Em 1726, D. João V (1689-1750) adquire três quintas na zona de Belém. A primeira tinha já uma edificação que é hoje o “Palácio de Belém”, a segunda uma ermida do Oratório, que foi depois expandido para o que é hoje o “Palácio das Necessidades” e a terceira a quinta da Ajuda reservada para a edificação de uma residência real de Verão. Ali é rasgada a Calçada da Ajuda e junto a Belém construído um cais, não chegando no entanto nenhum palácio a ser projectado.
A utilização da quinta da Ajuda como “Paço Real” deu-se no rescaldo do terramoto de Lisboa, a 1 de Novembro de 1755, já no reinado do Rei D. José I (1714-1777). O terramoto destruiu praticamente toda a cidade de Lisboa, incluindo a residência do Rei, o velho “Paço da Ribeira”, cujo complexo abraçava Terreiro do Paço, junto ao Rio Tejo. O facto não criou apenas danos materiais, mas criou também uma fobia na população lisboeta sobrevivente que receava agora uma réplica ou até um segundo abalo telúrico.
Embora a família Real e a Corte se encontrassem nesse dia em Belém, zona ocidental da cidade onde os efeitos do terramoto não se fizeram sentir com tanta intensidade, o Rei ficou tão perturbado com o acontecimento que se recusou a viver em edifícios de alvenaria. D. José I mandou então erigir no alto da Ajuda, local de pouca actividade sísmica, um palácio de madeira e pano, a que se chamou “Real Barraca” ou “Real Paço de Madeira”.
1877
A urgência da construção de um novo Palácio Real e o facto da família Real ter sobrevivido ao cataclismo por se encontrar na zona de baixa sismicidade de Belém/Ajuda, justificou a escolha do local. O novo Paço, habitável desde 1761, veio a ser a residência da Corte durante cerca de três décadas. Em 1794, no reinado de D. Maria I (1734-1816), um incêndio destruiu por completo esta habitação real e grande parte do seu valioso recheio.
Coube a Manuel Caetano de Sousa, arquitecto das Obras Públicas, a tarefa de projectar um novo palácio de pedra e cal, que foi traçado ainda de acordo com as tendências arquitectónicas do Barroco. Este projecto, iniciado em 1796 sob a regência do príncipe real D. João, foi suspenso decorridos cinco anos de construção, quando, em 1802, Francisco Xavier Fabri e José da Costa e Silva, arquitectos formados em Itália, foram encarregues de o adaptar à nova corrente neoclássica. Esta tarefa, continuada mais tarde por António Francisco Rosa, responsável pelo traçado de “redução” do projecto, nunca veio a ser concretizada integralmente.
Planta do projecto do arquitecto José da Costa e Silva de 1802
Alçado da fachada principal, pelo lado Sul, pelo arquitecto António Francisco Rosa em 1820
Fachada lateral e entrada pelo lado do Nascente, pelo arquitecto António Francisco Rosa em 1820
Projecto da arquitecto Joaquim Possidonio da Silva em 1834
Factores de natureza diversa foram imprimindo um ritmo descontinuado ao decorrer da obra do edifício, nomeadamente a partida da Corte para o Brasil, em 1807, na sequência das invasões napoleónicas, e a falta periódica de recursos financeiros. Nela trabalhavam os melhores artistas do reino: Domingos Sequeira, Arcângelo Foschini, Cirilo Wolkmar Machado, Joaquim Machado de Castro e João José de Aguiar, dedicados essencialmente às decorações pictóricas e escultóricas. Quando, em 1821, a Corte regressou do Brasil, o “Palácio Real da Ajuda” permanecia inacabado, sendo nele realizadas apenas cerimónias protocolares. Em 1826, após a morte de D. João VI (1767-1826), estando as alas nascente e sul já habitáveis, a infanta regente D. Isabel Maria (1801-1876) e duas das suas irmãs escolheram-no para sua residência.
Dois anos depois, o rei D. Miguel (1802-1866) também elegeu a Ajuda para morar e muito impulsionou a prossecução das obras. Para permitir a continuidade dos trabalhos, ao fim de seis meses o rei mudou-se para o Palácio das Necessidades e nunca chegou a voltar. Os confrontos entre liberais e absolutistas mergulharam o país numa frágil estabilidade e, em 1833, a construção paralisou por completo, para não mais ser retomada nos moldes projectados. Após a vitória liberal, D. Pedro assumiu o Governo como regente, na menoridade da filha, D. Maria da Glória, e jurou a Carta Constitucional na Sala do Trono do Paço da Ajuda, em 1834. Ao longo do reinado de D. Maria II (1819-1853) e do curto reinado de D. Pedro V (1837-1861), que fixaram residência nas Necessidades, o Paço da Ajuda assumiu um plano secundário.
Foi com a subida ao trono de D. Luís I (1838-1889), que uma nova etapa se iniciou, adquirindo finalmente a verdadeira dimensão de paço real ao ser escolhido para residência oficial da corte. A partir de 1861 foram feitas obras indispensáveis na estrutura do “Palácio Real da Ajuda” para acolher o novo monarca.
As verdadeiras alterações na decoração dos interiores começaram em 1862, ano do casamento do rei com a princesa de Sabóia, D. Maria Pia (1847-1911). Foi então iniciado um longo trabalho de reformulação que se estendeu a diversos níveis: das paredes aos tectos - forrados, estucados ou pintados de novo -, ao revestimento dos soalhos com parquets e alcatifas, à escolha do mobiliário para as salas. Tudo encomendado a casas especializadas, portuguesas ou estrangeiras, fornecedoras da Casa Real. Os presentes de casamento e bens trazidos de Itália pela rainha ajudaram á decoração dos apartamentos remodelados.
Sala do Trono
Sala dos Embaixadores
Aposentos do Rei D. Luíz I
Aposentos da Rainha D. Maria Pia
A nova disposição e decoração das salas, entregues ao arquitecto Joaquim Possidónio Narciso da Silva, acompanhou os então recentes padrões de conforto, privacidade e higiene, característicos da mentalidade burguesa do século XIX. Os espaços queriam-se agora mais íntimos e resguardados. Introduziram-se novas dependências no piso térreo: a Sala de Jantar, para as refeições diárias da família, uma sala de estar - a Sala Azul - e zonas de lazer, de que são exemplo a Sala de Mármore e a de Bilhar; por fim, as casas de banho dotadas de água corrente, quente e fria. O andar nobre fora reservado para as recepções de gala e o piso térreo, a partir da Sala de Música e ao longo da fachada poente, destinado aos aposentos privados. O Palácio foi-se tornando palco das reuniões do conselho de Estado, dos dias de grande gala - os banquetes e as recepções oficiais - e do quotidiano familiar: aqui nasceram os príncipes D. Carlos (1863-1908) e D. Afonso (1865-1920).
Sala dos Grandes Jantares
Sala de Música Sala Azul
Sala Verde Sala das Senhoras do Corpo Diplomático
Em 10 de Junho de 1880 instalar-se-ia no “Palácio Real da Ajuda” a “Biblioteca Real da Ajuda”. É uma das mais antigas Bibliotecas de Portugal caracterizando-se, pela natureza e riqueza dos seus fundos, como uma biblioteca Patrimonial que tem por objecto a conservação, estudo e divulgação do seu acervo documental.
Das cinco salas de que se compõe a zona mais antiga da Biblioteca, são abertas ao público as três primeiras, que se distinguem especialmente pelas suas dimensões, altura das estantes e galerias, pelo seu mobiliário, além dos tectos decorados a fresco com a técnica “trompe-l'oeil”, por José Pereira Júnior. Aí se encontra exposta, em diferentes vitrinas, uma selecção documental de valiosas espécies manuscritas e impressas, como pequeno exemplo do acervo da Biblioteca. Inclui-se também um conjunto de peças e artefactos (séc. XVIII / XIX) da antiga oficina de encadernação da “Biblioteca Real da Ajuda”.
Sala de Leitura da Biblioteca da Ajuda, em 1936
A origem da “Biblioteca da Ajuda” remonta ao século XV, como “Biblioteca Real”, sua antiga designação. Instalada desde o século XVI (?) no torreão poente do “Paço da Ribeira”, foi substancialmente enriquecida por D. João V, vindo a perder a maior parte do seu riquíssimo espólio no terramoto de 1755, após o que se procedeu à sua reinstalação em casas anexas ao Paço de madeira (Real Barraca), na Ajuda.
Após a morte de D. Luís I, em 1889, a vida agitada do “Palácio Real da Ajuda” alterou-se profundamente. No novo reinado, a Corte dividira-se entre três Paços: a Ajuda, onde D. Maria Pia permaneceu com D. Afonso; Belém - onde nasceram os príncipes D. Luís Filipe (1887-1908) e D. Manuel (1889-1932) - e as Necessidades, residências alternativas de D. Carlos I e D. Amélia (1865-1951). O andar nobre da Ajuda manteve-se reservado para a realização de cerimónias oficiais.
Nos primeiros anos da República, e consequente exílio da família real o Palácio é encerrado, mas a preocupação da República com o património ali guardado foi grande e todos os bens dos paços reais foram cuidadosamente inventariados. Numa segunda fase grande parte dos Paços Reais foi quase totalmente esvaziada e os seus recheios armazenados no Palácio da Ajuda. Como casa-mãe das colecções reais o Palácio reabre em 1938 como museu. Em 1954 é inaugurada a Casa Forte onde é exposta a colecção das jóias e pratas da Coroa.
Sala das Tapeçarias Espanholas
Capela
Sala de Saxe Antecâmara
Como o Palácio continuava inacabado, nos anos 1940 Raul Lino é por duas vezes encarregado de projectar o remate do edifício. Nenhum destes projectos foi realizado.
Depois de um período de visitas com acesso restrito, de 1940 até 1968, realizadas apenas a quem obitvesse um “cartão de autorização para visita ao “Palácio Nacional da Ajuda”, emitido pela “Direcção Geral da Fazenda Pública”, abriu ao público em 20 de Agosto de 1968, deixando entrever ambientes e colecções de uma Casa Real de finais do século XIX. Desde 1996, tem vindo a proceder-se à reconstituição, tão aproximada quanto possível, desta residência real, e várias salas foram restauradas com base em rigorosa investigação histórica.
“Palácio de Belém” com o “Palácio Nacional da Ajuda” ao fundo em 1947
Bairro da Ajuda nos anos 50 do século XX
Na foto seguinte uma perspectiva da fachada oriental da casa onde, situada no Largo da Torre, junto ao “Palácio Nacional da Ajuda”, onde Alexandre Herculano viveu grande parte da sua vida. No lado esquerdo, encontra-se a lápide descerrada em 1977, ano em que foram efectuadas várias cerimónias comemorativas do centenário da morte do escritor e historiador.
Em na noite de 23 para 24 de Setembro de 1974, um grande incêndio destrói a “Galeria de Pintura de D. Luís I” e parte da ala norte. Segundo relatos da imprensa, neste incêndio teriam sido destruídas grande parte das obras de arte ali existentes, num número aproximado de 500 quadros. Um desses quadros, com autoria atribuída a Rembrandt (auto-retrato), terá sido negociado em Paris, no Palácio Galiera, em fins de Novembro de 1974, e um outro, da autoria de um famoso pintor italiano do século XIX, representando militares a cavalo, terá sido negociado pela casa “Christie's”, de Londres, nos princípios de 1975.
Jardim de Inverno
Sala Chinesa
Em 1987 o Arq.º Gonçalo Byrne é convidado a desenhar a ala poente, que continua por rematar.
O Museu do Palácio contem um verdadeiro e único espólio de artes decorativas com colecções que vão do século XV ao século XX e apresenta em dois pisos distintos os apartamentos privados e as salas nobres para os dias de gala. Hoje, tal como durante a monarquia, é utilizado pelo Estado português para cerimónias oficiais.
Em 2007, o Palácio, juntamente com os outros palácios nacionais passou a integrar o conjunto de imóveis tutelados pelo Instituto dos Museus e da Conservação. Além de constituir uma das mais importantes instituições museológicas de artes decorativas do país, o “Palácio Nacional da Ajuda” é, ainda hoje, cenário das cerimónias protocolares de representação de Estado.
Bibliografia: site oficial do Palácio Nacional da Ajuda
Fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais)
5 comentários:
Excelente! Como sempre, claro!!
Parabéns e obrigada.
D. Graça Sampaio
Grato pelo seu amável comentário. Como sempre !
Os meus cumprimentos
José Leite
Fenomenal. Muito obrigada por partilhar esta informacao. Tenho uma paixao enorme pelo palacio da ajuda.
Artigo muito interessante e bem composto.
No entanto, tenho de fazer um reparo, as fotografias legendadas como sendo de um "corredor" não pertencem a nenhum espaço do Palácio da Ajuda, mas sim à sala de banquetes do Palácio das Necessidades.
Caro João Salida
Grato pela sua correcção.
Fui levado ao erro por má identificação na fonte (FCG).
Já as retirei.
Cumprimentos
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