Restos de Colecção: York House Hotel

19 de junho de 2019

York House Hotel

O actual “York House Lisboa Hotel” tem origem na hospedaria da colónia inglesa “York House”, fundada por um par de senhoras inglesas, - uma delas de seu nome Mrs. King - no ano de 1880, na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa.

Nota: a primeira foto será depois de 1908, já que à esquerda, na mesma, se avista o “Casino de Santos - Animatographo” que teve o seu auge nesse ano e seguinte.

A referida hospedaria, viria a ocupar o rés-do-chão e o 1º piso do edifício do Convento Mariano fundado, em 1581, pelo padre napolitano Frei Ambrosio Mariano e mais sete frades, e projectado por Filippo Terzi tendo sido a primeira fundação da Ordem dos Carmelitas Descalços em Portugal. Abolidas as ordens monásticas, em 1834, os bens do convento passam para a Fazenda Nacional, tendo a condessa de Murça, acolhido 33 religiosos e obtido do Estado a cedência de parte da Igreja para capela do seu palácio que lhe ficava contíguo.

Em 1835, o imóvel é requisitado para aí se instalar o 17º Batalhão da Guarda Nacional e no ano seguinte, foi igualmente  requisitado, desta vez para a Pagadoria Militar e Repartição do Comissariado em 1836. Neste mesmo ano, parte da cerca seria alugada, e depois comprada, pela "Companhia Fabril da Loiça". No ano seguinte, e à imagem do inspirador “Conservatoire des Arts et Métiers de Paris”, em 18 de Novembro de 1836 aí foi criado o “Conservatório de Artes e Ofícios de Lisboa”, que se queria, como se lê no artigo 1º do decreto fundador, como «um deposito geral de maquinas, modelos, utensílios, desenhos, descripções, e livros relativos ás diferentes Artes, e Officios». Razões diversas deram ao “Conservatório de Artes e Ofícios de Lisboa” uma penosa existência nesse local até à sua extinção por decreto em 1852.


O Convento, depois de, ainda, ter servido como hospital militar aquando da epidemia de febre amarela entre 1856 e 1857, viria a ser vendido em hasta pública em 1872, e adquirido pela congregação inglesa da igreja presbiteriana escocesa "Free Church of Scotland". Com o edifício bastante degradado, a igreja servia de oficina a um fabricante de velas para navios e a área conventual de tipografia e depósito de Bíblias de uma sociedade protestante inglesa.


Passado que estava um ano sobre a compra do Convento, duas senhoras inglesas, oriundas da região de Yorkshire demonstraram desejo de alugar a área que habitava o pastor, o 1º andar. Realizado o aluguer e adaptado o espaço, nascia uma hospedaria/pensão designada por “York House

“York House” no “Spain and Portugal Handbook for Travellers” de 1908


Para se ter uma ideia da oferta lisboeta em termos de hospedarias e hotéis entre 1845 e 1875, aqui ficam excertos de listas indicadas em publicações da época. Lembro que o termo hotel não tinha o mesmo significado, em termos de dimensão, dos actuais. A maioria não ocupava mais que um piso dum edifício, quanto muito dois - como este “York House” - e em termos de comodidades eram equivalentes a pensões modestas dos anos 60 a 80 do século XX.

Hospedarias no “Guia dos Viajantes em Lisboa” de 1845


Oferta de estabelecimentos hoteleiros (principais) no “A Guide to Lisboa and Mafra” em 1874


Os dois hotéis pertencentes a famílias inglesas em Lisboa em 1875


Em 1898, o conjunto é comprado pela “Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica”, onde, actualmente, desenvolve um conjunto de actividades, sendo a mais importante a celebração eucarística dominical.

A “York House”, apesar de modesta era praticamente utilizada em exclusivo por ingleses que viviam temporariamente em Portugal, não aparecendo nas listas dos hotéis e hospedarias nos almanaques portugueses, nem sequer em anúncios publicitários nos jornais portugueses da época. No entanto, a partir do início do século XX começou a ser mencionada em listas de guias turísticos ingleses.

“York House” no “Spain and Portugal Handbook for Travellers” de 1913



Pátio interior no início do século XX

F

Em 1910, com o ambiente complicado gerado pela revolução do 5 de Outubro para a implantação da República, as senhoras inglesas decidem trespassar a hospedaria a outras duas senhoras de francesas e de apelido Chiron. 

A pensão de terceira categoria “York House”, permaneceria na posse destas, até ser de novo trespassada, em 1931, a um casal de origem francesa e judaica de apelido Goldstein, por 220.000$00. Será este casal que dará início a uma nova era nesta pensão, com sucessivas obras de remodelações  e melhoramentos, destacando as de 1934 e 1959.

Nesta altura, davam vida a este estabelecimento hoteleiro seis pensionistas alojados com pouco conforto, carentes de água corrente, sem aquecimento, mobiliário impróprio, paredes forradas a papel antigo, chão de oleado e com lâmpadas que simplesmente penduradas no tecto ofereciam uma iluminação deficiente. O restante equipamento industrial encontrava-se em idênticas condições: as roupas achavam-se já gastas; o trem de cozinha era praticamente inexistente; um único açucareiro adoçava o café de todos os pensionistas ...

Exemplo de quarto de hotel no início do século XX



A pensão era constituída por um r/c no qual existia uma cozinha com fogão de lenha, uma casa de jantar, um escritório, uma sala, uma casa de banho e dezasseis quartos. Existia ainda a própria residência dos proprietários constituída por três divisões com casa de banho. No primeiro andar encontravam-se dez quartos e uma sala-de-banho.

Factura de 16 de Outubro de 1939


Todavia Madame Goldstein empreendeu obra e lançou-se no repto de tomar condignas e habitáveis os vinte e seis quartos componentes da pensão. Cautelosamente, já que os meios eram limitados e o peso do trespasse considerável, foi dado o primeiro passo e assiste-se à limpeza e ao efectivo mobilar dos quartos da pensão. São também arranjadas as casas-de-banho para as quais são adquiridas banheiras. São ainda substituídas loiças e roupas e o trem de cozinha.

A “York House”, viria a destacar-se pelo seu charme discreto, pelo pátio interior coberto de hera, e pelos quartos e salas assinados por Lucien Donnat (1920-2013) - sobrinho dos Goldstein, os proprietários - decorador de gosto requintado, cenógrafo e figurinista do “Teatro Nacional D. Maria II”, e que montaria o seu atelier no refeitório do antigo Convento, em 1942. Madame Goldstein, viria a arrendar, em 1964, o edifício que confinava com o pátio do lado poente, e que, entretanto, tinha ficado devoluto.

“York House “ no jornal “Herald Tribune International” de 1 de Dezembro de 1969


Em 1965 a “York House” era constituída por: quarenta e seis quartos, dos quais trinta e seis tinham casa-de-banho; as duas casas-de-banho em cada andar; uma sala-de-jantar em duplex; três salas; uma cozinha e serviços e ainda dez quartos para empregadas com duas casas-de-banho. Apesar de todas as obras que se foram efectuando, existiu sempre o cuidado de deixar visível e aproveitar tanto quanto possível o estilo monasterial.

Entretanto entre 1966 e 1967 surge, a possibilidade da “York House” expandir-se, ao surgir a possibilidade de arrendar o prédio na Rua das Janelas Verdes, nº 47. Feitos os contactos necessários foi possível concretizar o negócio, abalançando-se, então a “York House” em obra de certo vulto, a qual se materializou na reconstrução total do prédio. Ficaram apenas as paredes exteriores tendo sido todo o restante adaptado à exploração hoteleira. Estas obras prolongaram-se até ao ano de 1969 e daí resultaram mais doze quartos de nível superior, equipados com banho, bar, salas e respectivos apoios logísticos. No termo da década de sessenta a “York House” dispunha de cinquenta e oito quartos dos quais quarenta e oito com casa de banho, e um conjunto de instalações e serviços que, se poderiam classificar de hoteleiros.

Nos finais dos anos 60 do século XX o cineaste Luís Galvão Teles montaria um estúdio na igreja contígua ao “York House”.

O “York House”, viria a ser adquirido em 1983, por José Teodoro Teles, filho de Teodoro dos Santos e administrador da “Sociedade Estoril-Sol, S.A.R.L.”, proprietária do “Hotel Estoril-Sol”, em Cascais.


“York House” nos anos 80 do século XX








Etiqueta de bagagem


Em 2003, tem início um novo projecto de redecoração do “York House Hotel”, da responsabilidade da arquitecta Filipa Lacerda adaptando-a aos novos tempos.

"York House Hotel Lisboa", actualmente de 4 estrelas









O "York House Hotel Lisboa" de 4 estrelas foi renovado em 2014, oferecendo 32 quartos (24 standard e 8 deluxe), bar, restaurante, salas de reunião, centro de negócios, etc.

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Delcampe.net, York House Hotel Lisboa

5 comentários:

João Celorico disse...

Caro José Leite,
ao que julgo, a porta na Rua das Janelas Verdes não poderia ser fechada, como agora está, porque em cima, no pátio, existiria uma carpintaria. Isto, pelo menos, entre 1955 e 1961 e onde se diz ter existido o Casino de Santos, era também, pelo menos no mesmo período, a firma Vilarinho & Sobrinho, torrefação de cafés e fabrico de bolachas.


Cumprimentos,

João Celorico

Graça Sampaio disse...

Maravilha de reportagem!

teixap disse...

No início do texto diz: "Abolidas as ordens monásticas, em 1934..." Creio que essa abolição foi um século antes.

Anónimo disse...

Madame Goldstein era avó da actriz Beatriz Batarda e numa parte do convento dos Marianos funcionou o atelier do mestre Frederico George, arquitecto e pintor.
Belíssimo e completo artigo!
Cumprimentos
Gonçalo

Albino M. disse...

Viveu aí Raul Brandão, ao menos depois de reformado...