«… Alguns imprudentes também vão ás vezes tomar o seu banho à praia das Maçãs, apesar da infelicidade que outros já têm tido, porque as ondas alli batem com summa violencia contra os penhascos da serra. ». Excerto in: Roteiro do Viajante no Continente e nos Caminhos de Ferro de Portugal em 1865 por João António Peres Abreu.
No términus da linha de eléctrico desde Sintra, o nome de Praia das Maçãs deve-se ao facto de o rio que ali vai desaguar ter corrido, em tempos, entre pomares de macieiras, pelo que a fruta, quando estava madura, caía na água e ia dar à praia. À volta do areal com cerca de 250 metros, instalaram-se várias casas de comércio, desde restaurantes a cafés e bares, bem como casas de artesanato local, pelo que o local se tornou num ponto de encontro dos sintrenses, que aproveitavam as suas esplanadas e estância de veraneio para muitos lisboetas e não só. Chegou a ter um casino.
O transporte de turistas e veraneantes e residentes entre Lisboa e Sintra em 1865, era feito por diligência conforme ilustro de seguida, com excertos de duas páginas do atrás referenciado "Roteiro do Viajante no Continente e nos Caminhos de Ferro de Portugal em 1865" por João António Peres Abreu.
Eugene ou Eugénio Levy, importante empresário de origem judaica, foi o grande responsável pelo desenvolvimento e incrementação do turismo no início do século XX na Praia das Maçãs, e até da vida cosmopolita a que esta povoação ainda hoje beneficia.
Fotos da Praia das Maçãs no início do século XX
Após várias tentativas goradas no período 1886-1898, em Novembro de 1898 a Câmara Municipal de Sintra concedeu a Nunes de Carvalho e Emídio Pinheiro Borges uma concessão 99 anos para construir e explorar uma ligação ferroviária entre Sintra e a Praia das Maçãs. A "Companhia do Caminho de Ferro de Cintra à Praia das Maçãs" foi constituída em Julho de 1900 e em 1904 passou a denominar-se "Companhia Cintra ao Oceano". Esta viria a falir e a ser substituída em 1914 pela "Companhia Sintra-Atlântico", dirigida por Camilo Farinhas até 1946.
Em Agosto de 1902, iniciou-se a construção da linha na zona da Estefânia em Sintra, e o material circulante encomendado à J. G. Brill Company de Filadélfia chegou no ano seguinte. Apesar de inicialmente se prever tracção a vapor, a frota inicial foi constituída por sete carros eléctricos, complementados por seis atrelados. A inauguração do primeiro troço de Sintra a Colares deu-se a 31 de Março de 1904, seguindo-se a 10 de Julho do mesmo ano o restante trajecto de Colares até à Praia das Maçãs: 3785 m. Também foi Eugénio Levy, que cedeu parte dos seus terrenos privados para a passagem do famoso eléctrico.
Tìtulo de Dez Acções Experiencias da tracção eléctrica em 27 de Março de 1904
Eléctrico na Praia das Maçãs em 10 Julho de 1904 Duquesa de Palmela e família em 1909
Mais tarde, a 31 de Janeiro de 1930, inaugurou-se o prolongamento Praia das Maçãs - Azenhas do Mar, por iniciativa de moradores desta localidade - entre os quais se destacou o banqueiro José Henriques Totta.
"Hotel Tapie", de 1908, com o "Restaurant Sintra-Praia"
foto in: Garfadas online
Este hotel pertença de Madame Tapie e situado junto à praia, mais tarde já sob a designação de "Atlântico Hotel" foi demolido em 1945 para no seu lugar ser construído o "Casino", projecto do arquitecto Faria da Costa.
Estrada em direcção das Azenhas do Mar "Restaurant Flor da Praia" em 1928
A propósito da inauguração do novo "Hotel Royal Belle Vue", tiveram eco na imprensa os trabalhos de reforma, organização e modernização levados a cabo na região da Praia das Maçãs.
O projecto e iniciativa estiveram a cargo de Eugène Levy. Traçaram-se novas ruas, macadamizaram-se estradas, regulamentaram-se as construções, organizaram-se os espaços, e, segundo um projecto do arquitecto Ventura Terra, proveu-se à construção do "Hotel Royal Belle Vue", construído por Francisco dos Santos. Esperava-se que este impulsionasse o turismo balnear, tendo-se apostado, por isso, na higiene, elegância e conforto. Este Hotel possuía água potável, directamente canalizada para o restaurante, e iluminação eléctrica em todos os quartos.
Por seu lado, a estação telégrafo-postal, instalada em frente ao Hotel, o telefone Praia-Sintra-Lisboa e o serviço médico permanente existente na região, completavam este empreendimento da Praia das Maçãs.
Foi a Eugene Levy que se ficou a dever a construção do primeiro hotel na Praia das Maçãs, o “Hotel Royal Belle Vue”.
Pode-se observar nesta foto o "Hotel Royal Belle Vue" em construção
Postal promocional
Anúncio em 18 de Maio de 1909
foto in: Bic Laranja
Em Outubro de 1913 a revista "Ilustração Portuguesa" noticiava …
A legenda da 1ª foto é imprecisa pois em 1913 o edifício ainda era "Hotel Royal Belle Vue" e ao referir «antigo hotel Levy» queria significar (mesmo que erradamente) antigo hotel mandado construir por Eugene Levy.
Mas anos mais tarde… em 17 de Novembro de 1921 o jornal "Voz de Sintra" noticiava :
«Registou-se um pavoroso incêndio no Hotel Royal Belle Vue, na Praia das Maçãs, ficando o edificío praticamente destruído.(...). Com autorização e até convite do Sr.Garcia, o eléctrico levou não só os bombeiros e o seu material como até os populares que ali se encontravam.»
O escritor José Alfredo Azevedo, referindo-se à destruição do "Hotel Royal Belle Vue" comentaria: «a bomba de picota, que os bombeiros possuiam, ser transportada numa vagoneta atrelada a um carro eléctrico, o transporte mais rápido daquele tempo, conduzido pelo chefe de movimento da Sintra Atlântico, Cândido do Souto, que transportou, também os bombeiros tendo feito o percurso no tempo de 25 minutos, o que foi um recorde.»
Um dos primeiros povoadores da Praia das Maçãs foi Manuel Dias Prego, que ali se estabeleceu com uma taberna de seu nome "Prego"
Taberna "Prego" de Manuel Dias Prego
Ainda segundo o escritor José Alfredo Azevedo «o negócio do Prego progrediu a ponto de ocupar com mesas um terreno adjacente à taberna, cobrindo-o com um caramanchão, apresentando na Câmara um pedido para o fechar. A Câmara em reunião de 1 de Fevereiro de 1899 reconhecendo que o terreno era municipal, indeferiu o pedido». Apesar disso, mais tarde o mesmo pedido foi deferido obrigando Manuel Prego a requerer uma licença.
A esplanada deste estabelecimento serviria de cenário para o quadro de José Malhoa de 1918, intitulado "Praia das Maçãs"
Quadro "Praia das Maçãs"
Últimas duas fotos e citações de José Alfredo Azevedo foram retiradas do blogue Rio das Maçãs o que desde já agradeço.
Praia das Maçãs nos anos 50 do século XX
Fotos in: Hemeroteca Digital, APCPV, Delcampe.net, Biblioteca Nacional Digital
4 comentários:
Caro José Leite, desta vez tocou para os meus lados, belo resumo da história da Praia das Maçãs, triste é ter visto agora na SIC a história tão mal contada do eléctrico que não funciona desde Outubro, estamos entregues à bicharada.
Abraço
Caro Luciano Canelas
Não sabia que o eléctrico não funcionava desde Outubro ...
Lembro-me muito bem dele funcionando nos anos 60 e 70, ia muito com os meus pais para os lados de Sintra nesses tempos.
Considero a vila e os arredores de Sintra dos lugares mais belos e encantadores.
Abraço
José Leite
Boa tarde.
Gostaria de saber se existe alguma informação ou fotos antigas sobre o "Casal das Três Marias".
Obrigada
D. Inês Garcia
Se na caixa de pesquisa da Google colocar Casal das Tres Marias na Praia das Maçãs, aparecerá muita coisa acerca do que pretende.
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