Restos de Colecção: Sede do Banco Nacional Ultramarino

11 de abril de 2015

Sede do Banco Nacional Ultramarino

O “Banco Nacional Ultramarino - BNU” foi criado em Lisboa, por Carta de Lei de 16 de Maio de 1864, assinada pelo rei D. Luís e subscrita por José Mendes Leal (Ministro da Marinha e Ultramar) e João Crisóstomo de Abreu e Sousa5 (Ministro das Obras Públicas), que autorizava a criação do “Banco Nacional Ultramarino” por tempo indeterminado e com sede e direcção em Lisboa, sendo seu fundador Francisco d’Oliveira Chamiço. O BNU, ao longo da sua actividade (1864-2001), teve a sua primeira sede instalada no “Palácio Ferreira Pinto Basto” (edifício arrendado) no Largo das Duas Igrejas - edifício que em 1913 viria a ser ocupado por “A Mundial - C.ª de Seguros” -, hoje Largo do Chiado em Lisboa. A sua segunda sede localizada na Rua Augusta e a terceira, a partir de 1989, na Avenida de 5 de Outubro, ambas em Lisboa.

Sede do BNU na Rua Augusta em 1964

Fundador e 1º Governador do BNU, Francisco d’Oliveira Chamiço

      

Anúncio de 1910 mencionando ainda Rua dos Capellistas à Rua Nova d’El Rei (do Comércio após Novembro de 1910)

Neste artigo vai ser feita uma resenha histórica da sede do “BNU - Banco Nacional Ultramarino” que se instalou no edifício, que ocupa na totalidade o quarteirão delimitado a Norte pela rua de São Julião, a nascente pela rua da Prata, a Sul pela Rua do Comércio e a poente pela Rua Augusta, e que acolhe actualmente o “MUDE - Museu do Design e da Moda”. Este quarteirão, integrado no plano de reconstrução da Baixa Pombalina, era constituído por diferentes lotes com funções distintas - habitação e comércio -, tendo sido gradualmente convertidos a partir do final do séc. XIX em edifícios para uso exclusivo terciário - bancário - e mais tarde exclusivo ao BNU.

Edifício que albergou a 1ª sede do BNU, no Largo das Duas Igrejas

O incremento da actividade do BNU em Lisboa, desde logo, tornou-se incompatível com a localização da sua primitiva sede no Largo das Duas Igrejas, ao Loreto. Deste modo tornou-se indispensável transferi-lo para a Baixa, centro da vida económica e comercial de Lisboa. Pondo termo ao contrato de arrendamento com José Ferreira Pinto Basto, o “Banco Nacional Ultramarino” adquiriu um prédio de esquina, da Rua Nova d’El-Rei (ex-Rua dos Capellistas e hoje Rua do Comércio) com a Rua Bella da Rainha (hoje da Rua da Prata), n.º 66 a 74 na primeira e 23 a 31 da segunda. A compra do edifício, mediante o encargo de 30:000$00 réis, foi legalmente constituída por escritura de 23 de Novembro de 1866, não tardando operar-se a transferência de vários serviços. A nova sede permitiu ao BNU conhecer um novo e decisivo impulso.

2ª Sede do BNU na Rua Nova d'El Rey (Rua do Comércio) esquina com a Rua Bella da Rainha (Rua da Prata)

Começava assim a escritura:

"Saibam quantos esta escriptura de venda, quitação e obrigação virem que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos sessenta e seis aos vinte e três dias do mez de Novembro nesta cidade de Lisboa na Rua Augusta, nº 28 - 1º andar no meu escriptório, compareceram de uma parte o Ilust. José Carlos Mardel Louceira, casado, proprietário, na qualidade de procurador de Sr. Conde de Óbidos e de Sabugal… e de outra parte o Ill. Francisco d’Oliveira Chamiço, Negociante, na qualidade de governador do Banco Nacional Ultramarino… Disse que o seu constituinte é senhor e proprietário e possuidor de uma propriedade de casas composta de lojas, três andares e portadas, situadas na Rua Nova d’El Rei, nºs sessenta e seis a setenta e quatro, sendo o numero setenta sito na parte de arcada, com frente para a Rua Bella da Rainha, números vinte a trinta e seis e sequencia de S. Julião... Pela quantia de vinte e cinco contos e oitocentos mil reis.”

No início do século XX, entre 1920 e 1930, este edifício sofreria a sua primeira grande intervenção arquitectónica, pelo traço do arquitecto Tertuliano Marques, reforçando o edifício e dotando-o de todas as condições necessárias ao funcionamento do Banco, dignificando-o através da construção de um hall octogonal rematado por um lanternim e projectando um conjunto de casas-fortes no piso enterrado. Nesta época o BNU tinha como Governador, o Dr. João Henrique Ulrich.

Dr. João Henrique Ulrich - Governador do BNU entre 1918 e 1931

1926

Nos anos 50 do século XX, as instalações da sede do BNU eram já consideradas diminutas e insuficientes para os 600 funcionários que acolhia diariamente. Após a aquisição total de todos os lotes que compunham o quarteirão, o “Banco Nacional Ultramarino”  ganhou uma nova liberdade sobre a propriedade aspirando a uma notoriedade e modernidade até então desconhecida na baixa Pombalina e mesmo no resto da cidade. O recém-nomeado Governador, Francisco José Vieira Machado (entre 1951-1972) convidou o arquitecto Luís Cristino da Silva para iniciar o processo de remodelação e ampliação do edifício BNU, antevendo a comemoração do centenário do BNU em 16 de Maio de 1964 e afirmando-se em território continental e ultramarino e no mundo como o maior banco português.

O projecto para a remodelação e ampliação da sede do BNU, totalizando a área do quarteirão, foi entregue ao arquitecto Cristino da Silva tendo decorrido entre 1952 a 1967, com a apresentação de vários projectos. O arquitecto, procedeu a grandes melhoramentos no edifício, quer ao nível estético quer ao nível funcional, realizando o remate do topo poente do quarteirão com frente para a Rua Augusta, a ampliação da cave, a construção do 4º e 5º pisos e o fecho do hall octogonal com vista à maximização da área útil do edifício. Ao nível das fachadas, o projecto gerou uma “situação de compromisso com a expressão Pombalina, engrandecendo as janelas do piso 2 e criando uma ligação formal com as varandas do piso 1”.


O programa funcional do edifício seria também uma situação de compromisso entre o projecto de 1930 e 1952, nomeadamente: no piso -1, foram instaladas as casas forte e uma área com acesso independente destinada à zona técnica; no piso térreo, foram mantidos os serviços de expediente e de tesouraria, assim como os vestiários e a Sala da Direcção; o piso 1, continuou a servir a Administração do Banco, com a localização dos gabinetes, a sala do Conselho e uma sala de Recepção, sendo a restante área destinada ao serviço de Letras de atendimento ao público; no piso 3, localizava-se a zona do Governador, a sala da Assembleia Geral e os serviços de Contabilidade e Informações; no piso 3 encontrava-se o serviço de Averbamento, Correspondência e Telegramas e Contencioso; no piso 4, localizavam-se os serviços de Inspecção Geral, Dossier e Economato; no piso 5, encontrava-se o Arquivo, espaços de apoio ao funcionamento do banco e espaços técnicos e, finalmente, no piso 6 localizava-se a Sala de Estar da Administração e o terraço.

Entrada principal pela Rua Augusta

Hall de entrada do edifício e balcões de atendimento ao público no piso térreo

 

 

Pintura de Jayme Martins Barata intitulada “O Fomento Ultramarino e a Metrópole”, no serviço de câmbios

  

  

 

Sala de recepção, “Sala Dr. Luís Pereira Coutinho”

 

Sala de estar da Administração no terraço

 

Auditório

 

“Gabinete do Governador”

Sede do BNU (Gabinete do Governador).25.1 Sede do BNU (Gabinete do Governador).25.2

Reconstituição do “Gabinete do Governador” exposta no “MUDE”

 

Daciano da Costa assina o projecto de arquitectura de interiores e mobiliário para a sala de jantar da administração, bem como assentos para zonas públicas. Jaime Martins Barata pinta "O Fomento Ultramarino", mural da sala de reuniões da Administração. As novas instalações seriam inauguradas em 16 de Maio, ano do 1º centenário do BNU. Na remodelação do edifício teve acção relevante o Dr. Luís Pereira Coutinho, administrador do Pelouro das Obras. Em sua homenagem o Conselho de Administração deu o seu nome a uma das salas.

As casas-fortes do “Banco Nacional Ultramarino” foram feitas na cave do edifício da Rua Augusta pela “CHUBB & Son's Lock and Safe Co Ltd.” Esta sociedade foi fundada pelos irmãos Charles e Jeremiah Chubb, em 1818 em Portsmouth, após a invenção por Jeremiah Chubb, de uma fechadura que só podia ser aberta com as suas próprias chaves, o que revolucionou a indústria de fechaduras e deu fama aos irmãos Chubb.

O Governador Francisco José Vieira Machado foi a Inglaterra visitar as casas fortes do “Banco de Inglaterra” e encomendou o mesmo modelo para o BNU. Vieram os ingleses da CHUBB e orientaram as obras na cave do edifício da Rua Augusta. Fez-se a escavação da cave que se prolonga por todo o edifício ficando este assente em macacos hidráulicos até se completarem as obras.

Acesso às casas-fortes

As obras da “nova” Sede começaram em 1962 e nas comemorações do centenário do Banco, 16 de Maio de 1964, foram inauguradas as casas fortes, juntamente com o restante edifício que, dado o luxo do seu revestimento, com mármores e granitos estrangeiros, e as características da sua construção ficaram a seu consideradas as melhores da Europa. Os diversos sectores das casas fortes estão ligados por portas, com segurança duplicada, que só permite a sua abertura com a intervenção de claviculários de ambos os lados.

Eram os seguintes os sectores das casas-fortes do BNU:

- Casa-forte dos cofre de aluguer, que está agora aberta às visitas do público.
- Casa-forte da tesouraria que incluía a casa forte da moeda estrangeira.
- Casa-forte das letras.
- Casa-forte dos títulos.

Toda a zona das casas-fortes e o seu sistema de portas torna completamente estanque toda a área, de forma que, por mais inundações que haja na baixa, não será afectada a zona dos cofres por qualquer pingo de humidade. Pensa-se que, da forma como foram construídas as casas-fortes e a sua inserção na estrutura das caves, não seria possível, agora, retirar esta estrutura, sem danificar todo o edifício.

Quanto ao restante edifício, Daciano da Costa assinou o projecto de arquitectura de interiores e mobiliário para a sala de jantar da administração, bem como assentos para zonas públicas. Jaime Martins Barata pintou "O Fomento Ultramarino", mural da sala de reuniões da Administração. As esculturas exteriores em ambos os lados da entrada do edifício foram da responsabilidade do escultor Leopoldo de Almeida.

 

A escultura à direita da entrada é o logótipo do “Banco Nacional Ultramarino”, e a da esquerda, representa a expansão do BNU, com o escudo de Portugal ao centro e, à volta, os escudos de armas das províncias ultramarinas portuguesas, onde o banco estava implantado e era emissor - todas menos Angola. Os escudos destas províncias apresentam todos o escudo português do lado esquerdo, a ondulação marítima em baixo e as armas da província do lado direito.

«O resultado é uma obra de luxo, clássica na sua natureza, metáfora do poder da Banca. Cristino da Silva consegue, na sua última grande obra em Lisboa, traduzir em pedra o valor e a importância económica do BNU enquanto banco emissor para todas as colónias».

Anúncio do Centenário do BNU e capa dos 4 volumes elaborados por Braga Paixão por ocasião desta efeméride

           

Em 15 de Setembro de 1974 o “BNU - Banco Nacional Ultramarino” seria nacionalizado. Em 1989, seria inaugurada a nova sede do BNU na Avenida 5 de Outubro. O edifício que estava inicialmente destinado a hotel e projectado pelo arquitecto Tomás Taveira, teve de sofrer grandes alterações para a sua nova finalidade.

3ª e última sede do BNU na Avenida 5 de Outubro

Este novo  edifício tinha uma área bruta de 45.000 metros quadrados, contendo 21 pisos, ficando 16 acima do solo. Em 1989 passou a funcionar a sede do BNU nesse edifício (3.ª sede), transitando para esse espaço a Administração e diversos serviços existentes na anterior sede na Rua Augusta. No antigo edifício continuaram a casa forte e alguns serviços.

Com a extinção do “BNU - Banco Nacional Ultramarino”  e a sua integração na “CGD - Caixa Geral de Depósitos”, no final da década de 1990, um novo projecto foi pensado para o edifício com vista à remodelação da imagem da agência e instalação dos serviços da CGD. Para tal, iniciou-se em 2003 a demolição dos revestimentos e compartimentos interiores do edifício e trabalhos de conservação e melhoramentos na zona da cave. O processo foi interrompido em 2004, depois do parecer feito pelo IPPAR, salientando o valor patrimonial do edifício e dos seus elementos, nomeadamente o «balcão em pedra capaz de desenhar por si só todo o espaço e marcar o quarteirão pelo interior», obrigando a novo projecto por parte da equipa projectista. «Apesar da demolição quase integral dos interiores, os fragmentos ainda existentes dão provas das opções espaciais tomadas pelo Arquitecto Tertuliano Marques, bem como do gesto de monumentalidade e enriquecimento dos interiores, padronizado pelo Arq. Cristino da Silva», permitindo ao edifício continuar «a afirmar a sua forte identidade, espírito e carácter».

Em 2010, o edifício foi adquirido pela “CML - Câmara Municipal de Lisboa”, muito embora os pisos 0 e 1 fossem já ocupados, desde Maio de 2009, no âmbito de um protocolo celebrado entre a CML e CGD. Ainda em 2008, por convite, o atelier “RCJV - Ricardo Carvalho + Joana Vilhena Arquitectos” define o projecto de instalação provisória do “MUDE - Museu do Design e da Moda”, «numa intenção que procurou uma limpeza e clarificação de espaços e percursos de circulação, (…) diferentes diálogos entre o antigo e o moderno e a aceitação das imperfeiçoes existentes». Os espaços interiores foram deixados como testemunhos desse processo, quase como ruínas, ou peças museológicas, tornando-se na imagem de marca do museu.

 

Nota: Acerca da história do BNU consultar neste blog o seguinte link: Banco Nacional Ultramarino

Bibliografia:
- Blog:
Banco Nacional Ultramarino 
- Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura, de Ana Cristina Pinto Fernandes “O Edifício Sede do BNU - Reutilização adaptativa no contexto da Baixa Pombalina: de Banco a Museu” - IST Lisboa - Novembro de 2013.
- ”Breve História do BNU” de Mónica Ferreirinha - Dezembro de 2009

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Arquivo Municipal de Lisboa, Banco Nacional UltramarinoMUDE

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