O actual “York House Lisboa Hotel” tem origem na hospedaria da colónia inglesa “York House”, fundada por um par de senhoras inglesas, - uma delas de seu nome Mrs. King - no ano de 1880, na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa.
Nota: a primeira foto será depois de 1908, já que à esquerda, na mesma, se avista o “Casino de Santos - Animatographo” que teve o seu auge nesse ano e seguinte.
A referida hospedaria, viria a ocupar o rés-do-chão e o 1º piso do edifício do Convento Mariano fundado, em 1581, pelo padre napolitano Frei Ambrosio Mariano e mais sete frades, e projectado por Filippo Terzi tendo sido a primeira fundação da Ordem dos Carmelitas Descalços em Portugal. Abolidas as ordens monásticas, em 1834, os bens do convento passam para a Fazenda Nacional, tendo a condessa de Murça, acolhido 33 religiosos e obtido do Estado a cedência de parte da Igreja para capela do seu palácio que lhe ficava contíguo.
Em 1835, o imóvel é requisitado para aí se instalar o 17º Batalhão da Guarda Nacional e no ano seguinte, foi igualmente requisitado, desta vez para a Pagadoria Militar e Repartição do Comissariado em 1836. Neste mesmo ano, parte da cerca seria alugada, e depois comprada, pela "Companhia Fabril da Loiça". No ano seguinte, e à imagem do inspirador “Conservatoire des Arts et Métiers de Paris”, em 18 de Novembro de 1836 aí foi criado o “Conservatório de Artes e Ofícios de Lisboa”, que se queria, como se lê no artigo 1º do decreto fundador, como «um deposito geral de maquinas, modelos, utensílios, desenhos, descripções, e livros relativos ás diferentes Artes, e Officios». Razões diversas deram ao “Conservatório de Artes e Ofícios de Lisboa” uma penosa existência nesse local até à sua extinção por decreto em 1852.
O Convento, depois de, ainda, ter servido como hospital militar aquando da epidemia de febre amarela entre 1856 e 1857, viria a ser vendido em hasta pública em 1872, e adquirido pela congregação inglesa da igreja presbiteriana escocesa "Free Church of Scotland". Com o edifício bastante degradado, a igreja servia de oficina a um fabricante de velas para navios e a área conventual de tipografia e depósito de Bíblias de uma sociedade protestante inglesa.
Passado que estava um ano sobre a compra do Convento, duas senhoras inglesas, oriundas da região de Yorkshire demonstraram desejo de alugar a área que habitava o pastor, o 1º andar. Realizado o aluguer e adaptado o espaço, nascia uma hospedaria/pensão designada por “York House”
“York House” no “Spain and Portugal Handbook for Travellers” de 1908
Para se ter uma ideia da oferta lisboeta em termos de hospedarias e hotéis entre 1845 e 1875, aqui ficam excertos de listas indicadas em publicações da época. Lembro que o termo hotel não tinha o mesmo significado, em termos de dimensão, dos actuais. A maioria não ocupava mais que um piso dum edifício, quanto muito dois - como este “York House” - e em termos de comodidades eram equivalentes a pensões modestas dos anos 60 a 80 do século XX.
Hospedarias no “Guia dos Viajantes em Lisboa” de 1845
Oferta de estabelecimentos hoteleiros (principais) no “A Guide to Lisboa and Mafra” em 1874
Os dois hotéis pertencentes a famílias inglesas em Lisboa em 1875
Em 1898, o conjunto é comprado pela “Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica”, onde, actualmente, desenvolve um conjunto de actividades, sendo a mais importante a celebração eucarística dominical.
A “York House”, apesar de modesta era praticamente utilizada em exclusivo por ingleses que viviam temporariamente em Portugal, não aparecendo nas listas dos hotéis e hospedarias nos almanaques portugueses, nem sequer em anúncios publicitários nos jornais portugueses da época. No entanto, a partir do início do século XX começou a ser mencionada em listas de guias turísticos ingleses.
Pátio interior no início do século XX
Em 1910, com o ambiente complicado gerado pela revolução do 5 de Outubro para a implantação da República, as senhoras inglesas decidem trespassar a hospedaria a outras duas senhoras de francesas e de apelido Chiron.
A pensão de terceira categoria “York House”, permaneceria na posse destas, até ser de novo trespassada, em 1931, a um casal de origem francesa e judaica de apelido Goldstein, por 220.000$00. Será este casal que dará início a uma nova era nesta pensão, com sucessivas obras de remodelações e melhoramentos, destacando as de 1934 e 1959.
Nesta altura, davam vida a este estabelecimento hoteleiro seis pensionistas alojados com pouco conforto, carentes de água corrente, sem aquecimento, mobiliário impróprio, paredes forradas a papel antigo, chão de oleado e com lâmpadas que simplesmente penduradas no tecto ofereciam uma iluminação deficiente. O restante equipamento industrial encontrava-se em idênticas condições: as roupas achavam-se já gastas; o trem de cozinha era praticamente inexistente; um único açucareiro adoçava o café de todos os pensionistas ...
Exemplo de quarto de hotel no início do século XX
Todavia Madame Goldstein empreendeu obra e lançou-se no repto de tomar condignas e habitáveis os vinte e seis quartos componentes da pensão. Cautelosamente, já que os meios eram limitados e o peso do trespasse considerável, foi dado o primeiro passo e assiste-se à limpeza e ao efectivo mobilar dos quartos da pensão. São também arranjadas as casas-de-banho para as quais são adquiridas banheiras. São ainda substituídas loiças e roupas e o trem de cozinha.
A “York House”, viria a destacar-se pelo seu charme discreto, pelo pátio interior coberto de hera, e pelos quartos e salas assinados por Lucien Donnat (1920-2013) - sobrinho dos Goldstein, os proprietários - decorador de gosto requintado, cenógrafo e figurinista do “Teatro Nacional D. Maria II”, e que montaria o seu atelier no refeitório do antigo Convento, em 1942. Madame Goldstein, viria a arrendar, em 1964, o edifício que confinava com o pátio do lado poente, e que, entretanto, tinha ficado devoluto.
“York House “ no jornal “Herald Tribune International” de 1 de Dezembro de 1969
Em 1965 a “York House” era constituída por: quarenta e seis quartos, dos quais trinta e seis tinham casa-de-banho; as duas casas-de-banho em cada andar; uma sala-de-jantar em duplex; três salas; uma cozinha e serviços e ainda dez quartos para empregadas com duas casas-de-banho. Apesar de todas as obras que se foram efectuando, existiu sempre o cuidado de deixar visível e aproveitar tanto quanto possível o estilo monasterial.
Entretanto entre 1966 e 1967 surge, a possibilidade da “York House” expandir-se, ao surgir a possibilidade de arrendar o prédio na Rua das Janelas Verdes, nº 47. Feitos os contactos necessários foi possível concretizar o negócio, abalançando-se, então a “York House” em obra de certo vulto, a qual se materializou na reconstrução total do prédio. Ficaram apenas as paredes exteriores tendo sido todo o restante adaptado à exploração hoteleira. Estas obras prolongaram-se até ao ano de 1969 e daí resultaram mais doze quartos de nível superior, equipados com banho, bar, salas e respectivos apoios logísticos. No termo da década de sessenta a “York House” dispunha de cinquenta e oito quartos dos quais quarenta e oito com casa de banho, e um conjunto de instalações e serviços que, se poderiam classificar de hoteleiros.
Nos finais dos anos 60 do século XX o cineaste Luís Galvão Teles montaria um estúdio na igreja contígua ao “York House”.
O “York House”, viria a ser adquirido em 1983, por José Teodoro Teles, filho de Teodoro dos Santos e administrador da “Sociedade Estoril-Sol, S.A.R.L.”, proprietária do “Hotel Estoril-Sol”, em Cascais.
“York House” nos anos 80 do século XX
O "York House Hotel Lisboa" de 4 estrelas foi renovado em 2014, oferecendo 32 quartos (24 standard e 8 deluxe), bar, restaurante, salas de reunião, centro de negócios, etc.
5 comentários:
Caro José Leite,
ao que julgo, a porta na Rua das Janelas Verdes não poderia ser fechada, como agora está, porque em cima, no pátio, existiria uma carpintaria. Isto, pelo menos, entre 1955 e 1961 e onde se diz ter existido o Casino de Santos, era também, pelo menos no mesmo período, a firma Vilarinho & Sobrinho, torrefação de cafés e fabrico de bolachas.
Cumprimentos,
João Celorico
Maravilha de reportagem!
No início do texto diz: "Abolidas as ordens monásticas, em 1934..." Creio que essa abolição foi um século antes.
Madame Goldstein era avó da actriz Beatriz Batarda e numa parte do convento dos Marianos funcionou o atelier do mestre Frederico George, arquitecto e pintor.
Belíssimo e completo artigo!
Cumprimentos
Gonçalo
Viveu aí Raul Brandão, ao menos depois de reformado...
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