Restos de Colecção: Teatro Micaelense

1 de dezembro de 2013

Teatro Micaelense

O primeiro “Teatro Micaelense”, esteve situado no local da antiga Ermida de Santa Clara, ampliada depois para Igreja de Santa Clara e depois de S. José. Posteriormente a “Sociedade das Letras e Artes”  fundada por António Feliciano de Castilho em 1848, cedeu as ruínas à “Sociedade Teatral Micaelense”, para nelas edificar o antigo Teatro, cujas obras principiaram a 15 de Junho de 1861, dando-se já um concerto na parte construída dele em 5 de Novembro de 1864, e sendo a inauguração oficial e definitiva em 25 de Março de 1865.

Primeiro “Teatro Micaelense” (1864-1930)

O edifício, de cariz neoclássico, de proporções modestas, mas de requintado bom gosto e conforto, com salões, café, etc. O “Álbum Michaelense” , a propósito escrevia:

«Este é espaçoso bastante, apresentando todas as comodidades precisas. Tem logares para mais de trezentas pessoas nas plateas , deseseis frisas, desesete camarotes de primeira ordem, desenove de segunda uma boa galeria. Os camarotes são espaçosos, podendo acomodar à vontade seis a oito pessoas cada um. É iluminado por petróleo com um bonito lustre. Contém bons salões, espaçosos corredores, quarto de toilette, sala de pintura e um bom café. O panno de boca e o de salão são de primorosa execução bem como outras muitas vistas, todas efectuadas por dois hábeis pintores vindos de Lisboa, sendo um portuguez e outro italiano».

A sala de espectáculos era circular e dispunha de 16 frisas, 38 camarotes, 12 torrinhas, 42 lugares de superior, 216 lugares de geral e 102 lugares na galeria. O palco separava-se da plateia pelo fosso de orquestra com capacidade para 30 músicos. Dispunha ainda de 19 camarins, mais um coletivo, salas para ensaio de coros, guarda-roupa, oficinas técnicas e de arrecadação e um café independente, com entrada pelos corredores e pelo exterior.

Interior do primeiro “Teatro Micaelense”

A exibição cinematográfica nos Açores, mais concretamente na ilha de São Miguel, conheceu os seus primeiros passos, na primeira década do Séc. XX, através do pioneirismo da já extinta empresa "Santos & Companhia", que em 1908 promoveu sessões, neste antigo “Teatro Micaelense” constituídas pelas imagens em movimento dos funerais do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe e vistas panorâmicas de cidades europeias e dos Estados Unidos da América.

Estas sessões adquiriram, rapidamente, enorme entusiasmo e adesão por parte da sociedade micaelense, facto que é assim relatado, e de uma forma pitoresca, pelo “Diário dos Açores” em 1909:

«No proximo domingo realisa-se um espectaculo cinematographico no theatro d'esta cidade pela empreza Santos & C.ª, cuja vontade em bem servir o publico continua a ser manifesta. (...)
A acertada escolha dos assumptos a expor, já em arte, phantasia, panoramas e factos sensacionaes da actualidade, que a empreza Santos & C.ª tem feito nos seus pedidos ás melhores casas nacionaes e estrangeiras, fornecedoras de fitas de cinematographo, está a comprovar-se pelo bom acolhimento que n'esta epoca o publico tem feito aos seus espectaculos.
Nota-se, de facto, uma evidente tendencia da nossa população para assistir a este passatempo instructivo, muitas vezes alegre, essencialmente educador e economico. E no nosso meio, onde a falta de divertimentos populares e baratos é absoluta, a tentativa d'esta empreza, veiu preencher d'algum modo essa lacuna.
Alem d'isto esta forma de diversão está muito a caracter com o nosso modo de ser, que evidentemente se desvia do espalhafato e da bulha. Somos um povo ordeiro e pacato, e por isso buscamos qualquer coisa que nos distraia sem desordem.
Que melhor pois podiamos achar para satisfazer o nosso feitio organico do que estes espectaculos? Nada, a não ser este admiravel evento de Edison.
Depois uma população trabalhadora que moireja uma semana inteira, chega ao domingo ansiosa por qualquer coisa que a distraia, mas sem muito incommodo. É o caso:
Não há etiquetas, e d'ahi o bem estar pela completa despreocupação de nós mesmos. Chega-se ali á bilheteira, compra-se um logar com pouco dinheiro, á hora marcada lá estamos mais ou menos comodamente sentados a ver passar ante os nossos olhos variadissimas scenas, que saltam do jocoso ao tetrico, do futil ao scientifico, do interessante a banal, da phantasia ao real. E por isso mesmo, porque o nosso espirito varia constantemente, é que estes espectaculos de cinematographo nos prendem.
O publico d'esta cidade já esta affeito a elles e cada vez mais os frequenta como vêmos pela esplendida concorrencia que ultimamente teem tido. Decerto que muito para isto tem concorrido a empreza, que se não poupa a esforços, e que é digna da sua affluencia.»

Este primeiro “Teatro Micaelense” viria a ser destruído por um incêndio em 9 de Fevereiro de 1930, aquando de uma exibição cinematográfica.

Ruínas do “Teatro Micaelense” após o incêndio

Na foto seguinte, tudo o que resta da antiga Ermida de Santa Clara do séc. XV, das Igrejas de Santa Clara e S. José do séc. XVI e XVIII e do Teatro. Um simples jardim. Ao fundo “resiste” a casa setecentista dos Sousa Medeiros e Canto (Laranjeiras)

O novo, e actual, “Teatro Micaelense” foi Inaugurado em 31 de Março de 1951. Foi projetado pelo arquiteto Raul Rodrigues de Lima, - autor do Cinearte e Cinema-Teatro Monumental”, ambos em Lisboa - um especialista em salas de cinema e de teatro.

Arq. Raúl Rodrigues Lima (1909-1980)

 

 

Assim, por iniciativa de Francisco Luís Tavares, director-delegado da “Companhia de Navegação Carregadores Açorianos”, e com o apoio da sociedade micaelense da altura, surgia então, em Ponta Delgada, um teatro de grande dimensão, num espaço urbano expressamente rasgado para o albergar.

Novo “Teatro Micaelense” inaugurado em 31 de Março de 1931

Festa de inauguração

A sala era composta por plateia, 1º e 2º balcão, camarotes e camarotes "avant-scène", num total de 1.260 lugares. Uma característica: os espectadores do 2º balcão tinham um acesso totalmente independente pelo exterior, efectuado pela torre de sinalização.

A capacidade da sala de espetáculos e a amplitude e qualidade dos acabamentos do Salão Nobre impressionavam o público e visitantes. De entre estes visitantes, de destacar o actor John Wayne, que, em 23 de Junho de 1963, ali foi recebido por Santos Figueira, gerente do “Teatro Micaelense”, funções que exerceu desde a abertura e até ao final do século XX.

Santos Figueira e o actor John Wayne

 

                                    

Os espaços mais “nobres" foram revestidos com materiais de 1ª qualidade com mármores, azulejos decorativos e pintura decorativa, enriquecidos por elementos decorativos naturalistas na pormenorização das guardas, balaustradas e grades, e por grandes lustres e tectos trabalhados.

No interior da sala, a decoração foi mais contida: por razões acústicas, as paredes laterais eram lisas e revestidas por lambris de cortiça comprimida, existindo apenas alguma decoração no desenho dos camarotes e configuração do tecto, composto por caixotões que integravam o sistema de iluminação indirecta.

Salão Nobre

 

                                  

 

 

Durante cerca de quatro décadas, o “Teatro Micaelense” serviu a ilha de São Miguel com uma programação regular, tendo-se constituído como uma das mais importantes estruturas da vida cultural e social dos micaelenses. A partir de meados da década de 80, a quebra de receitas que afetou os cineteatros um pouco por todo o mundo, a par com a degradação do edifício, conduziram à inatividade e posterior encerramento.

Elenco da “Empresa Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro” na escadaria do Teatro Micaelense em Junho de 1952


Alguns actores identificados: 2. Amélia Rey Colaço, 3. Mariana Rey Colaço, 11. Raúl de Carvalho, 16. Paiva Raposo, 17. Robles Monteiro, 19. Augusto Figueiredo, 22. Pedro Lemos e 23. Gabriel Pais.

Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro actuando no palco do Teatro Micaelense em Junho de 1852

Sob a direcção da nova sociedade gestora, a "Cinaçor, Sociedade de Teatro e Cinema, S.A.R.L." criada em 1964, foram iniciadas obras de recuperação e modernização do “Teatro Micaelense”. Assim, a pintura da sala de espetáculos foi renovada em 1967, tendo-se procedido a melhorias no equipamento, tendo sido adquirido um moderno conjunto de projectores e respetivo comando de resistências elétrica e uma aparelhagem de amplificação de som. No ano seguinte, seriam feitas pinturas do palco, camarins e corredores de acesso e o arranjo dos respetivos pisos, como também a instalação de um novo ecrã e equipamento de projeção. Graças à exibição diária de filmes, o teatro ganhava audiências e atraía públicos diversificados, fazendo com que  fosse considerado como a sala de visitas da cidade.

A década de 80 e 90 do século XX, foi complicada para este espaço com a queda vertiginosa das receitas de bilheteira. Por consequência, verifica-se a acelerada degradação das instalações e a inadequação a novas exigências técnicas, fazendo temer a sua demolição tal como acontecera com o Cinema-Teatro Monumental”, em 1984. Em 2001, a "Cinaçor, Sociedade de Teatro e Cinema, S.A.R.L." foi dissolvida e deu origem a duas novas empresas: a “CM -Sociedade de Investimento Imobiliário, S.A.” e a “Teatro Micaelense S.A.”.

Reabilitado pelo Governo Regional dos Açores, e sob projeto do arquiteto Manuel Salgado, o “Teatro Micaelense - Centro Cultural e de Congressos, SA”, abreviadamente designado por “Teatro Micaelense”  reabriu ao público em 5 de Setembro de 2004.

“Teatro Micaelense” actualmente

Foram criadas novas áreas e aproveitando outras que não tinham sido concluídas, de modo a que este espaço pudesse oferecer ao público espectáculos, exposições, congressos, seminários e conferências.  Foi redesenhada a boca de cena, o fosso da orquestra foi ampliado e foi modernizada a teia de palco, alargando as possibilidades de exibição de espectáculos de dança, teatro, etc. garantindo qualidade na audição dos mesmos. Igualmente foi dimunuída a capacidade da sala de espectáculos para 800 lugares para optimizar o espaço.

Na antiga sala de espectáculos foi suprimido o segundo balcão, para aí se instalarem as régies e cabines de tradução simultânea. Todo o sistema de instalações técnicas foi refeito, de modo a garantir as condições de conforto e segurança dos utilizadores e para assegurar a instalação de um equipamento de cena provido dos requisitos técnicos necessários às atuais exigências.

Interior do actual “Teatro Micaelense”

 

 

 

 

Modernamente equipado e com áreas que permitem responder às mais diversas necessidades, o Teatro Micaelense acolhe com sucesso congressos nacionais e internacionais de pequena e média dimensão e os mais diversos tipos de eventos profissionais, culturais e sociais.

 

O “Teatro Micaelense - Centro Cultural e de Congressos, SA”,  é uma entidade pública empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que está sujeita aos poderes de tutela da Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura do XI Governo Regional dos Açores.

O “Teatro Micaelense” tem por missão principal assegurar a prestação de um serviço público no domínio da promoção cultural, através da apresentação, produção e coprodução de atividades nas mais diversas vertentes artísticas: do teatro à dança, da música erudita ao jazz, do cinema às artes plásticas e à fotografia. É um palco aberto à comunidade e pretende ser um pólo dinamizador no âmbito da criação artística, proporcionando aos criadores locais um espaço de divulgação do seu trabalho.

fotos in: Citizen Grave, Delcampe.net, Galeria Filipe Franco in Flickr, Opsis, Cinemas do Paraíso, Teatro Micaelense

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