Restos de Colecção: novembro 2019

24 de novembro de 2019

Gasogénios em Portugal

Apesar da neutralidade de Portugal na II Grande Guerra Mundial (1939-1945), o país sofreu com racionamentos de bens essenciais (açúcar, arroz, bacalhau, massas, leite, café, etc.) e matérias primas, onde estavam, naturalmente, incluídos os combustíveis. Em 1942 a situação era dramática com as importações reduzidas entre 60 a 90%.

1942


Com a proibição do consumo privado de gasolina, em 1942, os veículos a motor (automóveis e camionetes) passam a utilizar os incómodos e enormes gasogénios, aparelhos que transformam, por combustão incompleta, o carvão ou a madeira em gás combustível capaz de mover veículos automóveis.



A partir desta altura, táxis, autocarros e alguns veículos particulares, passam a circular apenas com "trambolho" traseiro (gasogénio), tornando-se quotidiano em 1942. Em alternativa regressa, como opção, a tracção animal, que havia começado a ser extinta quatro décadas antes.


Apesar de não ser a esta tracção animal que me referia ... o projecto "Auto-Hipo", originário de Mangualde. Quando a gasolina acabava, entrava o cavalito em acção.




Em 25 de Novembro de 1942, aparece o primeiro táxi em Lisboa a gasogénio. Foi um "Peugeot" 402 com 1.991 cm3 e 55 hp. A propósito o jornal "Diario de Lisbôa» noticiava:

«Hoje, a meio da tarde, apareceu na baixa o primeiro taxi movido a gasogeneo. É equipado com um "Rema-Gás", construído nos laboratorios "Rema-Radio", utilizando um aspirador da Electro-Rapida, do Largo do Andaluz.
Fez o trajecto daquele largo até aos Restauradores sem que alguem o pretendesse - tal é já a descrença em encontrar um taxi "livre" ... a valer! E só perto do Avenida-Palace teve o primeiro cliente.
Os carros equipados com este gasogeneo desenvolvem mais de 1.300 calorias - quando o limite minimo é de 1.000 - e arrancam com um minuto, podendo arrancar imediatamente mesmo depois de estarem um quarto de hora parados. Trata-se, poi, do aparelho ideal para taxis.»


Respectiva publicidade ao fabricante do gasogénio em anúncio de 25 de Novembro de 1942



Por outro lado num texto de Ana Pago no site "Notícias Magazine", pode-se ficar a saber a origem do epíteto "fogareiro":
«(...) era o chamado «gás pobre» produzido pelos gasogénios que mantinha os veículos a andar como Ferraris, entre nuvens de fumo e chispas ao acelerar, dando um novo sentido ao epíteto de «fogareiros».

Mas como nesta vida «nem tudo são rosas" ... em 22 de Agosto de 1942 ...


         Autocarro de passageiros da "AVIC", da carreira Viana do castelo-Arcos de Valdevez, alimentado por gasogénio


Alguns anúncios publicitários de fabricantes de gasógenios

24 de Dezembro de 1942



29 de Agosto de 1942


24 de Dezembro de 1942


10 de Setembro de 1942


19 de Setembro de 1942


1943


Esta situação de racionamentos e mercado negro, em Portugal, só seria extinta em 1947 quando o recente Ministro da Economia Dr. Daniel Barbosa recorre ao ouro e divisas do Estado, acumulados durante a Guerra, para efectuar uma importação maciça de géneros que espelha por postos de venda tabelados, entretanto abertos nas ruas.

1944


fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Almanaque Silva, Diário de Notícias

17 de novembro de 2019

Loja "Albino José Baptista" ou Loja "92"

A loja "Albino José Baptista", mais conhecida e publicitada como loja "92", foi fundada pelo próprio, em 6 de Julho de 1876, na Rua Nova do Almada em Lisboa.



3 de Dezembro de 1893


Jornal da loja "92" de 21 de Dezembro de 1890


Esta loja especializada em leques, guarda-chuvas e bengalas, além de outros artigos, era assim definida pelo jornal "A Folha de Lisboa" em 1917:

«Não é preciso ir ao estrangeiro, para ver as mais recentes novidades em tudo que ha de mais belo na ultima moda, basta visitar o antigo e luxuoso 92, o  primeiro estabelecimento no genero que a nossa capital possui; ali se encontra um colossal e variadissimo sortido de artigos proprios da estação, depostos com um artistico gosto que só o seu inteligente proprietario o nosso querido amigo Albino José Baptista, sabe fazer, e captativa com a sua finissima amabilidade, os seus freguezes que continuamente lhe compram os principaes modelos parisienses, como bengalas, chapeus de chuva, sombrinhas de phantasia, e um variadissimo sortido de leques para a proxima estação.
Uma visita ao elegante estabelecimento, é o que recomendamos a todas as pessoas de bom gosto.»

3 de Dezembro de 1912



21 de Maio de 1914


A loja "Albino José Baptista" no ano de 1900 já contava com uma sucursal na Rua do Ouro, 110, em Lisboa. Seria neste mesmo ano que esta casa ganharia uma medalha de bronze e menção honrosa, na "Exposição Universal de Paris".

Sucursal da loja "Albino José Baptista" na Rua do Ouro (dentro da elipse desenhada)


Verso de postal alusivo


Prato-brinde de 1895 oferecido aos melhores clientes


A loja "92"  promoveu umas fichas, que além de publicitarem a casa (meio muito importante e usado na época) eram entregues aos clientes em função do montante gasto em compras e mais tarde trocadas por brindes.

São conhecidas as emissões com o busto da Rainha Victoria (1886 e 1901) e do Kruger (1901).


Em 21 de Novembro de 1908, em sociedade com Sabino Correa Junior  - "Sabino Correa & C.ª" - Albino José Baptista inaugura o "Chiado Terrasse" que viria a ser uma das salas de animatógrafo/cinema mais importantes de Lisboa, onde coexistiriam o cinema, teatro e música.

"Chiado Terrasse" com a publicidade à "92"


Albino José Baptista, foi um dos sócios fundadores da "Empreza Tauromachica Lisbonense", a 23 de Abril de 1891, e que no ano seguinte a 18 de Agosto de 1892, inauguraria a "Praça de Touros do Campo Pequeno" e da qual ficaria concessionária por 90 anos.

Postal tauromáquico de 1915 com publicidade à loja "92". Leia-se Pianista e não Piadista



O jornal "Diario Illustrado" em 7 de Julho de 1907, e a propósito duma corrida de touros a realizar no Campo Pequeno, e em sua homenagem, escrevia acerca de Albino Baptista:
« (...) É uma homenagem de todo e ponto justissima.
Trabalhador indefesso, Albino José Baptista não descansa, quer tratando dos seus acreditados estabelecimentos, quer ocupando-se de assumptos tauromachicos a que elle é um extremo dedicado.
Foi o iniciador e organisador da corrida de 19 de agosto do anno findo, cujo producto reverteu a favor dos toureiros invalidos. Só esse facto é o suficiente para definir o seu diamantino caracter.»

E como “nem tudo são rosas” mesmo entre pai e filho, em 21 de Junho de 1916


Entretanto no início dos anos 20 do século XX, e com a morte de Albino José Baptista, a loja com o seu nome passa a designar-se "Viúva de Albino José Baptista, Lda.".


Não sei quando encerrou a loja na Rua Nova do Almada. Quanto à loja da Rua do Ouro, seria encerrada por volta de 1923 para dar lugar ao "Banco Português do Continente e Ilhas", que seria fundado em 21 de Junho de 1923 e que ali inauguraria a sua sede em 15 de Agosto do mesmo ano. Este edifício, anos mais tarde, aquando da integração deste Banco no "Banco Português do Atlântico"  - fundado em 31 de Dezembro de 1942 - em Março de 1950, passaria para a posse deste último, que ali instalaria a sua sede.

"Banco Português do Continente e Ilhas" no lugar da loja "Albino José Baptista" da Rua do Ouro em 1923


Durante a "Semana dos Artistas" em anúncio de 23 de Janeiro de 1928


Quanto à loja-mãe na Rua Nova do Almada, não sei quando terá encerrado definitivamente. Sei que o prédio onde estava foi atingido pelo grande incêndio do Chiado de 25 de Agosto de 1988 e teve de ser reconstruído. Por outro lado a firma "Viúva de Albino José Baptista, Lda." só foi dissolvida e liquidada em Outubro de 2014, tendo como último domicílio da sua sede a Rua dos Correiros, 71-2º andar. A sua última actividade declarada (CAE) foi: «Retalho de vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados».

Actualmente o número 92 está reduzido a uma pequena loja de arquitectura e decorações


10 de novembro de 2019

"Constantino" - Brandy e Vinhos do Porto

A origem da marca "Constantino" remonta a 1877, quando Constantino d'Almeida,  depois de emigrado no Brasil entre os 10 e 18 anos de idade onde fez uma considerável fortuna (cuja origem ainda hoje é um mistério) funda a firma "Sociedade dos Vinhos do Porto Constantino, Lda.", dedicada à exportação de Vinho do Porto e Brandy. A firma conheceria sucesso na primeira metade do século XX, graças à visão e capacidade de gestão de Constantino d'Almeida (falecido em 1922) e dos seus sucessores.

Constantino d'Almeida


Anúncio na "Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro, em 7 de Novembro de 1947




No início do século XX, a "Quinta do Crasto", no Douro entre a Régua e o Pinhão, - com referências conhecidas desde 1615 e um marco pombalino datado de 1758 - foi adquirida por Constantino d'Almeida, em 1910, fundador da marca "Constantino" e cujo slogan publicitário «A fama do Constantino já vem de longe» que perdura até aos dias de hoje.

"Quinta do Crasto"




1 de Abril de 1901



Em 1 de Abril de 1901 a revista "Brasil-Portugal" num artigo acerca desta casa referia:
«(...) atravessamos o Douro, demoramo-nos em Villa Nova de Gaya, e passamos essas horas e visitar os importantíssimos armazens e  escriptorios do sr. Constantino de Almeida, cujo retrato faz parte da gravura que encima esta pagina.
É na presença de uma vasta casa commercial que nos encontramos, sendo o principal commercio d'ella: exportação de vinhos para os portos de Africa e do Brasil.
Antes porém de lá estarem acreditados, já as primeiras cidades de Portugal os tinham consagrado, a começar por Lisboa, onde se encontram nos mais conceituados estabelecimentos.
Na ca Constantino de Almeida as marcas de vinho de maior exportação são estas: Old Port Wine, Santa Maria, Constantino eo Vinho Precioso da Quinta da Torrente do Alto Minho, a qual está sob administração da mesma casa.
Ao lado d'estas, outras marcas são tambem conhecidas de sobejo do paiz inteiro, e a titulo de curiosidade as damos aqui: Flor do Douro, Eureka, Princeza, Saudavel, Confortavel, Malvasia, Dourada, Moscatel delicia, S. Gabriel, Duque, Especial 1834, Florido Toscano.
Além das terras de Portugal e colonias, o Pará, Manáos, Maranhão, Pernanbuco, Bahia, Rio de Janeiro, S. Paulo, Rio Grande do Sul, Montevideo e Buenos Ayres, teem por tal forma estabelecido a reputação d'estes vinhos, que o consumo d'elles, em larga escala, honra devéras o commercio portuguez.

Anúncio no jornal "A Noticia" (Bahia-Brasil) em 16 de Janeiro de 1915


Alem délles, produz ainda a casa duas magnificas qualidades de cognac das marcas Marie Alice e Moscatel muito apreciadas no paiz e conhecidas no estrangeiro onde rivalizam com algumas das mais conceituadas. (...)
Para se avaliar a excellencia d'estes vinhos, bastará vêr como teem sido recompensados os esforços e premiado o trabalho do chefe da casa de Villa Nova de Gaya.
Estão registadas no Ministerio das Obras Publicas, para que da sua authenticidade ninguem possa duvidar, todas as recompensas conferidas aos vinhos de Constantino de Almeida. As exposições de Marselha, de Bruxellas de Anvers, de Nice, a Exposição Agrícola de Villa Nova de Gaya, a Exposição Internacional de Saint-Etienne, a Académie Nationale de Paris, conferiram-lhe a medalha de ouro, ao passo que outras lhe concediam diplomas de honra e o Jury hors de concours da Exposição de Nice lhe dava o Grand Prix. Nem passe despercebido que a medalha d'ouro da classe 31ª (vinhos de consumo) conferida por occasião do Centenario Henriquino, pela Exposição Agricola Industrial de Villa Nova de Gaya, foi a unica de tão subido merito dada por esse jury.

Secção de engarrafamento da "Sociedade dos Vinhos do Porto Constantino, Lda.", em 1 de Abril de 1904


Armazém de vinhos licorosos


Representam as nossas duas gravuras a Secção de Engarrafamento e o Armazem Principal dos Vinhos Licorosos. É n'essas duas casas que o trabalho toma maiores proporções. Ficam-lhes annexos os depositos de garrafas importadas, da caixaria, e das caixas de vinhos promptos para embarque.
Tabem não deixa de ser interessante a conducção d'estas caixas, ordinariamente feita por numerosas mulheres que as transportam á cabeça, uma a uma, até ao caes da Cruz para grandes barcaças, que depois são rebocadas para o porto de Leixões, onde são recebidas a bordo dos paquetes que se destinam á Africa e ao Brasil.»




Movimentação de vinhos em Vila Nova de Gaia, desde os armazéns até ao embarque



Postal em 1912




E em 1973 ...


Reclamo no edifício do "Hotel Internacional" na esquina da Rua Augusta com a Rua da Betesga


Em 1923, após a morte de Constantino d'Almeida em 1922, foi o seu filho Fernando Moreira d’Almeida que se manteve à frente da gestão da "Quinta do Crasto" dando continuidade à produção de Vinho do Porto da mais alta qualidade.

Fernando de Almeida


                                            1960                                                                                            1961

   



Entretanto, a empresa "Sociedade de Vinhos do Porto Constantino, Lda." seria incorporada na “Sociedade Comercial dos Vinhos de Mesa de Portugal”, - actual "Sogrape Vinhos, S.A." -  fundada em 22 de Julho de 1942,  por Fernando van Zeller Guedes e mais 15 amigos. Seria esta empresa que criaria aquele que viria a tornar-se o mais internacional dos vinhos de mesa portugueses - "Mateus Rosé".

                                       1934                                                                                             1955

Reclamos do Brandy "Constantino", a cores a preto e branco, na Praça D. Pedro IV (Rossio), em Lisboa, fabricados pela "Electro-Reclamo, Lda." fundada pelo engº Carlos Santos em 1926




Quanto á "Quinta do Crasto"... «Em 1981, Leonor Roquette, filha de Fernando Moreira d’Almeida, e o seu marido Jorge Roquette assumiram a maioria do capital e a gestão da propriedade e, com a ajuda dos seus filhos, deram início ao processo de remodelação e extensão das vinhas, bem como ao projeto de produção de Vinhos do Douro de Denominação de Origem Controlada (DOC), pelos quais a Quinta do Crasto é amplamente conhecida, nacional e internacionalmente. Esta é assim a quarta geração da família à frente da gestão desta emblemática quinta que a todos seduz pela qualidade que faz questão de imprimir em todos os seus produtos.
A Quinta do Crasto possui hoje uma gama de produtos muito completa, desde Vinhos do Douro brancos e tintos, Vinhos do Porto de categorias especiais e Azeites Extra Virgem, com diferentes níveis de preços.» in: site "Quinta do Crasto".





A marca é actualmente reconhecida pela qualidade do seu famoso brandy, amplamente expandido em Portugal e além-fronteiras. A pureza e genuinidade da aguardente que origina o brandy "Constantino", conservada durante 6 meses em madeiras da melhor qualidade, são as principais características da sua excelência.


E para terminar, e por curiosidade, aqui ficam as "Notas da Prova" do enólogo:
«Brandy Constantino tem uma cor amarelo-escuro, com nuances esverdeadas. O seu aroma é pujante, com intensa madeira de grande qualidade. Sobressaem também notas características das aguardentes mais nobres, como é o caso das especiarias. No paladar apresenta grande macieza, de consistência quase aveludada, deixando no final uma impressão de muita elegância.»

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Hemeroteca Digital de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Sogrape Vinhos, Quinta do Crasto