Até 1907 o desembarque de passageiros era feito ao largo no rio Tejo por impossibilidade dos navios de maior porte atracarem nos cais existentes. Só após 1907 após sucessivas dragagens a oeste do cais de Alcântara é que passou a ser possível navios da companhia "Messageries Maritimes", e a partir de 1918 navios transatlânticos de maior porte, como os da "Mala Real Holandesa". Em 1927 tornou-se obrigatória a atracação de todos os navios de passageiros. Ao cais de Alcântara e ao molhe oeste do cais de Santos ficam destinadas as companhias de navegação estrangeiras. Aos cais da Fundição, Terreiro do Trigo e molhe leste do cais de Santos ficaram destinados as companhias com destino a África e Ilhas Adjacentes.
Cais de Alcântara antes da gare marítima ser construída
A "Gare Marítima de Alcântara", mandada edificar pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações engenheiro Duarte Pacheco foi projectada entre 1934 e 1936 pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957) e inaugurada a 7 de Julho de 1943 . Na posse de um esquema com as necessidades específicas de uma gare e colhendo exemplos em estações marítimas de recente construção de Verdun, Cherburg e Havre em França e as de Génova e Trieste em Itália, Pardal Monteiro distribuiu o projecto da Gare de Alcântara por dois pisos.
Projectos, contemplando ainda a torre semáforo
Os projectos da Gare Marítimas da Alcântara e da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos foi um processo moroso e de apresentação cuidada, que se traduziu em 28 volumes com cerca de 7 mil páginas e 200 desenhos. Pardal Monteiro ficou encarregue do projecto arquitectónico, Rodrigues de Carvalho ocupou-se das coberturas e torre semafórica, Eduardo Arantes e Oliveira e Francisco de Melo e Castro do estudo das partes restantes. Henrique Leote Tavares ficou encarregue dos estudos de betão armado e João Paulo de Nazareth Oliveira encarregue do estudo das disposições de armadura de todos os elementos projectados e finalmente Edmundo Martins superintenderia os estudos das instalações.
No topo oeste do edifício foi projectada uma torre semáforo de forma a indicar aos navios não só o local de atracação como a altura da maré. A par da sua utilidade, a torre permitiria ainda o desfruto do «magnífico panorama do Tejo». Inicialmente a Gare foi projectada de modo a que a sua cobertura fosse construída num sistema de terraços que permitiria à população de Lisboa «uma extensa esplanada sobre Lisboa» .
Exteriores da Gare, inaugurada em 7 de Julho de 1943
O primeiro andar ficaria reservado aos serviços de alfândega e aos serviços de passageiros de 1ª classe e 2ª classe distintos por norma regulamentar dos passageiros de 3ª classe, enquanto que o piso térreo corresponderia a serviços gerais da gare marítima. Os passageiros de embarque teriam acesso à gare pelo vestíbulo inferior, equipado com todos os serviços inerentes à assistência da viagem como: agências das companhias de navegação; serviços de bagagens; serviço de bilheteira «de gare» para os acompanhantes dos viajantes.
Extremos poente e nascente da Gare Marítima
Acessos à Gare Marítima Parque de estacionamento de viaturas
Praça de táxis no largo fronteiro à Gare Marítima. Ao fundo a “SIDUL - Soc. Industrial do Ultramar, S.A.R.L”
Manobras de aproximação e atracação do Paquete "Moçambique" ao cais de Alcântara
Os passageiros subiriam depois ao andar superior por «escada ampla e largamente iluminada» ou, em alternativa, pelo elevador, tendo assim ao grande hall de embarque. Neste segundo piso existiriam também os mais diversos serviços de apoio e assistência, como agências de turismo, tabacarias, câmbios, correios e telégrafos, e telefones. O hall teria três portas voltadas a sul que davam acesso a uma galeria e desta, através de uma passarelle montada sobre grua móvel os passageiros teriam acesso directo ao barco de destino. Este seria o trajecto dos passageiros das 1ª e 2ª classes enquanto os da 3ª classe e emigrantes, realizando o mesmo trajecto, teriam contudo acessos que lhes eram estritamente reservados.
O projecto comtemplava também uma galeria colocada à altura do primeiro piso, com a largura de 11 metros e numa extensão de 1 quilómetro, que uniria a "Gare Marítima de Alcântara" à "Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos". Deste modo conseguir-se-ia «uma grande estação constituída por dois postos de embarque e desembarque».
Neste plano de urbanização pode-se observar a projectada galeria de ligação entre as duas gares
Para passageiros de desembarque, e por diferença das formalidades, depois de atracado o barco seria aberta a galeria e, uma vez mais através de passarelles se fariam sair os passageiros encaminhando-os até aos serviços de alfândega. Daí os passageiros transitariam para o hall, podendo usufruir de todos os serviços ao dispor e poderiam ainda recorrer ao balcão de venda de «souvenirs».
Balcão de «souvenirs»
Estes projectos (o outro dizia respeito à "Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos") apesar de encomendados em 1934 só seriam finalizados em 1936. Estes projectos ficariam «na gaveta» até Março de 1938 altura em que o Presidente do Conselho Dr. Oliveira Salazar, traçaria como linha prioritária a construção de pelo menos uma gare a estar concluída para as celebrações do duplo centenário em 1940.
Sala das agências de viagem e companhias de navegação
Sala de espera da 1ª classe
Átrio principal
Sala da Alfândega Sala de despacho das bagagens
A "Gare Marítima de Alcântara" não estaria concluída a tempo das celebrações centenárias, apenas sendo inaugurada a 7 de Julho de 1943 e a "Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos" só a 19 de Junho de 1948. A galeria de ligação entre as duas gares, inicialmente projectada, assim como as passarelles para embarque de passageiros, uma torre semaforo , e a cobertura da Gare em terraço com «esplanada sobre o Tejo», não chegaram a efectivar-se. Para todas as alterações foi invocada a mesma razão: contenção orçamental.
Restaurante e snack-bar
Apesar de em 1946 se ter tentado inviabilizar o orçamento de 500 contos que José Almada Negreiros apresentara, a sala de espera dos passageiros foi enriquecida com pinturas deste pintor. Estas pinturas vêm no seguimento de outras no edfício do jornal “Diário de Notícias” também projectado por Pardal Monteiro, e que se prolongariam ao edifício da "Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos".
"Lá vem a nau Catrineta que traz muito que contar", "Ó terra onde eu nasci" e "Quem não viu Lisboa não viu coisa boa"
Essa maneira de pintar de Almada Negreiros é visível tanto nos dois trípticos, representando, num, a Nau Catrineta, poema popular português, e, noutro, a vida de Lisboa junto ao rio, com as embarcações atracadas e mulheres, retratadas de forma vigorosa, acartando a mercadoria para terra. Nas outras duas obras isoladas,na Gare Marítima de Alcântara, o pintor optou por retratar, num dos casos, um domingo tipicamente português e, no outro, a lenda de Dom Fuas Roupinho. Disse Almada Negreiros depois de terminado este trabalho : “creio não haver antes cumprido melhor, nem feito obra que fosse mais minha”.
"Lá vem a nau Catrineta que traz muito que contar." , "Dom Fuas Roupinho, 1º Almirante da Esquadra do Tejo ou o Milagre de Nossa Senhora da Nazaré" e “Quem não viu Lisboa nâo viu coisa boa”
Em 19 de Junho de 1948 seria inaugurada no extremo oposto (nascente) do cais, a "Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos", como atrás referido, também projecto do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro e com pinturas, também, de José de Almada Negreiros no seu interior.
Maquetas das Gares de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos
fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Hemeroteca Digital
3 comentários:
Sr. José Leite,
seu blog é maravilhoso! As coleções são belíssimas.
Estou fazendo uma pesquisa sobre o jornal O Senhor Doutor, de 1933. E ficaria grata se pudesse me ajudar. o jornal custava 15 tostões ou 1$50.Quanto será que valia isso na época, pouco ou muito?
Lígia Menna- Brasil
Cara Lígia Menna
Primeiramente quero agardecer as sua amáveis palavras em relação ao blogue.
1$50 (15 tostões) «era dinheiro» pois ainda me lembro de meu pai nos anos 60 comprar o jornal "Diário Popular" e custar 1$00 (10 tostões).
Um jornal, actualmente custa 1€ que seriam 200$00 (duzentos escudos) ...
Cumprimentos
José Leite
Caro José Leite,
Estou de momento a realizar um trabalho acerca deste tema e gostaria de referenciar este artigo mas não existem dados no artigo que me possibilitem de o fazer. Seria possivel informar-me de como gostaria que o seu trabalho ficasse referenciado? E se fosse possível também citar fontes de bibliografia utilizada para poder consultar no futuro,
Obrigada,
Ines Pedroso
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