Restos de Colecção: Arquitecto Miguel Ventura Terra

14 de julho de 2016

Arquitecto Miguel Ventura Terra

Completam-se hoje, dia 14 de Julho de 2016, 150 anos sobre o nascimento do arquitecto Miguel Ventura Terra (1866-1919) em Seixas do Minho em 14 de Julho de 1866, figura maior da arquitectura portuguesa, no início do século XX.

Miguel Ventura Terra (1866-1919)

     

Para acompanhar este artigo  do itinerário das principais obras de Miguel Ventura Terra, optei por recorrer, em parte, ao texto publicado no blog “Toponímia de Lisboa”, da CML intitulado “Marcas de Ventura Terra na toponímia de Lisboa”, publicado em 1 de Julho de 2016, e que pela sua qualidade servirá bem os meus propósitos, e no qual procedi a pequeníssimas alterações. Chamo á atenção para o facto de os títulos em amarelo terem o link para a história ilustrada respectiva neste blog.

De regresso a Portugal em 1896, após estudos em Paris, Miguel Ventura Terra foi nomeado arquitecto de 3.ª classe da “Direção de Edifícios Públicos e Faróis” e venceu o concurso de reconstrução da “Câmara dos Deputados” após o incêndio de 1895, o espaço que hoje identificamos como Assembleia da República, na Rua de São Bento. O hemiciclo de Ventura Terra viria a ser inaugurado em 1903.

 

Em 1900, idealizou o pedestal para o monumento ao Marechal Saldanha do escultor Tomás Costa, na Praça Duque de Saldanha, assim como projetou dois pavilhões, da representação portuguesa na “Exposição Universal de Paris” de 1900, no Trocadéro e no Quai d’Orsay.

Estátua do Marechal Duque de Saldanha inaugurada em 13 de Fevereiro de 1909

Presença portuguesa na Exposição Universal de Paris de 1900

        Pavilhão das Colónias Portuguesas                                                     Pavilhão de Portugal

 

Quanto à crítica da imprensa internacional na época: «Por forma que a exposição de Portugal com o seu ar campesino, a sua uveira minhôta, as cangas rusticas, o carro e os bois, a latáda, a vindimadeira de Teixeira Lopes, tudo a sugestionar á imaginação scenas dos nossos campos, surge, desabrocha como um sorriso ingenuo e natural, sem pretensões no meio dos brilhantes arrebiques da vizinhança. Entra-se alli para descansar; é fresco é viçoso; repousa a vista e alegra o espirito: á e impressão que todos sentem, ao visitarem a secção agricola portugueza cujo projecto decorativo foi executado pelo nosso eximio artista Ventura Terra, que por esse motivo obteve dos jurys internacionaes o alto premio de diploma de medalha de ouro.»

No ano seguinte, graças à iniciativa do Coronel Rodrigo António Aboim Ascensão da “Associação de Proteção à Primeira Infância” (APPI) foi o autor da primeira creche lisboeta,  que incluiu a construção de uma Vacaria, no Largo do Museu de Artilharia nº 2. Data também de 1901 um edifício de habitação no nº 5 da Praça Marquês de Pombal.

“Associação de Proteção à Primeira Infância” no Largo do Museu de Artilharia

Em 1902, foi o ano de  concretizar o Palacete de Henrique José Monteiro Mendonça”, nos nºs 18-28 da Rua Marquês de Fronteira, galardoado com o “Prémio Valmor de Arquitectura” 1909; a  Casa do  Jacinto Cândido, na Rua da Arriaga e a casa de Guilherme Pereira de Carvalho na Avenida da Liberdade (ambas já demolidas); o  prédio do Comendador Emílio Liguori na Rua Duque de Palmela nº 37 ( que viria a ser a sede do jornal Expresso) e ainda, a casa de José Joaquim Miguéis, na Avenida António Augusto Aguiar nº 134 (demolida em 1997). Ainda com projeto de 1902 foi  edificado o conjunto de três prédios erguidos pelo republicano Joaquim dos Santos Lima, na Avenida Elias Garcia nº 62 (então Avenida José Luciano) com a Avenida da República nº 46 e, ainda a Sinagoga de Lisboa também designada como “Shaaré Tikvá” ou “Portas da Esperança”, na Rua Alexandre Herculano, artéria onde Ventura Terra traçou também o seu próprio edifício residencial no nº 57, exemplo significativo da aplicação da Arte Nova em Portugal  que foi o 2º “Prémio Valmor de Arquitectura” a ser atribuído, no ano de 1903, como recorda uma placa na fachada para além de outra placa que informa que «Esta casa foi legada às escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto pelo distinto arquitecto Miguel Ventura Terra, que nela faleceu em 30 de Abril de 1919, destinando o seu rendimento líquido para pensões a estudantes pobres das escolas que mostrem decidida vocação para as belas artes». Ainda  neste arruamento somou  Ventura Terra em 1911 o edifício do nº 25 que também foi “Prémio Valmor de Arquitectura” nesse ano.

Casa de Guilherme Pereira de Carvalho na Avenida da Liberdade projectada em 1902

   

Palacete de Henrique Mendonça e prédio de Joaquim dos Santos Lima na Avenida Ressano Garcia

 

Sinagoga de Lisboa e Casa Ventura Terra, ambos na Avenida Alexandre Herculano

 

Miguel Ventura Terra defendia a autonomia disciplinar da arquitetura e em 1903, com os arquitectos Adães Bermudes, Aragão Machado, Rosendo Carvalho e António Dias da Silva forma a “Sociedade dos Archiitectos Portuguezes”, com sede na Rua Vítor Cordon, nº 14 - 1º, e da qual foi o primeiro presidente. Hoje encontramos como sua herdeira associativa a Ordem dos Arquitectos, na Travessa do Carvalho nº 23,  no antigo edifício dos Banhos de São Paulo. Ainda em 1903 Ventura Terra foi o autor da  Casa do Dr. Alfredo Bensaúde, no cruzamento da Rua de São Caetano com a Rua do Arco do Chafariz das Terras, na Lapa.

Primeiro número do “Annuario” em 1905

 

Nesta revista o regulamento dos «Honorarios dos Architectos» aprovados em 1904

Em 1904, Miguel Ventura Terra foi o delegado de Portugal ao “VI Congresso Internacional dos Arquitetos”, na cidade de Madrid e traçou a Casa da Condessa de Taboeira na Rua Arriaga nº9, bem como a casa de Júlio Gualberto da Costa Neves na Rua Rosa Araújo nº37.

Em 1905 projetou a sede do “Banco Lisboa & Açores” para a Rua Áurea nº 82 -92, construído por “A Constructora” e traçou  a casa da Viscondessa de Valmor, D. Josefina Clarisse de Oliveira, - entretanto já viúva do Visconde de Valmor -no  nº 38 da Avenida da República (então Avenida Ressano Garcia), com esquina para o  nº 22  da Avenida Visconde Valmor (então Rua Visconde Valmor), construído por Joaquim Francisco Tojal, e que foi o “Prémio Valmor de Arqitectura” de 1906.

                     “Banco Lisboa & Açores”                                                   Casa da Viscondessa de Valmor

 

Publicidade em 1905 aos dois construtores dos edifícios anteriores

  

“Casa Sandoz” na Rua de São Caetano em Lisboa e projectada em 1907

Seguiram-se os Liceus: o “LIceu de Camões” (1907) na Praça José Fontana, o “Liceu Pedro Nunes” (1908) na Avenida Álvares Cabral, e o “Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho” (1913) na Rua Rodrigo da Fonseca, obra que por falta de verba demorou 18 anos a acabar e por isso foi terminada pelo arquitecto António do Couto.

                                 “Liceu de Camões”                                                                 “Liceu Pedro Nunes

 

“Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho”

Em 1907 traçou a casa de João Silvestre de Almeida, com vitrais Arte Nova e pintura de mural de Veloso Salgado, na  Rua Mouzinho da Silveira nº12 , onde hoje encontramos a sede do “Banco Privado Português”. Em 1908, idealizou a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, na Rua Viriato. Também neste ano e bem próximo, na Avenida Fontes Pereira de Melo ficou concluído o Palacete para José Joaquim da Silva Graça, proprietário do jornal “O Século”, que foi vendido em 1930 para se tornar no Aviz Hotel, o qual funcionará até 1961 e será demolido no ano seguinte. Ainda em 1908, Miguel Ventura Terra participou no traçado de alguns detalhes do Palácio Marquês de Vale Flôr, na Rua Jau, quando o arquitecto José Cristiano de Paula Ferreira da Costa retomou  este projeto por falecimento de Nicola Bigaglia, sendo este edifício classificado como monumento nacional deste 1997.

Maternidade Dr. Alfredo da Costa

Palacete Silva Graça

 

Hall e vestíbulo de entrada do “Teatro Nacional de S. Carlos

 

Para além da arquitetura, Miguel Ventura Terra era um republicano pelo que no período de 1908 a 1913 foi também vereador  na Câmara Municipal de Lisboa, na 1ª vereação republicana de Lisboa, presidida por Anselmo Bramcaamp Freire. Elaborou planos na área do urbanismo, como os que concebeu para o “Parque Eduardo VII” e para a zona ribeirinha da capital (1908) e em 13 de Outubro de 1910 propôs a atribuição do topónimo “Esplanada dos Heróis da Revolução”, em terrenos do “Parque Eduardo VII” - «que seja dado o nome de Esplanada dos Heróis da Revolução ao espaço que no meu projecto de Parque Eduardo VII fica compreendido entre o limite norte da Praça do Marquês de Pombal, as ruas Fontes Pereira de Melo e António Joaquim Aguiar e o Palácio de Exposições e Festas onde começa o parque propriamente dito.» - proposta aprovada mas que não chegou a ser concretizada. Em 9 de Março de 1911 propôs ainda a atribuição dos nomes de Eugénio dos Santos, Nuno Santos e Silva Porto a ruas importantes de Lisboa. Ainda nesta área refira-se que Miguel Ventura Terra era amigo do escultor António Teixeira Lopes, e solicitou-lhe a execução de um busto em mármore do 1º Presidente Republicano da Câmara de Lisboa, Anselmo Braamcamp Freire, pago pelos 11 vereadores.

Outras obras fora de Lisboa projectadas pelo arquitecto Miguel Ventura Terra

Colónia da Sineta / Asilo de Santo António, projecto de 1906 para  João Taborda de Magalhães, com o para ser uma colónia de Verão para crianças pobres, em Caxias

Vidago Palace Hotel” com projecto inicial de 1907 e inaugurado em 6 de Outubro de 1910

Basílica de Santa Luzia em Viana do Castelo e “Hospital Valentim Ribeiro” em Esposende e inaugurado em 1916

 

Voltando a Lisboa …

Prédio de António Thomaz Quartim, na Rua Alexandre Herculano. “Prémio Valmor de Arquitectura” de 1911

Em relação a este “Prémio Valmor de Arquitectura” de 1911 a revista “Construção Moderna” observava: "O prédio (...) é sem contestação, um dos mais belos, de todas aquelas avenidas que ladeiam a da Liberdade, e o seu corpo lateral é um trabalho artístico imponente e de valor. Assim o compreendeu o júri que foi encarregado de proceder à concessão do Prémio Valmor. (...) A construção custou aproximadamente trinta e cinco contos de reis",

Em 1912-1913, num traçado representativo da Arte do Ferro projeta o seu “Teatro Politeama”, na então designada Rua Eugénio dos Santos (hoje, Rua das Portas de Santo Antão). Ainda em 1913, Ventura Terra recebeu uma Menção Honrosa do “Prémio Valmor de Arquitectura” para o Palacete que idealizou para o nº 3 da Avenida António Augusto Aguiar, onde é hoje a sede da “Ordem dos Engenheiros”, cabendo a parte de cantaria a Pardal Monteiro, que trabalhou no atelier de Miguel Ventura Terra quando ainda frequentava a “Escola Superior de Belas Artes de Lisboa” e o entendeu sempre como mestre de referência.

Sede da “Ordem dos Engenheiros” na Avenida António Augusto de Aguiar

Teatro Politeama

«As novas casas de Ventura Terra proscrevem a velha rotina da chateza alvar e sórdida, anterior à invasão da higiene, do asseio, da ginástica e do tub nos costumes lisboetas, e refutam simultaneamente o espírito de inovação pretensiosa e pelintra, o "snobismo" (para o dizer numa palavra) alojado nos cérebros frágeis das modernas gerações. São alegres, são simples, são lógicas, são concentradas e discretas. Harmonizam-se sem violento contraste de forma ou de cor com o aspecto das edificações circundantes, com a luz ambiente, com o solo, com o céu de Lisboa. A sua nobreza de aspecto não se impõe por hiperbólicos artifícios exteriores, antes se deduz honradamente de cultura e da dignidade interior da vida familiar, laboriosamente inteligente, da qual parecem ser a mais apropriada colmeia; e, como toda a obra arquitectónica do autor, esses novos prédios lisbonenses como que têm, sob um esmalte de arte o inconfundível carinho dos dois fundamentais elementos do talento de um arquitecto: a probidade e o juízo.» in: “Arte Portuguesa” de Ramalho Ortigão - Livraria Clássica Editora, lI Vol., de 1943.

Relembro outros grandes arquitectos, que se destacaram pela sua obra, na primeira metade do século XX em Portugal: Manuel Joaquim Norte Júnior (1878-1962), Raúl Lino (1879-1974), Luís Cristino da Silva (1896-1976), José Cottinelli Telmo (1897-1948), António Maria Veloso Reis (1899-1985), Carlos João Chambers Ramos (1897-1969), Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957), Cassiano Branco (1897-1970), Jorge Segurado (1898-1990), João Simões (1908-1993), Raúl Rodrigues Lima (1909-1980), etc.

Programa das comemorações dos 150 anos do nascimento de Miguel Ventura Terra

 
© Fernando Jorge

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Hemeroteca Municipal de Lisboa, RetrovisorAssembleia da República, Ventura Terra

1 comentário:

Anónimo disse...

Moro a 20 m do asilo de S. António em Caxias. Ainda lá passei muito tempo da minha infância. Só não lhe mostro uma fotografia actualizada para que não fique deprimido. Mete dó.

António Horta