Restos de Colecção: Empresa Insulana de Navegação

9 de setembro de 2012

Empresa Insulana de Navegação

A primeira viagem comercial de um navio a vapor aos Açores terá tido lugar em 1836, com o vapor "Terceira", a que se seguiu, só em 1857, o navio "Duque do Porto".

Em 14 de Maio de 1858 foi constituída a "Companhia União Mercantil". Tinha por objectivo estabelecer carreiras de barcos movidos a vapor entre Lisboa e os portos dos Açores e da África Ocidental. Adquiriu o vapor "Açoriano" para a carreira dos Açores. Com 496 toneladas de arqueação bruta, casco em ferro, 60,4 metros de comprimento e uma máquina a vapor de 120 cv., que permitia alcançar uma velocidade máxima de 10 nós.

Os estatutos foram alterados, no tocante ao montante do capital social da companhia, pelos Decretos de 23 de Maio e 28 de Setembro de 1859. A Companhia União Mercantil foi extinta por Decreto de 25 de Maio de 1864, ficando a funcionar até 1866 uma Comissão Liquidatária da Companhia, vindo a ser substituída pela "Empresa Lusitana", nome com que operava em Portugal a firma inglesa "Bailey & Leetham" que viria ater o mesmo fim.

A "Empresa Insulana de Navegação" foi inicialmente constituída como parceria marítima em Ponta Delgada, a 13 de Dezembro de 1871, pela “Casa Bensaúde e Cª, Limitada”, com sede em Ponta Delgada conjuntamente com um grupo de capitalistas dos quais se destacou o Barão da Fonte Bela, Amâncio Gago da Câmara. Com o capital social de 220 contos, esta empresa tinha como objectivo a exploração de carreiras regulares entre Lisboa e os Açores com navios a vapor.

                                                                

O primeiro navio a vapor da "Empresa Insulana de Navegação" seria o "Atlântico" (1871-1877) de 1.032 toneladas (ex-Dane, da Union Steam Ship Company) que a E.I.N. adquire em Inglaterra, seguindo-se o "Insulano" (1872-1875) de 877 toneladas. Com a aquisição do vapor “Atlântico” iniciou carreira mensal para os Açores, passando a empresa a fazer saídas quinzenais de Lisboa para aos Açores e mensais para a Madeira, carreiras essas que gozavam de subvenção estatal de 6.750$000 réis, conforme contrato firmado com o Estado em 22 de Março de 1871. Este contrato obrigava por cinco anos a E.I.N. a manter uma ligação mensal entre Lisboa, São Miguel, Terceira, São Jorge, Graciosa e Faial, com navios a vapor de, pelo menos 500 toneladas.

                                                                            "Atlântico" (1871-1877)

                                

                                       

                                                                           "Insulano" (1872-1875)

                                 

                                                                                   Anúncio em 1872

                                  

Com a aquisição pela casa "Bensaúde & C.ª", nos fins de Setembro de 1874, da quota-parte do investimento da família Gago da Câmara na "Empresa Insulana de Navegação", aquela passava a ser não só a sua accionista maioritária como também a sua gerência única. A sede social da empresa era entretanto transferida de Ponta Delgada para Lisboa.

Para substituir o "Insulano" foi fretado um outro navio o "Neptuno" (1875-1877), até ser adquirido o "Luso" (1875-1883). Este vapor foi construído expressamente para a frota da Insulana. Em 1877 recebeu o "Açor" (1877-1905), com uma tonelagem bruta de 1.211 t., expressamente construído em Inglaterra; na altura o maior navio da empresa.

                                    "Luso" (1875-1883)                                                      "Neptuno" (1875-1877)               

         

                                                                                "Açor" (1877-1905)

                                 

                                          1880                                                                               1903

                 1880 EIN             

Entre 1885 e 1910, a E.I.N. dedicou-se à carreira Lisboa-Açores-América do Norte, utilizando para o efeito os navios "Vega" (1879-1899), "Benguela" (1883-1890), Funchal (1884-1927), "Peninsular" (1893-1910) e o "San Miguel" (1905-1930). Não conseguindo competir com a concorrência e, sem apoios do Estado esta rota acabou por ser suspensa. Após renovação dos contratos em Novembro de 1874 e em Junho de 1878, é anexada uma nova cláusula que prevê mediante uma contrapartida financeira (40 contos/anuais), de manter duas carreiras mensais sendo uma delas com escala no Funchal, contrato esse que durou até ao ano de 1914, após sucessivas actualizações.

                                    "Vega" (1879-1899)                                                      "Benguela" (1883-1890)

         

                                                                 EIN

                                                                            "Peninsular" (1893-1910)                                                   

                                        

                                                                              "San Miguel" (1905-1930) 

                                       

Quanto ao paquete "San Miguel" ficou famoso pelo facto de ter sido um interveniente (passivo) da famosa "Epopeia do Patrulha Augusto de Castilho", Lembro que este pequeno patrulha da nossa Armada, no dia 14 de Outubro de 1918 interpôs-se entre este paquete,que se dirigia para Ponta Delgada, e o temível submarino alemão «U-139». Ousadia que salvou o navio de passageiros e poupou a vida e os bens dos 200 viajantes que transportava; mas que, infelizmente, causou a destruição do  "Augusto Castilho" e a morte de parte da sua guarnição, incluindo o corajoso 1º tenente Carvalho Araújo. Em 1929, como veremos adiante a E.I.N. manda construir em Itália um paquete a que dará o nome de "Carvalho Araújo".

Agrava-se com a I Grande Guerra Mundial entre 1914 e 1918, em que a E.I.N. passa por um período difícil, entregando os seus navios ao Governo, que mantém as comunicações marítimas até 1919, com a designação de "Serviço Insulano de Navegação" até ao final do conflito.

Apesar das dificuldades financeiras, substitui o navio "Funchal" pelo "Lima" (1922-1969), e manda construir o "Carvalho Araújo" (1930-1973), em Itália. 
 
O vapor "Lima" (1922-1969), foi o primeiro navio dos "Transportes Marítimos do Estado" a ser vendido, tendo sido comprado pela "Empresa Insulana de Navegação" em Dezembro de 1922 para substituir o "Funchal" (1884-1927) na carreira das Ilhas.

                                                                               "Lima" (1922-1969)

                                 SAMSUNG

                           1933                                                                                  1937

        

O paquete "Lima" fez a sua última viagem num cruzeiro de despedida às Berlengas com funcionários e convidados da "Empresa Insulana da Navegação", em 9 de Julho de 1968. Foi desmantelado no cais de Xabregas em 1969 depois de ter sido vendido ao sucateiro "Raposo & Vasques Vale , Lda.".

O vapor "Carvalho Araújo" (1930-1973), foi mandado construir em Monfalcone - Itália, destinado à carreira da Madeira e Açores, foi construído pelo "Cantieri Navali Triestino" e lançado à água em 17 de Dezembro de 1929. Tinha uma lotação para 254 passageiros assim distribuídos:  10 passageiros em camarote de luxo, 68 passageiros em 1.ª classe, 78 passageiros em 2.ª e 98 passageiros em 3.ª, deslocando 8.375 toneladas (4.468,80 de tonelagem bruta). Com 112,82 metros de comprimento estava equipado com 2 máquinas a vapor de tríplice expansão, com 4.430 CFI, 2 hélices e  atingia 14 nós de velocidade máxima.

Efectuava a viagem que partia de Lisboa a 23 de cada mês, aportando no Faial a 31 do mesmo mês, ou a 1 do mês seguinte. Chegava ao Corvo (escala efectuada apenas nos meses de Maio a Agosto, Outubro e Fevereiro, realizando neste último mês  apenas serviço de correio e passageiros), Flores de Santa Cruz e Flores das Lages no dia seguinte. Regressava do Faial a 2 ou 3 de cada mês, aportando em Lisboa a 8 ou 9.

                                                                      "Carvalho Araújo" (1930-1973)

                                 

                                                                                            1937

                                                    

Em 1937, a passagem entre Lisboa e o Corvo custava 1.400$00 (camarotes A e B) ou 1.300$00 (camarotes C, D, e E), no "Carvalho Araújo", e 1.080$00 (camarotes 11 a 16 e 28), no "Lima", incluindo imposto de selo e sobretaxa para bagagem. Estes preços sofreram um agravamento de 10% a partir de Janeiro de 1938. A empresa proporcionava ainda passagens para viagem de excursão (bilhetes de ida e volta na mesma viagem, em 1.ª classe) ao preço de 1.547$00 cada, ou 1.456$00 para cada elemento de um grupo de 5 ou mais passageiros. As crianças dos 2 aos 4 anos pagavam um quarto e as crianças dos 4 aos 10 anos meia passagem.

O paquete "Carvalho Araújo" foi parado a 8 de Janeiro de 1971, tendo ficado imobilizado no Tejo durante dois anos. No entretanto mudou de designação para "Marcéu" a 1 de Março de 1972, devido ao facto da E.I.N. ter adquirido um cargueiro baptizado com o nome de "Carvalho Araújo". O «velho» "Carvalho Araújo" viria a ser vendido a sucateiros espanhóis saindo, rebocado, de Lisboa a 20 de Outubro de 1973.

                                                                           Carvalho Araújo (1972-1986)

                                       

         

       

Em 1937, a "Empresa Insulana de Navegação", do, já, grupo "Bensaúde & C.ª, Lda.", tinha sede em Lisboa, no número 11 da Rua Nova do Almada, 1.º andar. Os seus agentes eram Germano Serrão Arnaud, em Lisboa; Blandy Brothers & C.º, Lda., na Madeira; José Leandro Chaves, em Santa Maria; Bensaúde & C.ª, Lda., em S. Miguel; Thomé de Castro, na Terceira; Manoel Cunha Vasconcelos, na Praia, Graciosa; Manoel Inácio B. Barcelos, em Santa Cruz, Graciosa; Fernando Bettencourt, na Calheta, S. Jorge; Silvério Avelar & F.º, em Velas, S. Jorge; Manoel Emílio Herz, no Cais, Pico; João Manoel Machado Soares, nas Lages, Pico; Bensaúde & C.ª, Lda., no Faial; Álvaro Carlos Flores, em Santa Cruz, nas Flores; António Luiz de Freitas, nas Lages, Flores; Pedro Penedo da Rocha, no Corvo. Existia ainda uma sub-agência no Porto Santo, cujo responsável era José Sebastião Spínola.

                                

Seguem-se constantes dificuldades económicas até à II Grande Guerra Mundial e anos posteriores.

Pela primeira vez a E.I.N. irá construir navios apropriados à sua rota, nomeadamente navios-fruteiros. Com a inclusão do "Gorgulho" (1948-1974), Terceirense (1949-1969), "Madalena" (1950-1980), "Cedros" (1955-1973)e "Arnel" (1955-1958), estes dois últimos os primeiros navio de propulsão diesel da empresa. Seria o início de uma nova era para a empresa liderada por Vasco Bensaúde.

                                   "Gorgulho" (1948-1974)                                               Terceirense (1949-1969)

         

                                "Madalena" (1950-1980)                                                     "Cedros" (1955-1973)

         

Os «anos dourados» da "Empresa Insulana de Navegação" serão a década de 60 do século XX. Com a encomenda em 1959 aos estaleiros Helsingor Skibsvaerft A/S na Dinamarca, de um novo paquete com o nome de "Funchal" (1961- ). Posteriormente, nova encomenda surgirá com a inclusão do "Ponta Delgada" (1962-1984), destinado a fazer a cabotagem nos Açores,e que viria a ser o último navio de passageiros da "E.I.N." e por fim, a chegada do "Angra do Heroísmo" (1966-1974) em 1966 (ex-Israel - Zim Israel Navigation Co Ldª. construído em 1955), de 10.187 toneladas e com lotação para 363 passageiros, e  que marcam o apogeu da Empresa.

                                                                                "Funchal" (1961 - )

                                

       

                                 

        

Acerca do paquete "Funchal" foi elaborado um artigo específico que poderá consultar no seguinte link : Paquete "Funchal"

A E.I.N. comprou o paquete "Angra do Heroísmo" (1966-1974) (ex- "Israel"), gémeo do "Amélia de Melo" (ex-"Zion") da "Sociedade Geral -S.G." ,em 17 de Março de 1966, à empresa israelita "Zim Israel Navigation Co. Ltd." sediada em Haifa, tendo o navio sido entregue a 27 de Abril e chegado a Lisboa em 5 de Maio.

O "Angra do Heroísmo" tinha uma arqueação bruta de 10.187 toneladas, 152,76 metros de comprimento e estava equipado com turbinas a vapor AEG com uma potência total de 10.500 SHP, permitindo uma velocidade máxima de 18 nós.. A lotação era de 323 passageiros assim distribuídos: 80 em 1ª classe, 43 em classe turística "A" e 200 em classe turística "B", servidos por 139 tripulantes. A sua primeira viagem foi ao Funchal a 29 de Junho recolher passageiros do paquete "Funchal" que entretanto tinha sofrido uma avaria grave nas caldeiras e turbo-geradores.

                                                                       "Angra do Heroísmo" (1966-1974)

                                 

        

                                        

                                        

Em 1971, a "Empresa Insulana de Navegação" estava, numa situação difícil principalmente pelos elevados prejuízos causados pelo transporte de passageiros, ou melhor da ausência de passageiros, uma vez que o desenvolvimento do transporte aéreo eliminou este transporte marítimo, mas a entrada da "Sociedade Financeira" no seu capital e principalmente a concessão de participar no tráfego africano, em particular Angola e Moçambique, proporcionou-lhe a capacidade de se reestruturar, incluindo a fusão com a empresa "Companhia de Navegação dos Carregadores Açorianos", a 11 de Dezembro de 1972. 
 
Com esta fusão foi possível realizar esta reestruturação em poucos meses, aproveitando o pessoal técnico das duas empresas e assim constituindo uma equipa com excelente nível e elevada motivação. Só no primeiro ano a empresa adquiriu 14 navios, alguns novos, outros em segunda mão. Os navios de passageiros mais antigos tinham entretanto sido progressivamente abatidos restando no final o "Angra do Heroísmo" e o "Funchal" mas havia informações de que algumas empresas estrangeiras tinham transformado os seus paquetes em navios de cruzeiros.  
 
Mas o Conselho de Administração não esteve de acordo e o "Angra do Heroísmo" foi vendido a uma empresa… que o utilizou em cruzeiros. Quanto ao Funchal teve o mesmo tratamento negativo mas quando se requereu ao Ministro da Marinha o seu abate, o então Presidente da República, Almirante Américo Tomás opôs-se, argumentando que a empresa agora tinha meios para evitar esse abate, e o Conselho aceitou o risco. Para reduzir os custos de operação e de manutenção mudou-se a máquina de turbinas para motores diesel e alterou-se a estrutura dos camarotes, dos restaurantes e dos espaços de entretenimento para se adaptar a este novo serviço, o que foi realizado num estaleiro holandês em cerca de quatro meses, porque nenhum estaleiro nacional o poderia fazer. 
 
Esta aposta veio a revelar-se correta pois os primeiros resultados foram muito positivos operando durante o período primavera/verão na Europa e no Outono/inverno no Brasil.

O desenvolvimento das carreiras aéreas, as transformações politicas e económicas ditarão o final de toda a frota mercantil nacional. Depois da  E.I.N. se ter fundido com a "Companhia de Navegação dos Carregadores Açorianos", em 1972 viria a fundir-se com a "Companhia Colonial de Navegação" em 4 de Fevereiro de 1974, passando a designar-se "C.T.M. - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos" (1974-1985). Restarão apenas 4 paquetes: o "Funchal"; o "Infante Dom Henrique", o "Ponta Delgada" e "Uíge", até ao desmantelamento da empresa e consequente encerramento.                                                

                                              

Na "Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos" foram ainda incorporadas, em 1976, a "Sociedade de Construções Metálicas" e a "Sofamar".

O último navio a ser adquirido pela "Empresa Insulana de Navegação" seria o navio de carga "Hermenegildo Capelo" (ex-"Moerdyk") adquirido em 1973 à "Holland-America Line". Já com as cores da "Companhia dos Transportes Marítimos" seria vendido em 1986.

                                                                      "Hermenegildo Capelo" (1973-1986)

                                 

Depois de em 1980 só existirem 2 navios de passageiros a navegar sob bandeira portuguesa, o "Funchal" (1961 - ) e o “Ponta Delgada” (1961-1997) ambos da “CTM - Companhia de Transportes Marítimos”, a 3 de Maio de 1985 o governo decretou a liquidação da "CNN - Companhia Nacional de Navegação" e da CTM - Companhia de Transportes marítimos", sendo as suas frotas vendidas em hasta pública.

Para a elaboração deste artigo foi consultado, também, o livro: «Paquetes Portugueses», de Luís Miguel Correia, Edições Inapa, Lisboa, 1992

fotos in: Ships Insulana EstaçãoCronographica, Blogue dos Navios e do Mar, Navios e Navegadores, Publisite, Alernavios

3 comentários:

manuel ferreira disse...

boa noite

creio que quase certeza absoluta, que a imagem que aparece do navio Carvalho Araújo não será do mesmo, isto porque me lembro de nos anos 60 , sendo eu jovem de 14 anos e passar bastante tempo de passeio por a zona do porto de Santos onde a Insulana atracava os seus barcos, de observar um barco com o nome de Carvalho Araújo, cujo nome colocado na popa fazia um género de moldura cuja borbadura era uma imitação de corda feita de ferro, bem como a inclinação da popa era bastante acentuada, pelo que deixava ver a ligação da ré ao leme, e isto chamava mais a atenção devido a ser um barco diferente dos outros por esse preciso aspecto.
um abraço

José Leite disse...

Caro Manuel Ferreira

Pode crer que se trata do "Carvalho Araújo".

Procure por imagens deste navio na Internet e compare os pormenores.

Inclusivé consultei o livro "Paquetes Portugueses", que possuo e não restam dúvidas.

Poderá consultar a "Revista da Marinha" no seguinte link:

http://www.revistademarinha.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1270:carvalho-araujo&catid=106:marinha-mercante&Itemid=390

Os meus cumprimentos

J. Leite

Luiza Maciel disse...

Boa tarde!
Se a E.I.N. foi constituída a 13/12/1871 como poderia ter firmado um contrato com o Estado em 22/03/1871?
Se me poder esclarecer...
Obrigada,
Luiza Maciel