Restos de Colecção: Maternidade Dr. Alfredo da Costa

24 de junho de 2012

Maternidade Dr. Alfredo da Costa

A Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa foi um estabelecimento de ensino superior na área da medicina e farmácia criada pelo governo presidido por Passos Manoel em 1836 por transformação da Real Escola de Cirurgia, fundada no Hospital Real de São José em 1825. Da sua fundação até 1911, ministrou o ensino superior de Medicina e Farmácia sendo então transformada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a qual manteve agregado a si o ensino de Ciências Farmacêuticas até 1918 tendo funcionado em condições muito precárias num edifício em ruína iminente.

Hospital Real de São José, antigo Colégio de Santo Antão

  

Todavia, ao longo da sua existência de 80 anos, conseguiu reunir um escol de professores de elevado nível. De entre os que se encontram consagrados por Columbano nos painéis expostos na Sala do Conselho Científico da Faculdade de Medicina de Lisboa, inclui-se o Professor Dr. Alfredo da Costa (1859-1910).

Dr. Alfredo da Costa (1859-1910)

Cirurgião hábil, director de enfermaria do Hospital Real de São José, é-lhe atribuída a primeira colecistectomia realizada em Portugal. Nessa enfermaria de Santa Maria Ana tinha instalado provisoriamente uma maternidade, iniciando uma orientação para esta área da medicina, a qual lhe veio a conferir o maior reconhecimento público. Cedo chegou a Lente proprietário da cátedra de Partos, ocupando a vaga deixada por Abílio Mascarenhas, tendo tido ainda a responsabilidade transitória da regência da cadeira de Anatomia Patológica.

Alfredo da Costa desenvolveu as medidas de protecção às grávidas e aos prematuros e desenhou medidas profilácticas em relação à patologia das puérperas, acção perseverante que o coloca em lugar de destaque na medicina social da época.

Em consequência do terramoto de 1755 e da destruição do Hospital de Todos os Santos mandado construir por D. João II em 1492, os doentes foram transferidos para o edifício do Colégio de Santo Antão principal casa dos Jesuítas, que lhes fora confiscada, com todos os outros bens, em execução do decreto Pombalino que do reino os expulsara. Aqui foi criado o Hospital Real de São José e das nove enfermarias de mulheres, existentes neste hospital, uma foi destinada a grávidas e puérperas. A referida enfermaria, que foi chamada de Santa Bárbara, tinha quarenta e duas camas e situava-se num extenso corredor interior, comprido e estreito, mal iluminado e deficientemente ventilado.

Hospital de Todos os Santos, situado nos terrenos hoje Praça da Figueira

  

Em 1906, como director da maternidade de Santa Bárbara no Hospital Real de São José, Alfredo da Costa não se cansava em vão de pedir melhoramentos para esta ao Enfermeiro - Mor dos Hospitais, ao tempo o médico Dr. Curry Cabral, amigo e companheiro de consultório de Alfredo da Costa.

Desesperado por não conseguir melhorar as condições indignas em que a grávidas e puérperas viviam na Maternidade, elaborou exaustivo relatório, onde na sua introdução começava por questionar «Maternidade ou antecâmara de um inferno feminino?» que dirigiu ao Conselho da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, mesmo sabendo-se sujeito à malquerença «de quem de direito».

Ao fim de anos de luta Alfredo da Costa parecia ter tido eco do seu enorme esforço na construção de uma Maternidade ao ver inscritas verbas para a sua construção no Orçamento de Estado; ter sido escolhido o local da sua construção; ter sido feito o cálculo de despesas assim como o anteprojecto da construção mas, apesar de tudo isto, infelizmente não se veio a concretizar a construção da mesma.

Teve conhecimento da autorização dada pelo Governo, pela lei de receita e despesas, para o exercício de 1904 - 1905, publicada no Diário do Governo de 24 de Novembro de 1904, para realizar com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de 300 contos de reis, amortizável em 30 anos, para obras de beneficiação de hospitais, especialmente a adaptação do extinto convento de Santa Marta em um hospital para tratamento de doenças venéreas e a apropriação do antigo edifício da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa a uma Maternidade.

Mais uma vez, apesar dos esforços desenvolvidos pelo professor Alfredo da Costa, não se viria a concretizar o seu sonho uma vez que a totalidade da verba viria a ser dispendida na construção do hospital para doenças venéreas instalado no antigo Convento de Santa Marta, hoje Hospital de Santa Marta. Inicialmente como um anexo do Hospital Real de São José, passou a integrar o Grupo Hospitais Civis de Lisboa em 1903. Em 1910 viri a ser atribuída oficialmente ao Hospital de Santa Marta a função de Escola Médico Cirúrgica de Lisboa.

Hospital de Santa Marta, na Rua de Santa Marta

  

De lembrar que o Professor Alfredo da Costa distinguiu-se também pela notável colaboração médico-social que deu à Rainha D. Amélia, fundadora em 1899 da "Assistência Nacional aos Tuberculosos", na luta contra a tuberculose, e por ter sido um distinto cultor do jornalismo médico.

Em 2 de Abril de 1910 falecia o ilustre professor, sem ter visto realizado o sonho que acalentava desde 1898, ano em que assumiu a regência da cadeira de Obstetrícia da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, para o qual sempre com tanta dedicação e entusiasmo trabalhara. Em 15 de Maio de 1910, amigos e admiradores formam uma comissão de homenagem ao professor Alfredo da Costa, que outra não podia ser do que a efectivação do sonho de toda a sua vida.

A sua concretização, sob o projecto inicial do arquitecto Miguel Ventura Terra, ficou a dever-se ao empenho dos professores Professor Dr. Augusto Monjardino e Professor Dr. Costa Sacadura que vieram respectivamente a desempenhar as funções de Director e Subdirector da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa". Estes dois médicos e professores de medicina viriam a ser presidentes da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa.

                                       Professor Augusto Monjardino                      Professor Costa Sacadura

          Costa Sacadura

Exteriores da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" em fotos de 1932

                                                           Páteo interior                                               Arq. Miguel Ventura Terra

   Miguel Ventura Terra

Foi em 1914, sendo Ministro do Interior Dr. Rodrigo Rodrigues, que se resolveu nomear uma comissão para construir o edifício, comissão esta que foi mais tarde, em 1915, nomeada pelo Presidente da República Dr. Bernardino Machado. A verba inicialmente dotada para esse efeito foi de 250 contos (1.250 €), considerada suficiente para a construção do edifício.

A I Grande Guerra Mundial veio complicar os planos e a desvalorização da moeda aumentou consideravelmente os orçamentos iniciais. Assim se foi arrastando a construção , com vontade e querer, até que um anónimo entregou ao Professor Dr. Augusto Monjardino a quantia de 1.500 contos (7.500 €), que veio dar um grande impulso às obras já iniciadas.. Ao mesmo tempo conseguia-se o fornecimento de grande parte do mobiliário, na importância de 800 marcos ouro aproximadamente, entretanto recebidos pelas reparações de guerra. Por fim o Ministro das Finanças incluiu no orçamento do Estado a verba necessária para a conclusão das obras , que se elevou a 3.600 contos (18.000 €).

No dia 31 de Maio de 1932, é inaugurada pelo Presidente da República general Óscar Carmona a Maternidade de Lisboa sob o nome de "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" em justíssima homenagem à vida e à obra de quem por ela primeiro lutara. No dia 5 de Dezembro de 1932 abre finalmente ao público.

Interiores da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" em fotos de 1932

                                            Anfiteatro                                                                    Átrio principal no r/c

 

Refeitório

        Biblioteca                                                                     Hall do 2º piso

 

Concluído o edifício da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" começou desde logo a ser elaborado o projecto de dispensário, que se destinaria ao desenvolvimento da obra social da Maternidade.

O discurso do Dr. Augusto Monjardino na inauguração desta Maternidade terminou com as seguintes palavras:

«Esta casa é destinada aos que nascem, aos que querem viver e que sempre deveremos receber alegre e festivamente e de alegria e de festa começa por ser o dia de hoje; mas quanto mais alegre é a festa, maior deve ser a lembrança dos que tanta ou maior alegria teriam do que nós, se ainda existissem. É por isso que eu neste momento não posso deixar de pensar com sentida saudade em Alfredo da Costa, nosso mestre e inspirador e em Ventura Terra arquitecto, que deu forma e realização às inspirações do seu mestre.»

                                        Sala de cirurgia                                                                    Laboratório

 

                                            Lavandaria                                                               Sala de Esterilização

 

Cozinha

 

A lotação inicial da Maternidade era de 300 camas, 250 das quais destinadas a Obstetrícia e 50 a Ginecologia. Entretanto, observou-se um movimento muito rápido de crescimento e o número de grávidas com assistência médica pública sextuplicou logo no l° ano. Mais tarde foi introduzida a especialidade de Puericultura.

                                Internamento de grávidas                                                          Sala de partos

Enfermarias de puérperas

 

                                             Berçário                                                                Berçário em isolamento

 

No dia 5 de Dezembro, dia da abertura ao pública desta Maternidade o Diário de Lisboa escrevia: «Logo de manhã entraram duas doentes, daqui a a uma semana haverá duzentas. Vimo-las na enfermaria, que é linda, de brancos resplandecentes, camas mecânicas, biombos, luz difusa, pequenos berços, açafates de verga de ferro, que ainda não têm flores - numa atmosfera carinhosa e dôce, que não sufoca, provocando antes um sorriso de alegria e de admiração. Pois foi possível fazer isto em Portugal? Foi!.»

Os serviços estavam organizados em duas secções: Uma de Obstetrícia, e outra de Ginecologia. A primeira secção tinha como serviços: admissão de grávidas, no nono mês, que necessitassem de tratamento; puérperas normais; puérperas febris; isolamento e serviços de urgência. Na segunda secção funcionavam as consultas externas, existindo ao todo seis de obstetrícia e ginecologia, tanto para observação, como para tratamento de doentes.

«Das trezentas camas existentes nesta Maternidade, dois terços são para indigentes, e um terço para pensionistas, cujo preço de estadia varia entre os 20 e os 30 escudos diarios, e «porcionistas», isto é, doentes recomendados por Câmaras Municipais, associações, indivíduos idoneos, etc., pagando parte da hospitalização, ou seja, dôze escudos e cinquenta centavos.»

Em 6 de Dezembro de 1932, foi admitida nesta Maternidade a primeira grávida, chamava-se Glória Virgínia, tinha 18 anos, era natural de Tomar, coube-lhe o boletim nº 1, viria a dar à luz um rapaz com 3,500 Kg no dia 23 de Janeiro de 1933.

Entre 6 e 31 de Dezembro de 1932 foram efectuados 96 partos tendo correspondido a 97 nascimentos, o primeiro ocorreu às 23.30 h do dia 8 de Dezembro de 1932. Foi uma rapariga, que nasceu com 2,500 Kg, a quem foi dado o nome de Maria da Conceição. Era o primeiro filho de Flora Martinho, de 19 anos de idade. Mãe e filha tiveram alta no dia 22 de Dezembro.

                     

Em 1957 é criada uma unidade de cuidados especiais: Permaturos. Após a aprendizagem em França, Rosa Paixão, médico e puericultor, e Teresa Leça da Veiga, enfermeira, inauguraram em 1957, esta unidade que viria, pela sua importância, a constituir o antepassado heróico do que hoje conhecemos como Unidades de Cuidados Especiais ao recém-nascido. Num semanário da época podia ler-se: «(..) é o grito mais gritante, em defesa de um direito que tanta controvérsia tem dado: o de nascer.» Neste mesmo artigo apelava-se para que o transporte do recém-nascido prematuro que nascesse onde quer que fosse estivesse a cargo da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" que disponibilizaria uma equipe (enfermeira e servente) e uma incubadora rudimentar, já que apenas respondia à necessidade de prevenir o arrefecimento.

Incubadora para recém-nascido permaturo em 1957

Equipados os profissionais com barretes, com botas e com máscaras, à semelhança da prática de outros hospitais na Europa e América, procuravam assim criar uma barreira física, pois acreditavam que, desse modo, as crianças não se infectariam. Os recém-nascidos, eram alimentados por sistemas nasogástricos, hoje considerados arcaicos mas que, na altura, seriam o grito da sofisticação em cuidados especializados. Eram considerados de risco os recém-nascidos que pesavam 2,5 kg, já que a idade gestacional era um parâmetro não valorizado. Os que pesavam 1500 gr, ou menos, eram considerados como “impossíveis” de cuidar.

Em 1977 foi criada a Unidade de Cuidados Intensivos ao recém-nascido.

Desde a sua abertura, até ao ano de 2005 tinham nascido na "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" mais de 540 mil crianças, número que fez desta instituição a maior de Portugal, mas … ao que tudo indica, pelas notícias vindas a público este ano, esta Maternidade será encerrada até ao final deste ano de 2012 …

MAC bébés

fotos in: Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca Nacional Digital

1 comentário:

Hortense Ramiao disse...

Bom dia! Foi com emocao que acabei de ler a historia da Grande Empresa Cuf e onde trabalhei durante 23 anos e na qual ainda gostaria de trabalhar muitos mais anos. Porque la fui feliz as pessoas eram solidarias e boas companheiras e a nivel de chefia tive sempre os melhores. Penso que isto tinha muito a ver por ser uma empresa familiar que criou e apoiou sempre as familias Cuf. Os trabalhadores tinham um posto medico como todas as especialidades medicas e os melhores medicos la levantava-mos as papas para os nossos bebes, e nos proporcionavam um tempo para nos deslocarmos a creche para amamentar-mos os nossos bebes, tambem tinha-mos direito ao Hospital Cuf, ao qual ainda vou hoje mas agora pago e bem. Mas falo aqui numa empresa que se preocupava com os trabalhadores e com os seus filhos,tinha uma optima creche onde o meu filho ficou durante 6 anos entregues a umas boas amas. No verao as criancas iam para uma boa colonia de ferias com as suas amas, e assim lhes proporcionava umas boas ferias. Tambem existia um supermercado e ainda outros de outra area,e passados uns anos acabaram, Ainda hoje tenho saudades dos anos em que trabalhei na Cuf. Com o fecho da empresa tive de me agarrar a varios trabalhos e por onde andei nunca mais encontrei colegas de trabalho como tive na Cuf. Porque ali existia o ADN da Cuf que era famlia. Termino dizendo que ainda hoje tenho saudades dos tempos da Cuf. Nao sei e nao compreendo quem proporcionou que esta empresa cessasse e assim sendo ficaram centenas de pessoas no desemprego ,E muitas nunca mais conseguiram um emprego e eu fui uma delas