Restos de Colecção: Paquete “Angola”

19 de janeiro de 2012

Paquete “Angola”

O nome de “Angola” foi atribuído a quatro navios. Os dois primeiros para a “Empreza Nacional de Navegação” e os dois últimos para a “Companhia Nacional de Navegação”. Lembro que por escritura de 4 de Abril de 1918, a parceria marítima “Empreza Nacional de Navegação a Vapor para a África Portugueza” (ENN), foi transformada em sociedade anónima, com o capital de 9.000 contos (45.000 €), passando a designar-se “Companhia Nacional de Navegação” (CNN). A transferência do património da ENN efectuou-se a 1 de Julho de 1918, passando a CNN a assegurar as carreiras da sua antecessora.                                                   

O primeiro paquete com o nome “Angola” foi juntamente com o seu gémeo o paquete “Portugal” os primeiros navios da ENN - “Empreza Nacional de Navegação”. Construído, em 1881, nos Estaleiros “Earles Shipbuilding & Engeneering Company Limited”, de Hull,  foi um navio de 1.263 toneladas, destinado às carreiras para a África Ocidental.

                                                                        Paquete “Angola” (1881- 1909)

                                                                     

Estava equipado com uma máquina a vapor “Compound” com a potência de 1.250 CFI transmitidos a uma hélice. Transportava 212 passageiros assim distribuídos: 60 passageiros em 1ª classe, 32 em 2ª classe e 120 em 3ª classe. A primeira viagem para África do “Angola” foi em 5 de Dezembro de 1881.

Esteve ao serviço da companhia,  durante cerca de 30 anos até 1909 , ano em que foi vendido a um armador italiano.

O segundo navio “Angola” foi construído no ano de 1906 para a companhia “Astral Shipping Ltd.”, em Liverpool, e tratava-se de um navio de carga a vapor de 4.297 toneladas que navegou, desde essa data até 1911, com o nome de “Drumcairne”. Comprado em 1911 pela “Empreza Nacional de Navegação”, teve uma curta carreira, até 11 de Março de 1917, dia em que navegando no Golfo da Biscaia, sob o comando de António Eduardo Oliveira tentou furar um bloqueio naval, e foi afundado por um submarino alemão, com um torpedo, tendo morrido um tripulante.. Este comandante foi «azarado» pois também comandou outro navio o “Cazengo”, já pertencente à CNN, de 2.889 toneladas que foi igualmente torpedeado e afundado em 8 de Outubro de 1918 por um submarino alemão, numa viagem de Liverpool para Lisboa. Morreram quatro tripulantes.

                                                                 Navio de carga “Angola” (1911-1917)

                                       
                                        gravura in: Navios e Navegadores

                                                  Entretanto a “Empreza Nacional de Navegação”, em 1912 …

                                       

O terceiro navio e segundo paquete com a designação de “Angola”, foi construído nos estaleiros “John Cockerill S.A.”, Hoboken, na Bélgica, com o nome de “Albertville”, e entregue em Dezembro de 1912 para o serviço da “Compagnie Belge Maritime du Congo”. Durante a 1ª Guerra Mundial, foi requisitado pelo governo britânico e utilizado como navio hospital no período de 1914 a 1915. Aliás estes estaleiros belgas viriam a construir os famosos paquetes portugueses “Vera Cruz” e “Santa Maria” para a Companhia Colonial de Navegação, e entregues em 1952 e 1953 respectivamente.

                                                                                  Navio “Albertville”

                                       

                                                          Notícia da chegada do vapor «Angola» a Lisboa

       

Só em 24 de Abril de 1923, quando foi adquirido pela CNN, recebeu o nome de “Angola” e, após uma completa revisão nos estaleiros construtores, em 16 de Junho de 1923 deixou Antuérpia, rumo a Lisboa, ficando então ao serviço da companhia.

                                                                           Paquete “Angola” (1923 - 1950)

                                          

                                                                                           Tombadilho

                                        

                                          Paquete «Angola» de partida do porto de Lourenço Marques, em 1929

         

                                                                                             1929

                                        

Em Julho de 1938, este paquete levou com destino a Angola, numa viagem de trabalho, o Presidente da República, General Óscar de Fragoso Carmona e o Ministro das Colónias, Dr. Francisco José Vieira Machado, perspectivando a consolidação dos laços de solidariedade moral e política entre as Colónias e a Metrópole. À chegada a Cabinda a colónia procurou dar a conhecer, ao Chefe do Estado, todas a s suas potencialidades e em cerimónia de boas vindas fez sobrevoar o paquete por todos os aviões do “Aero Clube de Angola”, com o intuito de conseguir apoios para o desenvolvimento da aviação civil.

                                        

      Angola.2 

Características:

Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 7.050 Toneladas
Propulsão: 2 máquinas a vapor “Qe” de 3.650 lHP cada. Potência total: 7.300 BHP
Veios de hélices: 2
Comprimento: 139,70 metros
Boca (largura): 16,98 metros
Velocidade máxima: 13 nós
511 Passageiros assim distribuídos:
1ª Classe - 12 em camarotes de luxo e 50 em camarotes semi-luxo
2ª Classe - 123
3ª Classe - 136
4ª Classe - 200

Tripulação: 150 Tripulantes

                                        

        

Em finais desse mesmo ano de 1939, o “Angola” faz a sua primeira viagem transatlântica, rumo ao Brasil. Decorria o ano de 1940, já em tempo da II Grande Guerra Mundial  quando, de novo a caminho do Brasil, o navio foi abordado pelos alemães em alto mar, tendo ficado a aguardar cerca de 24 horas até que fosse autorizado a prosseguir viagem. Embora a tripulação, pacientemente, tentasse acalmar os passageiros, estes, assustados, choravam e gritavam de medo.

Em 1946, o seu nome foi alterado para “Nova Lisboa”, para dar lugar ao novo “Angola” que iria ser construído ao abrigo do Despacho 100 promovido pelo então Ministro da Marinha Almirante Américo Thomaz. O “Nova Lisboa” navegou ainda durante mais quatro anos nas carreiras de África e fez uma viagem extra à América Central. Em 1950 foi vendido à “British Iron & Steel Cº, Ltd “ no final do mesmo ano foi rebocado para Inglaterra para ser desmantelado em Blyth, por “Hughes Bolckow Shipbreaking Cº, Ltd.”

O quarto navio, último, e terceiro paquete, com o nome “Angola” foi construído pelos estaleiros “R&W. Hawthorn”, Leslie & Cº. Ltd.”, tendo sido lançado à água a 28 de Março de 1948, tendo sido madrinha Duquesa de Palmela. Foi entregue à “Companhia Nacional de Navegação” (CNN) a 17 de Dezembro de 1948. Largou para a sua viagem inaugural a Moçambique, em 14 de Janeiro de 1949 com 707 passageiros a bordo. De referir mais uma vez como foi no post Paquete “Moçambique”, seu gémeo, que estes foram os primeiros paquetes portugueses a serem equipados com motores diesel. O primeiro navio português a ser equipado com motor a diesel tinha sido o cargueiro “S. Thomé”, tambem da CNN, em 1938.

                                                                        Paquete “Angola” (1948 - 1974)

                                        

         

Características:

Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 13.078 Toneladas
Propulsão: 2 motores diesel “Doxford” de 6.500 HP cada. Potência total: 13.000 BHP
Veios de hélices: 2
Comprimento: 167,50 metros
Boca (largura): 20,50 metros
Velocidade máxima: 18 nós
733 Passageiros assim distribuídos:
1ª Classe - 81
2ª Classe - 141
3ª Classe - 98
3ª Classe suplementar - 413

Tripulação: 212 Tripulantes

                                                      Paquete “Angola” (1948 - 1974) com as cores da CNN

                                        

Este último paquete “Angola” partiu para a sua última viagem á África Oriental a 24 de Novembro de 1973, tendo sido abatido ao efectivo a 30 de Dezembro, do mesmo ano, no porto da cidade de Lourenço Marques em Moçambique. Parte da tripulação regressou a Portugal no Paquete “Príncipe Perfeito”, e a 16 de Janeiro de 1974 rumou à Ilha Formosa depois de ter sido vendido ao sucateiro “Chou’s Iron & Steel Cº.”, para ser desmantelado. No mesmo ano seriam vendidos para sucata, e desmantelados, os paquetes “Império” e “Angra do Heroísmo”.

fotos in: Navios e Navegadores, Blogue dos Navios e do Mar, Hemeroteca Digital, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian

Para a elaboração deste artigo foi consultado, também, o livro: «Paquetes Portugueses», de Luís Miguel Correia, Edições Inapa, Lisboa, 1992

14 comentários:

João Celorico disse...

Caro José Leite,
é deveras curioso que esteja aqui a colocar um "post" coincidindo com o que estou a colocar no meu blogue "Salvaterra e eu". Acontece que eu dividi a história em 4 "posts" e ainda só publiquei 2. Penso,hoje, colocar o 3º.
O "Angola", o 4º, é um navio que me diz alguma coisa, uma vez que foi a minha "residência" flutuante durante quase 3 anos.

Cumprimentos,
João Celorico

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

Caro José Leite,

Atenção à data da viagem do ANGOLA III com o Presidente Carmona. Foi em 1938. A viagem do ano seguinte foi no COLONIAL à Costa Oriental.

Cumprimentos

LMC

José Leite disse...

Caro Luís Miguel Correia

Muito grato pela correcção, vou proceder à alteração.

Os meus cumprimentos

José Leite

Unknown disse...

Em 1946 fui no já então "Nova Lisboa " para a Beira em Moçambique! Ao atravessar o cabo "Das Tormentas" Cidade do Cabo, apanhamos um temporal enorme que deixou dois feridos. Por coincidencia em Maio deste ano fui á Cidade do Cabo e visitei o Padrão de Bartolumeu Dias em Cape Point : - +/- 68 anos depois...Nessa altura tinha 10 anos!

rosa paula henriques disse...

Desculpe, mas é impossivel este barco ter sido ''desmantelado '' na data que refere !!! Viajei nele para Angola em Janeiro de 1973...jamais esquecerei essa viagem. Tinha 10 anos e viajava com a familia para uma comissão de serviço do meu pai, na altura , monitor de electromecãnica nos Serviços Nacionais de Emprego. E não, não estou enganada...
Com os melhores cumprimentos
Rosa Paula Henriques

José Leite disse...

D. Rosa Henriques

A informação foi colhida do livro "Paquetes Portugueses", cujo autor é considerado uma "autoridade" na matéria.

Também não vejo porque não tenha sido possível ser vendido e desmantelado 1 ano de pois de a D. Rosa ter viajado nele ...

Os meus cumprimentos
José Leite

Anónimo disse...

Caro José Leite
A minha Mãe viajou no Paquete Angola entre Lourenço Marques e Lisboa em Janeiro de 1946.
Segundo o que me disse, ela era a única passageira que não era refugiada de Timor.
Agradecia que me dissesse mais qualquer coisa sobre essa viagem.
Desde já muito obrigado.
Atenciosamente
José Fonseca

David disse...

Boa tarde caro José,


Sabe dizer-me qual o nome do capitão do paquete Angola durante o ano de 1949?

Obrigado.

David

João Celorico disse...

Caro José Leite

Respondendo ao comentário de David.
Posso informar que o comandante do navio, desde a sua construção (1948) até 1957 (por ter falecido em viagem) era António R. de Bettencourt.

Cumprimentos,
João Celorico

João Celorico disse...

Caro José Leite

Procurando responder a José Fonseca:

Haveria muito para escrever sobre essa viagem, no entanto aqui fico algumas notas sobre a mesma.

Saiu de Timor no dia 08 (ou 09) de Dezembro de 1945, com 700 passageiros, dos quais 277 soldados de infantaria 2, de Abrantes e engenharia e 340 repatriados civis incluindo alguns deportados sociais e políticos, amnistiados em Dezembro.

Entre os 160 portugueses vinham também o juiz José Nepomuceno Afonso dos Santos, sua esposa e a filha, Maria Cerqueira Afonso dos Santos (“Mariazinha”) adolescente de cerca de 13 anos, pais e irmã de José Afonso (o popular cantor e activista “Zeca Afonso”) e que se encontravam em Timor desde 1939.

Chegada a Lisboa, no dia 15 de Fevereiro de 1946.

Foi esta a sua última viagem com o nome de “Angola”. No dia 9 de Março de 1946, encetava nova vida e saía para a sua primeira viagem ostentando o novo nome, “Nova Lisboa”.


Cumprimentos,
João Celorico

Mario Jorge Tavares disse...

Prezado senhor, muito curioso por suas contribuições históricas. Existiria por acaso nesse prestigiado museu histórico, o diário de bordo do Navio (ou Paquete - não sei como chamar) Angola de 23.03.1941 (saída do Rio de Janeiro) a 13.04.1941 (chegada a Lisboa)? Se não estiver na Torre do Tombo, saberiam dizer onde eu poderia encontrar?

O que ocorre é que minhas saudosas mãe e irmãs iriam retornar a Portugal por um navio anterior ao Angola, mas pelo fato de minha irmã Maria Violete de Oliveira Tavares ter nascido no Rio de Janeiro em 02.08.1939 as autoridades brasileiras não permitiram ela embarcar. Contudo, pelo fato dela ter pouco mais de 1,5 anos (precisando ser amamentada) e ser paralítica, autorizaram ela embarcar no navio seguinte, que foi o Angola.

Pois bem, minha saudosa mãe, Dalila de Oliveira, contava que ao passarem, creio, pelo arquipélago de Açores, recolheram alguns tripulantes que conseguiram se salvar do navio que elas inicialmente iriam viajar, o qual foi posto a pique por um submarino alemão. No diário de bordo do Angola, deve ter sido registrado que navio foi esse e qual a bandeira, para que eu possa registrar na história da família a informação correta.

José Leite disse...

Caro Sr. Mário Tavares

Quem o poderá elucidar acerca do assunto será o Sr. Miguel Correia, proprietário do "Blogue dos Navios e do Mar".
Será melhor tentar contactá-lo.
Os meus cumprimentos
José Leite

João Celorico disse...

Caro José Leite
Tentando responder ao Sr. Mário Tavares, poderei informar que talvez na TT, possa encontrar:
DIÁRIO DE NÁUTICO- VIAGEM N.º 166E DO VAPOR "ANGOLA"
NÍVEL DE DESCRIÇÃO
Documento composto
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT/TT/CNN/013/0223/00001
DATAS DE PRODUÇÃO
1941-02-27 a 1941-04-19
COTA ATUAL
CNN, n.º 9710, liv. 1
NOTAS
Contérm diversos "protestos" efetuados pelo comandante: "Por Arribada", "Por suposição de avarias".

Espero que ainda possa ajudar
enviando-lhe ainda os meus melhores cumprimentos pois já há tempos que tenho andado afastado

João Celorico

José Leite disse...

Caro João Celorico,
Grato pela sua colaboração.
Os meus melhores cumprimentos
José Leite