Restos de Colecção: dezembro 2014

30 de dezembro de 2014

Planetário Calouste Gulbenkian

O “Planetário Calouste Gulbenkian” junto aos Mosteiro dos Jerónimos e integrado no complexo do “Museu da Marinha”, foi inaugurado em 20 de Julho de 1965 - dia do 10º aniversário da morte de Calouste Gulbenkian - pelo Chefe de Estado Almirante Américo Thomaz, pelo presidente da “Fundação Calouste Gulbenkian”, Dr. Azeredo Perdigão, pelo Ministro da Obras Públicas e pelo director do Planetário, Comandante Conceição Silva.

 

O projecto do “Planetário Calouste Gulbenkian”, foi elaborado pelo arquitecto Frederico George, em 1963, com as obras de construção civil sendo da responsabilidade do Estado e a aquisição do equipamento técnico assegurada pela Fundação Calouste Gulbenkian, tendo para isso contribuído com 7.700 contos (7.700.000$00)

Fotos aéreas entre 1930 e 1932, onde se pode observar o local onde seria construído o Planetário, 30 anos depois

 

Nota: na foto anterior, o hidroavião  C.A.M.S. (“Chantiers Aero-Maritimes de la Seine”) 37A da Aviação Naval, sediado no C.A.N. do Bom Sucesso. A Aviação Naval teve 8 aparelhos destes que estiveram ao serviço de 1927 a 1935.

Em 1964 o edifício é concluído, cujas obras se haviam iniciado em Novembro de 1963. Entretanto pouca mais de 1 ano após a sua inauguração, em Outubro de 1966, são suspensas as sessões de projecção devido a estragos causados por infiltrações na cúpula, tendo sido reatadas apenas em 12 de Janeiro de 1967, com a reabertura do Planetário após as obras. Em 1968, dentro do plano dos edifícios a construir de apoio às instalações do “Museu da Marinha”, acorda-se com o arquitecto Frederico George a elaboração dos projectos das Oficinas e do Observatório Astronómico.

Fases da construção do “Planetário Calouste Gulbenkian”

 

 

 

O “Planetário Calouste Gulbenkian” passava a fazer parte integrante de um centro científico e cultural, integrado no “Museu de Marinha” que tinha sido inaugurado em 15 de Agosto de 1962, na tão emblemática zona de Belém. Assim se satisfazia uma das aspirações dominantes da “Sociedade Astronómica de Portugal”, fundada em 1917, como se tornava realidade o antigo sonho de um Oficial de Marinha e brilhante astrónomo-amador, o comandante Eugénio Correia da Conceição Silva.

Comandante Eugénio Conceição Silva (1903-1969)

Com o seu espírito inventivo e meticuloso, decisivamente contribuiu para a instalação de um moderno aparelho de projecção astronómica numa sala de cúpula semi-esférica, semelhante a muitas outras infra-estruturas que começaram a ser construídas nas principais capitais europeias, permitindo visualizar as estrelas, em qualquer lugar e qualquer tempo. Um magnífico instrumento didáctico ao alcance de todos, permitindo desse modo uma ampla divulgação da ciência astronómica a um povo com uma tradicional vocação de navegadores e descobridores.

O primeiro projector de estrelas do “Planetário Calouste Gulbenkian” foi o modelo “UPP 23/4” da empresa alemã pioneira “VEB Carl Zeiss-Jena”. Um aparelho óptico-mecânico fisicamente constituído por um corpo cilíndrico com duas grandes esferas, em ambas as extremidades. No interior de cada uma delas estava instalada uma lâmpada de tungsténio de 1000 W, rodeada de 8 lentes semi-esféricas.

O primeiro projector de estrelas “UPP 23/4” do Planetário (1965-2004)

Anúncio do “Centro Técnico Hospitalar” referente à inauguração do “Planetário Calouste Gulbenkian”

Instalações do “Centro Técnico Hospitalar na Avenida da República, em Lisboa nos anos 60 do século XX

 

O primeiro projector de estrelas do Planetário (1965-2004)

Ao longo de 39 anos de actividade ininterrupta (tendo mesmo ultrapassado o limite da vida útil estabelecido pelo fabricante) e embora mostrando já evidentes sinais de cansaço, exibiu um magnífico céu estrelado para cerca de 3 milhões de espectadores.

O equipamento escolhido para substituir o "velhinho" UPP 23/4, instalado em 1965, foi o “Universarium IX”, fornecido igualmente pela “VEB Carl Zeiss-Jena”, mantendo-se, assim, a fidelidade a uma marca com 70 anos de desenvolvimento e produção de planetários, capaz de garantir um aperfeiçoamento técnico e melhoramento permanentes, a integração rápida dos resultados do avanço científico-tecnológico, a assessoria individual aos utilizadores e a assistência aos projetos . Há que referir, a propósito, que o princípio da projeção de estrelas é uma invenção da “Carl Zeiss Jena” com patente datada de 1922.

Projector de estrelas “Universarium IX” da “Carl Zeiss Jena”

 

Este equipamento baseia-se no conceito starball, com separação mecânica entre a projecção do céu estrelado e dos objectos dinâmicos. O starball e os projectores de planetas, Sol e Lua são controladas por software programável.

“Planetário Calouste Gulbenkian”, actualmente

Bibliografia: Planetário Calouste Gulbenkian (Museu da Marinha) e SIPA

Fotos in: Arquivo Municipal de LisboaBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Planetário Calouste Gulbenkian

28 de dezembro de 2014

Sorefame

A “Sorefame - Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas, Lda.” foi fundada oficialmente por Henrique Araújo Sommer (1886-1944) e o engenheiro Ãngelo Fortes (1908-1959) em 23 de Julho de 1943, resultado do agrupamento de várias sociedades nacionais que trabalhavam na concepção e fabrico de equipamentos metalomecânicos, tendo sido instalada na periferia agrícola da Amadora, nos arredores de Lisboa, concentrando e centralizando assim numa única unidade todos os recursos nacionais nesta área industrial. 


Os fundadores


Eng.º Ângelo Fortes (1908-1959)

Ângelo Fortes - Licenciado em Engenharia Hidráuica em Grenoble, ingressou nos "Ateliers Neyret-Breylier & Piccard-Picket", mais tarde "Neyrpic", construtores de turbinas hidráulicas e equipamentos para centrais hidroeléctricas. No final da década de 30 do século XX, regressou a Portugal onde é nomeado representante desta empresa.
Com o apoio da "Neyrpic" e de Henrique Araújo Sommer, na altura administrador da "Fábricas Vulcano e Collares", fundou a "Sorefame - Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas, S.A.R.L.", que dirigiu pessoalmente até à sua morte aos 51 anos.


Henrique Araújo Sommer (1886-1944)

Henrique Araújo Sommer - Descendente de uma família alemã radicada em Portugal, estudou em Inglaterra, e viria a destacar-se em Portugal, como grande empresário na área dos cimentos. Em 1920 fundou a "Companhia de Cimentos de Leiria - LIZ".
Em 1943 adquire as "Fábricas Vulcano e Collares" a segunda maior fundição e metalúrgica do país, empreendendo a sua mudança de Lisboa para a Amadora, para terrenos contíguos à "Sorefame". Seu sobrinho António de Sommer Champalimaud (1918-2004) seguir-lhe-ia as pisadas, ainda com mais grandiosidade e diversificação.



Um dos objectivos desta empresa na sua fase de arranque foi a produção de equipamentos e peças metálicas para a construção de barragens, sendo as obras da Barragem de Castelo do Bode e da “Barragem de Belver” algumas das primeiras barragens a incorporar material da empresa, nomeadamente as comportas.

«…trata-se ao fim e ao cabo, de conferir ao País uma preparação acelerada de conhecimentos de técnica e de tecnologia industriais, por forma a vencermos com sucesso o período transitório de adaptação, consentido pela passagem do neo-mercantilismo existente na Europa ao neo-liberalismo que reinará adentro da zona do Mercado Comum Europeu se, pelo seguimento dos acontecimentos, se verificar a necessidade, a vantagem ou a obrigação de nele participarmos.» - citação do fundador da “Sorefame”, o engenheiro Ângelo Fortes, no “2º Congresso da Industria Portuguesa”, a 3 de Junho de 1957, catorze anos após a fundação da empresa e trinta anos antes da adesão de Portugal à “Comunidade Económica Europeia”, hoje “União Europeia”.

Anúncio de 1954

 

Com a II Guerra Mundial em pleno curso e com o país a atravessar uma profunda crise e recessão económica, o regime do Doutor Oliveira Salazar decidiu dar um novo impulso de modernização à obsoleta e frágil indústria portuguesa. Foi num clima de desemprego e fome e de uma enorme taxa de analfabetismo que em 1943 se fundou a, então, mais moderna fábrica de metalo-mecânica pesada do país.

Amadora nos anos 40 do século XX

Complexo da “Sorefame”

 


Com uma produção orientada essencialmente para o mercado interno, a empresa iniciou as suas exportações em 1951, com o fornecimento das comportas para a barragem de Bin-el-Ouidane, em Marrocos. Não querendo dedicar-se exclusivamente ao fabrico de um único tipo de equipamentos decidiu estrear-se na produção do equipamento das respectivas centrais eléctricas, fabricando e montando turbinas hidráulicas e alternadores de diversos tipos. Ao longo dos anos 50 do século XX, a “Sorefame” continuou a alargar o seu leque de actividades, com a construção de equipamentos para as indústrias química e petrolífera e o fabrico de estruturas para pontes, caldeiras, reservatórios, etc.

 

 

 

Baseada nos mesmos princípios estratégicos, a “Sorefame”, desenvolveu e estabeleceu outras áreas de negócios. Como corolário do plano de electrificação da rede nacional de caminhos de ferro da “CP - Caminhos de Ferro Portugueses”, surge a oportunidade de uma nova actividade industrial, especializada em material circulante ferroviário. A área de negócio do «Material Circulante» para caminhos de ferro teve início em 1952, com base numa estratégia de produto e num plano de desenvolvimento da actividade bem definidos.

 1956                                                                                       1963

 

Com base na licença da “Budd Company”, a “Sorefame” inicia a produção dos primeiros comboios feitos em caixa de aço inoxidável canelado e soldado por electrólise segundo a patente original dos norte-americanos. No sector hídrico, participa na construção de barragens no Irão, Sudão e Angola.

Fabrico e montagem das carruagens “Budd”

 

 

Anúncio em 1956

 

Acerca deste tipo de carruagem “Budd” consultar artigo, neste blog, no seguinte link: Construção da Carruagem Budd - “Flecha de Prata”.

A “Sorefame” foi o principal construtor ferroviário em Portugal, pois das suas instalações saíram locomotivas e automotoras térmicas e eléctricas, assim como carruagens, furgões e vagões. Forneceu essencialmente os “Caminhos de Ferro Portugueses” , assim como outros operadores como “Sociedade Estoril”, “Metropolitano de Lisboa” e “Metro do Porto”, além de outros operadores ferroviários das antigas colónias portuguesas em África e redes de outros países.

Embarque no navio “Arraiolos” de composições “Budd”, no cais de Alcântara em Lisboa com destino a Angola

 

1958

Locomotiva eléctrica “Sorefame”, de 1962             

Composições da Linha Lisboa-Cascais explorada pela “Sociedade Estoril”

                Sorefame/GEC 3200 da “Sociedade Estoril”                       Sorefame/GEC 3100, da “Sociedade Estoril”

 

 

Unidade tripla eléctrica “Budd” UTE 2000, da linha de Sintra, em 1957

Muito do material circulante foi concebido e construído por trabalhadores portugueses, mediante muitas vezes sob licença dos maiores construtores mundiais, como “Alstom”, “Bombardier”, “Siemens”, “Brissoneau & Lotz”, “English Electric”, entre muitos outros.

Locomotiva diesel “Brissoneau & Lotz” série 1200, de 1961

 

1962

Locomotiva a diesel “Alstom” DE8B

 

A “Sorefame” alargaria a sua a sua área de acção para Angola, na cidade do Lobito. A “Sorefame de Angola” ,no Lobito, além de oficinas de metalomecânica pesada, tinha como actividade mais permanente a reparação e construção naval semi-ligeira como: rebocadores, arrastões, bacalhoeiros, etc. Durante a guerra civil a “Sorefame de Angola” trabalhou para o MPLA no estaleiro do Lobito, construindo carros blindados.

Estaleiros Navais da “Sorefame Angola”, no Lobito a quando da visita do Governador Geral de Angola

 

Exemplos de embarcações construídas pelos estaleiros

                  Rebocador «Miranda Guedes», de 1968                         Navio «Goa» para pesquisas de pescas, de 1967

 

Este estaleiros, Inicialmente designados por “Sorefame de Angola”, mais tarde com as nacionalizações, passaram a chamar-se “Estalnave”. Em Fevereiro de 1976 foi criada a “Lobinave”, sociedade por quotas detidas pelo estado através da “Estalnave” (66%) e o restante pela “Lisnave Internacional”, a qual começou a funcionar em 1997.

Na década de 60 do século XX, a “Sorefame”, chegou a tentar fazer uma incursão no caravanismo, que estava despontando e em franca expansão, pelo chegou a fabricar um modelo de roulotte (ou caravana).

Roulotte (ou caravana)

 

Acerca desta roulotte e do campismo em Portugal, consultar neste blog o seguinte link: Roulotte e Campismo

Durante a década de 60, a empresa participa na construção da primeira travessia lisboeta sobre o Tejo, a “Ponte Salazar e fica encarregue do fabrico das automotoras do novo Metropolitano de Lisboa, do qual recebe então as primeiras encomendas.  Em 1969, a “Sorefame” atinge o seu auge nesta área ao fazer parte do projecto da “Barragem de Cabora Bassa”, em Moçambique, que se concluiu em 1974.

Primeiras composições do “Metropolitano de Lisboa” , as “ML 7”, modelo de 1959

 

Durante a década de 70 do século XX, a empresa apresentava-se tecnologicamente muito avançada, dispondo de moderno centro informático de cálculo, um vasto gabinete de estudos e projectos de engenharia, laboratórios de investigação, simulação em modelo, certificação de processos e pessoal; deixa, contudo, de poder competir com outras empresas internacionais, principalmente devido ao clima de instabilidade política vivida após a revolução de 25 de Abril 1974.

Na década de 80 do século XX, fabrica 58 carruagens semelhantes ao modelo VTU-78 da série Corail da operadora “Société Nationale des Chemins de Fer Français”, mas utilizando caixas em aço canelado, devido ao facto de já ter fabricado material circulante com este tipo de construção; estas novas carruagens entraram ao serviço em 1987, nos comboios Alfa da companhia dos “Caminhos de Ferro Portugueses”.

 

 

A “Sorefame” entra na década de 90 do século XX, sob os auspícios da criação do Grupo SENETE (Sistemas de Energia, Transportes e Equipamentos). Este grupo agrega, além da “Sorefame”, a privada “Mague” e a multinacional “Asea & Brown Boveri (ABB)”, a qual passa a deter posição dominante no grupo (40%). Daqui resulta a separação da área da hidromecânica em relação à restante estrutura produtiva da empresa. A “Sorefame” passa a dedicar-se em exclusivo à produção de material circulante para os caminhos-de-ferro e em 1994 passa na totalidade para as mãos da ABB.

 

Medalha comemorativa do 50º aniversário da “Sorefame”

Medalha

Em 1996, através de uma fusão com a alemã “Daimler-Benz”, é formado o grupo “Ad Tranz”. É então pela mão desta nova conjuntura empresarial que se dá a introdução, em 1997, da robotização e corte e soldadura por laser, no meio de profundas reestruturações e reajustes necessários de modo a preparar a “Sorefame” para desafios tecnológicos à altura de novos tempos. É assim, dotada de uma nova mentalidade e infra-estrutura que a “Sorefame” fabrica as novas unidades eléctricas para a Linha de Sintra e executa a montagem de novas locomotivas “Siemens” e dos comboios da “Alstom” para a nova travessia ferroviária sobre a Ponte 25 de Abril. É também parte integrante do consócio “Fiat-Pendoluso” que construiu os comboios pendulares fornecidos pela “Fiat Ferroviaria” à CP.

Linha de fabrico equipada com robots de soldadura por resistência e um modelo RobCAD de programação

 

                    Comboio “Alstom” para a Fertagus                                              Comboio “Fiat” Pendular          

 

Em 2000, a “ABB” vende as participações que lhe restam da ex-“Sorefame”, ficando a “Daimler-Benz” dona de toda a empresa, muito embora essa situação fosse uma mera transição para o que se iria passar um ano depois. Em 2001, a multinacional canadiana “Bombardier” adquire a totalidade do grupo “Ad Tranz” e consigo as instalações da Amadora. Com o fabrico das novas composições para o “Metro do Porto” e de novas unidades eléctricas para a CP, utilizadas nos suburbanos do Grande Porto, a empresa que resta da “Sorefame” deu o seu último contributo no que toca a contratos e actividades ligadas aos caminhos-de-ferro.

Metro do Porto

Unidade Múltipla Eléctrica para CP, plataforma CP 2000, em 2002

A “Sorefame - Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas, S.A.”, ou melhor, a ex-“Sorefame” é extinta em 2004, e encerra ao fim de 61 anos de existência …

Comecei este artigo com uma citação de 1957, e termino com outra mais actual:

«… Para o investidor financeiro, a questão estratégica é a comparação de remunerações para o seu capital. Para o empresário, a questão estratégica é a comparação de competitividade. … A localização ou a nacionalidade dos centros de decisão empresariais não dependem da imposição de restrições aos movimentos de capitais ou da promessa que as posições accionistas não serão transaccionadas. O que determina onde estão os centros de decisão é a posse ou o domínio de uma competência: quem satisfizer este critério será “dono da sua casa”, onde quer que esteja.» citação de José Manuel de Mello, decano dos empresários portugueses à revista “Ideias e Negócios”, em Dezembro de 2002.

fotos in: Hemeroteca Digital, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Instituto de Investigação Científica Tropical