que se cruzasse com ele.
O segundo yacht real, o “Amélia” (II), foi construído em Leith, Escócia, em 1880, foi baptizado “Geraldine”, sendo adquirido em 1897 pelo Rei D. Carlos I, em troca do “Amelia” (I) e rebaptizado “Amelia” (II). Construído em ferro, deslocava 301 toneladas, tinha 45 metros, um calado de 3,20 metros e atingia a velocidade de 11 nós. A sua guarnição era de 20 homens, não incluindo os oficiais e um naturalista. Como o anterior “Amelia” tinha todos os apetrechos necessários para as campanhas oceanográficas e todos os instrumentos para a rápida preparação e conservação de exemplares.
Yacht “Amelia” (II)
“Campanha Oceanográphica de 1896”
Gravura desenhada pelo rei D. Carlos I e páginas descrevendo os objectivos da Campanha Oceanographica de 1896
para consultar este livro completo acessar à UTL - University of Totonto no seguinte link directo : Archive.org
Em 1899 foi trocado pelo “Yacona”, que viria a ser o terceiro iate “Amelia”.
O yacht “Amelia” (III) foi construído em Inglaterra em 1898 onde se denominava “Yacona”. Foi adquirido em 1899 pelo Rei D. Carlos I à “Kinghorn, J. Scott & Co.”. O seu casco era em aço, deslocava 650 toneladas e tinha uma guarnição de 36 homens, incluindo três oficiais de marinha, um médico e um naturalista, O seu comprimento era de 54,86 metros, calava 4 metros e equipado com uma máquina a vapor de 650 cv. atingia urna velocidade de 14 nós. Participou em diversas campanhas oceanográficas dirigidas pelo Rei D. Carlos I, com a colaboração de oficiais da Armada.
Yacht “Amelia” (III)
Em 1901 foi trocado pelo yacht “Banshee” que viria para Portugal receber o nome de “Amelia” o quarto e último.
O yacht real “Amelia” (IV) foi construído em Leith, Escócia, nos estaleiros ‘Ramage & Ferguson’ no ano de 1900, e foi adquirido em 1901 pelo Rei D.Carlos I em troca do anterior “Amelia”. Projectado como um cruzador ligeiro, este navio assemelhava-se, nas dimensões e no aparato, ao célebre “Princesse Anne II” do príncipe Alberto I do Mónaco, que como já foi atrás mencionado, também um percursor e apaixonado pela Oceanografia.
Chegou a Cascais em 2 de Novembro de 1901. Com casco em aço, um comprimento de 70,1 metros e um deslocamento de 1370 toneladas, atingia uma velocidade de 14 nós. Era guarnecido por 74 homens, tinha seis embarcações, sendo uma a vapor e outra movida a electricidade. Tinha todos os apetrechos necessários aos trabalhos oceanográficos.
Notícia no jornal “Diario Illustrado” da chegada do novo yacht “Amelia” a Cascais em 2 de Novembro de 1901
Yacht “Amelia” (IV)
É de salientar o extraordinário papel desempenhado pelo Rei D. Carlos I no domínio da divulgação científica, fazendo chegar ao conhecimento público os resultados das suas campanhas oceanográficas, organizando exposições com o material zoológico recolhido ou ainda com istrumentos de uso corrente em oceanografia e aparelhos de pesca.
D. Carlos I, publicou também diversas obras de reconhecido mérito científico, de entre as quais se destacam "Resultados das Investigações Scientificas feitas a bordo do Yacht "Amélia" .Pescas maritimas. I. - A Pesca do Atum no Algarve em 1898 e II- Esqualos obtidos nas campanhas de 1896 a 1903 efectuadas a bordo do "Yacht Amelia".
O mérito da sua obra foi internacionalmente reconhecido, como o demonstram os numerosos diplomas que lhe foram conferidos pelas mais prestigiadas instituições científicas da época.
Estabeleceria uma profunda amizade com Alberto I, Príncipe do Mónaco, igualmente um apaixonado pela oceanografia e as coisas do mar. Desta relação nasceu o “Aquário Vasco da Gama”, inaugurado em em 20 de Maio de 1898, que pretendia em Portugal desempenhar papel semelhante ao “Museu Oceanográfico do Mónaco”.
Rei D. Carlos I a bordo do yacht “Amelia”, em 1901
Interiores do yacht “Amelia”
Camarinha da Rei
Sala de refeições
Camarinha da Rainha Escritório
Foi neste yacht que a família real, já com D. Manuel II como rei, embarcou para o exílio na Ericeira, em 5 de Outubro de 1910 rumo a Gibraltar, donde seguiriam para Inglaterra num navio inglês.
Última bandeira de Comodoro do Real Club Naval de Lisboa hasteada, pelo rei D. Manuel II no iate “Amelia” ao chegar a Gibraltar
Em 1911, em consequência da implantação da República, o yacht “Amelia” seria rebaptizado com o nome de NRP “Cinco de Outubro”, passando a ser considerado Cruzador.
Aviso “Cinco de Outubro” no porto de Ponta Delgada
Em 1912 o NRP “Cinco de Outubro” foi reclassificado como Aviso, sendo, essencialmente empregue como navio hidrográfico. Até 1937 participou nas missões hidrográficas na costa de Portugal Continental e no arquipélago da Madeira. De observar que, também em 1901, foi incorporado na Marinha Portuguesa um navio quase homónimo, o cruzador “Rainha Dona Amélia”. Este navio passou a ser designado NRP “República”, depois de 5 de Outubro de 1910.
A família Real possuíu ainda outros três embarcações de recreio, ambos já no início do século XX e de menores dimensões, o palhabote “Lia” o yacht a vapor “Sado” .
Palhabote “Lia” Iate “Sado”
Era no palhabote “Lia” que a família real assistia às regatas em Cascais. Mas no ano de 1902, um dos mais profícuos em disputas náuticas, a “Comissão de Regatas de Leixões”, dirigida por Alberto Kendall, organizou a primeira Regata Oceânica realizada em Portugal, e que para tal pediu o auxílio do “Real Clube Naval”. O “Lia” inscreveu-se na prova ao que a Comissão de regatas escreveu: «(…) Foi com verdadeiro enthusiasmo que recebemos a noticia telegraphica que S.M. a Rainha se dignou abrilhantar as nossas festas mandando o seu palhabote “Lia” a Leixões, pelo que a Comissão está penhoradíssima. (…)». A prova teve início em Leixões a 10 de Setembro de 1902 e foi vencida pelo “Lia” que chegou a Lisboa a 12 de Setembro.
Moeda e selo comemorativos do centenário das expedições oceanográficas
2 comentários:
As camarinhas, do rei e da rainha, e outras peças do Iate Dona Amélia podem ser vistas
no Museu da Marinha, em Belém
Abraço,
Pedro Ferreira
Caro Pedro Ferreira
Tem toda a razão. Eu já sabia.
De qualquer maneira, os meus agradecimentos pela informação.
Um abraço
José Leite
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