A travessia do rio Tejo na zona de Vila Franca de Xira até 1951, era assegurada por empresas que faziam a ligação de barco a motor, nos chamados «gasolinas», não só entre as duas margens do Tejo na zona de Vila Franca, numa distância de pouco mais de 500 metros, mas também até Lisboa. «Os gasolinos transportavam pessoas, carros, em cima de umas pranchas, e de noite transportavam da margem sul para Vila Franca o gado que ia a pé para Lisboa até ao matadouro, acompanhado por homens a cavalo». Os barcos faziam a ligação entre os cais do Cabo (na margem sul, no mesmo concelho) e de Vila Franca de Xira a cada 15 minutos. O preço rondava os 50 centavos de escudo por uma viagem que durava cerca de um quarto de hora.
Entretanto em 1924 já tinha chegado ao Ministério das Obras Públicas o primeiro pedido oficial da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira para a construção de uma ponte sobre o Tejo, numa época em que a passagem de uma margem para a outra do rio já era efectuada pelos «gasolinas» atrás mencionados. Na altura, a ponte mais próxima de Lisboa era a "Ponte D. Luís I" que unia Santarém a Almeirim.
Lembro que a "Ponte D. Luís I" inaugurada em 17 de Setembro de 1881, foi considerada na altura, a maior da Península Ibérica, a terceira da Europa e a sexta do Mundo, ficando como um dos exemplares da arquitectura do ferro. Tinha um comprimento total de 1 213 metros, uma largura de 6 metros a altura de 22 metros. A ponte foi alargada em 1965 com um projecto inovador do eng. Edgar Cardoso.
Quanto à futura ponte de Vila Franca, o engenheiro Duarte Pacheco afirmou na altura a uma das comissões que se deslocou ao Ministério das Obras Públicas a pedir que fizessem a obra, que a ponte seria construída, tendo afirmado também, depois de alguém ter sugerido a ideia do Estado conceder a sua construção e exploração a uma empresa particular que isso não era possível. Afirmou também que ao Estado é que competia construí-la, não havendo, portanto, portagens a pagar, pois ela seria a ligação da estrada de Leste com a do Sul, no Cabo.
Assim deu-se início à fase de estudo e concurso, já que depois da morte do ministro Eng. Duarte Pacheco, os engenheiros que ficaram à frente do projecto, Cancela de Abreu e José Frederico Ulrich, eram de opinião contrária à do falecido ministro e a ponte acabou mesmo por ter portagem. Na fase de estudo, principiou-se pela execução de sondagens, não só para determinar as características geológicas dos terrenos do subsolo, mas também para fixar o local mais conveniente à construção da ponte.
Elaborou-se o projecto que serviu de base ao concurso público para a adjudicação da obra pela "Junta Autónoma das Estradas", realizado em 29 de Janeiro de 1948. Foram apresentadas diversas propostas que variavam no seu valor entre 111.202.764$00 e 241.618.011$00 (x coeficiente de desvalorização de 79,02), havendo concorrentes que apresentaram várias soluções para a realização da obra. Depois de estudadas, foi decidido atribuir ao grupo "Sociedade de Empreitadas e Trabalhos Hidráulicos, Lda." e "Norman Long & Co., Ltd." a adjudicação da obra em Abril de 1948, que prometia concluir a obra no prazo de 1000 dias pelo preço (incluindo acessos) de 130.000.000$00 (650.000,00 € x coeficiente de desvalorização de 79,02) - a maior e mais custosa empreitada até à altura adjudicada pelo Estado.
Publicação da Direcção dos Serviços de Pontes da Junta Autónoma das Estradas
Alto-relevo do Marechal Carmona da autoria do escultor Francisco Franco colocada nas duas entradas da ponte
O projecto foi dinamarquês e inglês e alterado, no que respeita às fundações e aos viadutos. Esta obra pode-se dizer que foi realizada por portugueses, pois apenas dois engenheiros ingleses e dois dinamarqueses ali assistiram na qualidade de fiscais da empresa adjudicatária. A obra foi fiscalizada pelo engenheiro José Catarino da Junta Autónoma das Estradas e pelo eng. Carlos Craveiro Lopes Couvreur, director do serviço de pontes da JAE.
Especificações técnicas da "Ponte Marechal Carmona":
Descrição:
Ponte metálica com 5 tramos metálicos apoiados em pilares de betão armado. Os tramos metálicos são constituídos por vigas Lang, com o banzo inferior recto e o banzo superior em arco parabólico. A infraestrutura é composta por 37 pilares, dos quais 4 se situam no leito do rio e dois são pilares de transição da estrutura metálica para a de betão. As fundações foram construídas em estacas de betão cravadas com 60 e 50 cm de diâmetro e 25 m de comprimento.
Características Geométricas:
Comprimento total: 1.224 m
Comprimento do tabuleiro metálico: 524 m
Vãos: 5 com 104 m
Largura do tabuleiro entre guardas: 12 m
Visitas do Dr. Oliveira Salazar em 8 de Fevereiro de 1951 e do General Craveiro Lopes em 6 de Setembro de 1951
Os cinco arcos que caracterizam a ponte foram construídos em Inglaterra, em estaleiros de uma das empresas do grupo a quem foi consignada a obra, e depois transportados para Portugal de barco. A quando da construção fez-se na margem direita um complexo nó de ligação à então EN 1, hoje EN 10 e ao que seria, anos mais tarde, a Auto-Estrada Lisboa-Carregado para a qual já havia projectos.
A "Ponte Marechal Carmona" foi concluída e oficialmente inaugurada a 30 de Dezembro de 1951 pelo então Presidente da República, o General Craveiro Lopes. Além dos populares que assistiram à inauguração, que foi precedida de actos oficiais e culturais, estiveram também presentes no acto solene o cardeal-patriarca de Lisboa, Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira, o Presidente do Conselho Dr. António Oliveira Salazar,o Ministro das Obras Públicas eng. José Frederico Ulrich, filhos e netos do Marechal Óscar Carmona, entre outros.
Vila Franca de Xira no dia da inauguração da Ponte Marechal Carmona
Eng. José Frederico Ulrich, Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira, General Craveiro Lopes, Dr. António Oliveira Salazar
No discurso inaugural o Presidente do Conselho Dr. António de Oliveira Salazar afirmaria:
«Em plena natureza, em face do largo Tejo e adivinhando a lezíria imensa, sob um céu protector e as bençãos de Deus, homens de vastas regiões celebram como uma grande família uma vitória incruenta - a vitória sobre os elementos e os obstáculos naturais, e riem e folgam e transbordam de alegria, porque esta obra magnífica lhes enriquece a paisagem, lhes facilita o trabalho, os ajudará a levar a vida, nobre e séria, tal como a queremos e amamos. E esta é precisamente uma imagem da vida, na sua verdade, na sua pureza e na sua glória.»
No discurso inaugural o Presidente da República general Francisco Higino Craveiro Lopes afirmaria:
«Quantos aqui trabalharam - do mais alto dirigente ao mais simples e modesto obreiro - devem devem considerar-se realizadores de uma obra de vulto. Podem orgulhar-se do trabalho produzido. Todos contribuem, e bem, para o prestígio de Portugal, para a melhoria das condições de vida do povo e para o desenvolvimento económico da nossa terra.»
Postal com selo comemorativo
Após os discursos foram agraciados pelo Presidente do Conselho Prof. Dr. Oliveira Salazar, com a Ordem do Mérito Industrial, os engenheiros Carlos Craveiro Lopes Covreur, António Franco e Abreu, José Matos Alves Catarino e João Guerreiro Nuno, e ainda os operários Américo matos, Francisco Lemos e Miguel Joaquim.
A construção da "Ponte Marechal Carmona" foi simbolicamente concluída com a colocação do último rebite nº 316.000 na estrutura do extremo sul pelo Presidente da República General Craveiro Lopes.Esta ponte ficou a assinalar a carreira de Ministro das Obras Públicas e Comunicações do engenheiro José Frederico Ulrich, que acompanhou todos os trabalhos até á sua conclusão.
Os festejos que animaram nesse dia as ruas de Vila Franca de Xira prolongaram-se pela noite fora, em bailes organizados pelas colectividades locais.
A passagem pela ponte que liga Vila Franca de Xira a Porto Alto, no concelho de Benavente, chegou a ser taxada com portagens. Começou nos 5$00, subiu para os 7$50 e para os 12$50 escudos. As portagens só acabaram com a primeira-ministra Maria de Lurdes Pintassilgo, Já com 15 anos de idade, a ponte Marechal Carmona veria nascer mais a sul, no dia 6 de Agosto de 1966, a "Ponte Salazar".
Panorama de Vila Franca de Xira em 1951 e a Ponte Marechal Carmona actualmente
Fotos in: Museu Municipal de Vila Franca de Xira, Livreiro Monasticon, Hemeroteca Digital
7 comentários:
Fiz esta ponte muitas vezes para ir para o Alentejo.
"ao Estado é que competia construí-la, não havendo, portanto, portagens a pagar" , este ia longe , um governo sem partidos não significa um país sem rumo onde seja detestável viver .
Caro José Leite,
faço minhas as palavras de alguém que já por aqui comentou, dizendo que é quase uma ofensa criticar algo do que aqui nos deixa, porém como me consta que mesmo o Novo Acordo ainda não mudou isto, aqui fica a sugestão da correcção de "Presidente do Concelho" para "Presidente do Conselho". O "botas" já não se importa mas há que manter a tradição...
Agora e mais a sério, consta que um dos engenheiros dinamarqueses deixou a obra (suponho que por falecimento) e tinha um adjunto, português, que por motivos óbvios era quem estava ao corrente dos pormenores da obra. O curioso da história é que o senhor começou a facturar horas extra, de tal modo que o dia já teria 48 horas! Pelos vistos como trabalhava por 2, também receberia por 2!
Bem haja por estas memórias e pelo bom regresso.
João Celorico
Caro João Celorico
Não sou adepto do novo acordo ortográfico, pelo que se tratou apenas de um lapso meu.
Grato pela correcção.
Os meus cumprimentos
José Leite
Caro José Leite.
O alargamento da Ponte D. Luís I, entre Santarém e a Tapada (Almeirim) foi em 1965 (1956 será certamente uma inversão de algarismos).
Uma curiosidade: há uns anos - cerca de 15 a 20 - o Eng. Edgar Cardoso disse numa entrevista ao "Expresso" que essa intervenção na Ponte D. Luís I foi a obra mais difícil da sua vida, em virtude de toda a obra de alargamento e de reforço ter sido executada sem que o trânsito tivesse sido interrompido. Mas - não percebendo eu nada de pontes - também noto, pelas fotografias antigas da ponte (vê-se razoavelmente na foto que publica em primeiro lugar mas existem outras mais próximas), que a estrutura anterior em ferro se "limitava" a uns ferros cruzados, enquanto que o aspecto com que ficou depois do alargamento e reforço era de uma enorme complicação de ferros, esticadores, etc.
Já agora, julgo que os "gasolinas" eram popularmente conhecidos pelos "gasolinos".
Carlos Marecos-Santarém
Caro Carlos Marecos
Grato pelas suas correcções, e pelas suas informações adicionais.
Cumprimentos
José Leite
Que registo magnífico, que eu desconhecia até ao hoje. Hoje, 30/12/2020, data em que esta ponte faz 69 anos, ao procurar alguma informação acerca da mesma, acabei por descobrir este blogue interessantíssimo.
Uma prova viva da história. Obrigado
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