Restos de Colecção: Exposição "Catorze Anos de Política do Espírito"

19 de setembro de 2012

Exposição "Catorze Anos de Política do Espírito"

O pensamento de António Ferro, director do "S.P.N. - Secretariado de Propaganda Nacional", a sua estimada "política do espírito" manifestada a partir de 1932 e a ação do SPN/SNI entre 1939 e 1949, impulsionaram uma verdadeira revolução no turismo português. Este, foi entendido como poderoso instrumento de propaganda e arauto do nacionalismo através da aposta no cariz tradicional, popular e pitoresco, base da diferenciação, fundamental no competitivo mercado do turismo

Em 1932 António Ferro definia a "política do espírito" da seguinte forma:

«Um povo que não vê, que não lê, que não ouve, que não vibra, que não sai da sua vida material, do Deve e do Haver, torna-se um povo inútil e mal-humorado. A Beleza - desde a Beleza moral à Beleza plástica - deve constituir a ambição suprema dos homens e das raças. A literatura e a arte são os dois grandes órgãos dessa aspiração, dois órgãos que precisam de uma afinação constante, que contêm, nos seus tubos, a essência e a finalidade da Criação.»

                                António Ferro (1895-1956)                                           Publicação da Exposição

                                           

Em Novembro de 1944 o "S.P.N. - Secretariado de Propaganda Nacional" criado em 26 de Outubro de 1933, é remodelado e passa a designar-se "S.N.I. - Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo", continuando a ser dirigido por António Ferro, instalando-se no Palácio Foz em Lisboa, a partir de 1947.

A "Exposição de 14 anos de Política do Espírito" foi promovida pelo "SNI - Secretariado Nacional de Informação", dirigido por António Ferro, e inaugurada em 29 de Janeiro de 1948 no restaurado Palácio Foz na Praça dos Restauradores em Lisboa. Denominada «apontamento para uma exposição», foi idealizada e criada por Tomás de Melo e Manuel Lapa.

Esta exposição teve claros propósitos de propaganda ideológica. O nome escolhido esclarece com precisão acerca de que foi a exposição, ou seja, dos catorze anos de engrandecimento cultural patrocinados pelo Estado Novo.

        

                                  

        

Como outros poderes autoritários, o Estado Novo utilizou a arte para a sua propaganda e o seu prestígio. António Ferro, à cabeça dos serviços de propaganda do regime, foi o artesão duma possível coerência entre as necessidades propagandistas do poder e o desenho de linhas estéticas e artísticas. Com a “política do espírito”, que inclui iniciativas como a “Campanha do bom gosto”, António Ferro consegue ao mesmo tempo utilizar o mundo das artes para a promoção da ideologia do Estado Novo e impôr alguns traços e processos identificáveis, senão como "estética do Estado Novo", pelo menos como um “estilo” assemelhável aos requisitos do regime. A partir da busca imoderada da harmonia, utiliza-se um modernismo estilizado para a reapropriação duma ruralidade, como do passado histórico do país. Procedeu-se à criação dum país mítico com a maquilhagem do real.

        

        

        

O "S.N.I. - Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo", foi encarregado de organizar a exposição e uma parte significativa do evento foi dedicado a publicitar as suas actividades. Na qualidade de exemplos significativos, atentemos em duas legendas de partes da exposição: numa afirmava-se que «Os prémios literários do SNI constituíram já uma antologia riquíssima da literatura portuguesa actual.»; sob a legenda estava uma vitrine onde se mostravam vários livros e outras publicações, exemplificativas do afirmado na frase. Uma outra legenda do mesmo tipo afirmava que «Com as missões culturais e as bibliotecas ambulantes o SNI leva o seu programa de divulgação cultural a todo o país.»; em relação com a legenda estava organizada uma pequena mostra fotográfica dos meios utilizados para levar as bibliotecas ambulantes «a todo o país».

                                 

        

        

Para além deste tipo de vitrines, a exposição incluía um vasto número de expositores. A etnografia portuguesa era uma das presenças mais evidentes e durante a exposição foi inclusivamente organizado um concurso de arquitectura onde se incentivava o uso dos modelos da arquitectura tradicional portuguesa, mas as actividades de lazer organizadas pelo SNI, o teatro, o cinema e o turismo tinham também alargada representação.

Também a Mocidade Portuguesa estava presente na exposição, devido ao facto de as suas actividades serem entendidas como uma importante contribuição para o desenvolvimento dos jovens, especialmente nos campos da cultura, desporto, saúde, civismo e disciplina. A Mocidade Portuguesa era vista e apresentada como um dos contributos significativos para o desenvolvimento do «espírito» ao longo dos 14 anos celebrados.

A mensagem da exposição era óbvia: Portugal tinha beneficiado imensamente com a instauração do Estado Novo; e não só de um ponto de vista material, económico, financeiro ou de obras públicas: Portugal tinha também beneficiado no «espírito», no desenvolvimento harmonioso da sua juventude, no combate ao analfabetismo e à falta de divulgação cultural. Numa palavra, Portugal, após um período odioso de trevas republicanas, reencontrava finalmente, pela mão do Estado Novo, o seu «espírito».

        

        

        

        

Neste mesmo ano de 1948  é inaugurado o Museu de Arte Popular, em Belém, num edifício que tinha sido construído para a Exposição do Mundo Português de 1940, da autoria dos arquitectos Veloso Reis e João Simões e que albergou o "Centro Regional de Vida Popular" . É promulgada a Lei de Protecção ao Cinema Nacional, que cria, no âmbito do S.N.I. o Fundo do Cinema e a Cinemateca Nacional, cuja direcção é entregue a Félix Ribeiro.

                                                                         Museu de Arte Popular

        

        

Os anos 40 foram de apogeu para a literatura e poesia, tendo mesmo muitos autores assumido uma atitude de luta frontal à política cultural do Estado Novo. O final dos anos 40 trouxe também o fim da "política do espírito". O afastamento de António Ferro do S.N.I. em 1950 a fim de ocupar o cargo de Ministro de Portugal na Suiça, precipitou a queda total da política cultural do regime. Apesar da censura ter continuado a ser intransigente, o fim da mesma política deu a Portugal uma diversificação de correntes, ideias e expressões maiores no campo cultural.

O cartaz turístico foi, inquestionavelmente, um dos mais poderosos instrumentos de fixação e divulgação do cariz nacionalista do Estado Novo, bem como um dos mecanismos mais explorados, e, a nosso ver, uma das mais interessantes formas de propaganda turística portuguesa. De uma maneira geral, os cartazes do Estado Novo com fins turísticos, visavam, evidentemente, vender um produto: Portugal enquanto destino turístico, apresentando uma parte imagética e outra textual, sendo que o conjunto deveria ser de tal modo harmonioso, que se tornasse atractivo ao turista.

                                                                   Cartazes do SNI (1944-1968)

        

                                                                         Cartazes do SPN (1933-1944)

                           1935                                    1938                                     1941                                  1942            

          

                                                                             Cartazes do SNI (1933-1944)

                                                                      1947                                                                               1949

      

As Primeiras Pousadas regionais criadas a partir de 1932 mas verdadeiramente potencializadas a partir de 1940, surgem, deste modo, como o paradigma da filosofia de António Ferro relativamente ao turismo.

Os anos 50 e 60 foram assinalados por um acalmar de tensões entre o que sobrava da política cultural oficial e as novas correntes estéticas, ficando marcada pela construção do Cristo Rei e do Monumento aos Descobrimentos em Belém. A política cultural do regime foi condicionada na década de 60 pelo começo da Guerra Colonial, pelo mal estar interno e por um isolamento internacional. O Estado Novo abandonou de vez a sua vertente cultural, de apoio aos artistas e aos seus projectos, adoptando uma postura de mera censura contra todas as actividades criadoras.

Em 1968 o "S.N.I. - Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo" foi transformado na "SEIT - Secretaria de Estado da Informação e Turismo", tendo sido o seu primeiro Secretário de Estado de Informação e Turismo César Moreira Baptista até 1973, que já tinha sido Secretário Nacional do S.N.I. entre 1958 e 1968.

Fotos in: Fundação António Quadros, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca Nacional de Portugal

5 comentários:

Vítor disse...

Excelente trabalho! Parabéns e obrigado ;)

aragonez disse...

Desde que descobri este seu blogue, todos os dias passo por cá.
Muitos parabens por conseguir atraír a atenção de um homem de 70 anos que se recusa a ter sinal de televisão em casa.
Pelas mesmas razões que aqui aponta à utilização de meios de "intoxicação social"tão usados pelo antigo regime.
Que mal ou bem, deixou obra.
Agora queriam intoxicar-me outra vez, mas para ver a minha terra "livre" e de rastos, em favor de gente inqualificável.
Tudo tapado pela maior orquestração que imaginar posso.
Continue a deliciar-nos com esta sua obra.
AMDG.

José Leite disse...

Caro Aragonez

Grato pelas suas amáveis palavras e pelo seu comentário.

Cumprimentos

José Leite

José Leite disse...

Caro Vítor

Muito agradeço as suas simpáticas palavras.

Cumprimentos

José Leite

Tita Crespo disse...



Boa noite, aplaudo veemente esta publicação e tenho pena de ñ a ver ao vivo .