A "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, S.A.R.L." - CPFE, com sede no Largo de S. Carlos, 4, em Lisboa e unidade industrial localizada em Canas de Senhorim, freguesia do concelho de Nelas, distrito de Viseu, foi constituída por escritura pública lavrada em 17 de Dezembro de 1917. Tudo começou com a concessão para a produção de carboneto de cálcio - matéria-prima usada para a iluminação e diversas aplicações - a António Rodrigues Nogueira, em 1917, que tinha fundado em Junho de 1906 a "EHERSE - Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela", com António Marques da Silva, Guilherme Pessoa e Brás Frade, e que, desde 1908, utilizavam as águas do Rio Alva para produzir energia eléctrica. Estavam assim lançadas as condições necessárias para que estes quatro pioneiros avançassem para construção da primeira indústria eletroquímica em Portugal, a "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos" (CPFE), com unidade fabril em Canas de Senhorim.
Sede da CPFE no 2º andar esq. (por cima da "Agência Colonial, Lda.") no Largo de S. Carlos
Instalações fabris em Canas de Senhorim De referir que, em 13 de Janeiro de 1908, o industrial António Rodrigues Nogueira tinha requerido a utilização da energia motriz das águas represadas na Lagoa Comprida, na Serra da Estrela. O seu requerimento seria deferido por decreto de 20 de Abril de 1912, diploma que concedia «provisoriamente a António Rodrigues Nogueira licença para represamento e utilização das águas pluviais e fluviais que convergem à lagoa Comprida, na serra da Estrela (...)», mediante determinadas condições. Entre estas destacamos a quarta, que fixava «em 120 réis o kilowatt-hora para iluminação e 40 réis para igual unidade nas outras espécies de energia», e a sétima, segundo a qual, «à medida do desenvolvimento das obras, o concessionário poderá utilizar a energia das águas que, sucessivamente, for represando». citações no "Diario do Governo" de 26 de Abril de 1912.
"Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela" em foto de 1909 e anúncio de 1968
A "EHESE - Empresa Hidroelectrica da Serra da Estrela" constituída em Junho de 1906 foi juntamente com a sociedade "Mines de Borralha" - com sede em Paris e concessionária, das minas de volfrâmio entre 1902 e 1986 - e alguns indivíduos de forma particular - António Francisco Ribeiro Ferreira, Cândido Sotto Mayor Júnior, André Blandel, Georges Gromier, António Rodrigues Nogueira, Paul Merijon e Aimery de Rochechouart -, fundadora da "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, S.A.R.L." com um capital social de 300.000$00, e tendo por objecto a aplicação dos fornos eléctricos no fabrico de carbureto de cálcio, e na preparação de aços especiais. Esta nova empresa iria construir um complexo fabril em Canas de Senhorim, junto à linha de caminho-de-ferro da Beira Alta, no cruzamento para as Caldas da Felgueira.
Referência ao "Estabelecimento Thermal" em 1 de Julho de 1902
A linha "Caminhos de Ferro da Beira Alta" foi fundamental para a população do Concelho de Nelas e para o processo de industrialização. O comboio servia a população, nomeadamente, as povoações de Nelas e Canas de Senhorim, com as suas estações. Existiam, contudo, alguns apeadeiros, com especial destaque para o apeadeiro da Urgeiriça. As actividades da mina estiveram na sua origem, pois foi uma forma de servir o complexo mineiro, ao mesmo tempo que se destinava ao turismo da Urgeiriça e às populações vizinhas.
1928
"Hotel Urgeiriça" ("English Hotel Urgeiriça" fundado pelo inglês Charle Harbord) em Canas de Sehorim Outras pequenas indústrias contribuíram para enriquecer o concelho. Em Canas de Senhorim, a "CUF -Companhia União Fabril" viria a instalar uma fábrica, do ramo alimentar, para produção de óleos vegetais.
Instalações da CUF em Canas de Senhorim
Em finais de 1923, e no arranque da atividade, «O carboneto de cálcio foi o produto que atribuiu especificidade à CPFE e que, a nível nacional, a identificou». Com modestas construções iniciais, a fabricação era feita em três fornos elétricos, e com alguns serviços de apoio, como uma oficina de serralharia, que foram até 1939, o núcleo fabril. Como a empresa dependia da energia hídrica, a atividade laboral e o recrutamento do pessoal estavam condicionados pela época das chuvas, pelo que as campanhas decorriam entre Outubro e Novembro e Maio e Junho.
Na década de 40 do século XX, registaram-se exportações da CPFE para a Argentina e Inglaterra. A conjuntura criada pela Segunda Guerra Mundial levou a um aumento do consumo de carboneto. Este produto químico inorgânico que, em presença de água, liberta acetileno, era usado como combustível para a iluminação de povoações e das minas e, devido às dificuldades na importação de combustíveis, era usado para suprimir a falta de petróleo, gasóleo e gasolina. Face ao aumento de consumo, os lucros revelaram-se positivos, o que serviu de incentivo para a possibilidade de construção de novos fornos para o fabrico de carboneto de cálcio e «qualquer outro produto de reconhecido interesse para a economia nacional».
1940
Do "Jornal Online do Concelho de Nelas - Estórias", da história da Canas de Senhorim - CPFE - autor: ®efeneto retirei as seguintes passagens, elucidativas acerca das instalações, equipamentos, etc. ao longo dos tempos:
«A partir de modestas construções iniciais, a CPFE constituiria um vasto conjunto fabril, formado por terrenos, instalações fabris e equipamentos, ocupando cerca de 200 000 m2 de área, da qual mais de 20 000 m2 de superfície coberta. Indústria transformadora por excelência, a CPFE muniu-se, contudo, de infra-estruturas de tipo extractivo noutros locais para se auto-abastecer das matérias-primas essenciais às suas indústrias. Daí os equipamentos instalados na região de Tapeus (concelho de Soure, distrito de Coimbra), no Monte de Santa Luzia, em Pascoal, já referido, e nas pedreiras do Senhor da Ascensão, em Ferreira de Aves (concelho de Sátão, distrito de Viseu). A fábrica ficou «instalada e prompta a funcionar» em Outubro de 1922. Os três fornos elétricos, de 1350 kVA cada um, e o equipamento acessório, nomeadamente a oficina de serralharia, constituíram até 1939 o núcleo fabril. Neste ano foi instalado o 4.° forno e o 5.° em 1943. A partir de então, e após a realização de estudos para aplicação dos fornos elétricos a outras indústrias, além do carboneto de cálcio, as instalações fabris foram aumentadas sucessivamente. Implantados 96 fornos elétricos de 250 kVA para o fabrico de cianamida cálcica entre 1951 e 1957, foram instalados até 1963 mais 8 fornos de maior potência, que provocaram uma profunda reestruturação dos serviços fabris.
Fevereiro de 1951
Junho de 1957
Maio de 1958
Julho de 1960
Nestas circunstâncias, o carboneto de cálcio passou a ser produzido pelos fornos 1, 2 e 3, e pelos fornos 7, 8 e 9 (potência unitária de 3500 kVA). Os fornos 4, 5 e 6 (com 2200 kVA de potência cada um) produziam ferro-gusa, enquanto os fornos 10, 11 e 12 (qualquer deles com a potência de 3500 kVA) fabricavam ligas de ferro, sobretudo de ferro-silício, ferro-manganês e silício-manganês. O forno 13, com uma potência de 2 500 kVA, nunca foi instalado, porque se destinava ao sector de fundição, atividade industrial que a CPFE não chegou a exercer. O forno 14 (potência de 12 000 kVA) foi instalado para produzir, exclusivamente, ferro-silício e o forno 15, na década de 70, para a produção de silício-metal. Todo este conjunto de fornos foi acompanhado pela construção e ampliação de diversas infra-estruturas, como armazéns, silos, poços de água, oficinas de serralharia e de eletricidade, laboratório de análises químicas, subestação de transformação de energia elétrica, ramal privativo da linha férrea e outros investimentos de menor relevo . As primeiras passadeiras rolantes foram instaladas pelos finais da década de 50; um conjunto de moagem e de elevação de matérias-primas para os fornos, do qual também fazia parte uma torre metálica com cerca de 16 metros de altura, data de 1959; básculas, sarilhos, reguladores automáticos, prensas, empilhadoras, mecanização dos parques de calcário e de carvão, são alguns dos equipamentos mecânicos instalados nos anos 60. Uma das particularidades da CPFE ao longo da sua existência foi a de ter diligenciado em se auto-abastecer das matérias-primas necessárias ao funcionamento das suas indústrias. Com efeito, quer explorando pedreiras para obtenção de calcário e quartzo, quer transformando matérias-primas para reutilizar, a CPFE teve sempre como grande objectivo a redução de compras tanto no mercado interno como no mercado externo.»
Nesta unidade fabril, chegaram a trabalhar em simultâneo mais de 800 funcionários, por vezes vários elementos da mesma família. «As obras de índole cultural e social na CPFE não estiveram a par das realizações materiais e, por isso, não acompanharam os sucessivos investimentos nas instalações de fabricação. Apenas nos finais da década de 1930, alguns valores sociais e culturais foram implementados.». A "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, S.A.R.L.", deu início a investimentos em infraestruturas sociais, tais como a assistência médica a todo o pessoal e respectivas mulheres e filhos. De realçar iniciativas ímpares da administração como a criação de Caixa de Previdência privada em 1937, o combate ao analfabetismo, no final desse mesmo ano, promovendo aulas de instrução primária, ou também o interesse pela qualificação profissional dos operários com iniciativas formativas de conteúdos técnicos contribuindo para maiores índices de produtividade.
Entretanto o "Hotel Urgeiriça" (ex-English Hotel Urgeiriça") cresceu e o "novo" ganhou forma
Em 14 de Outubro de 1967 a "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, S.A.R.L." aumentava o seu capital social de 80.000.000$00 para 100.000.000$00 com a emissão de 200.000 de acções de valor nominal de 100$00. A emissão de parte das novas acções, afectas à subscrição pública foi tomada firme pelos "Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa" (1920-2014), "Banco Lisboa & Açores" (1875-1969) e "Banco Pinto & Sotto Mayor" (1925-2000).
Publicação do aumento de capital no Diario do Governo, de Novembro de 1967
Em 20 de Agosto de 1979 a "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, S.A.R.L." aumentava, de novo, o seu capital social de 100.000.000$00 para 300.000.000$00 com a emissão, ao par, de 2.000.000 de acções de valor nominal de 100$00.
Nos anos setenta do século XX, a CPFE fabricava carboneto de cálcio, cal, cianamida cálcica, ferro-gusa, silício-cálcio, ferro silício e silício metal e, pontualmente, silício cálcio manganésio e nitrato de silício. A fabricação destes produtos dependia, predominantemente, do mercado externo, cuja exportação passou de 43% para 87% e, por consequência, com as vendas a aumentarem dos oitocentos mil contos para os quatro milhões de contos em 1985.
"Foto de família"
Almoço no "Restaurante Castanheira" na Estrada da Torre no Lumiar, em Lisboa
Nos últimos tempos, os financiamentos contraídos pela CPFE para a construção do forno silício metal, a subida das taxas de juro a curto prazo e a dívida aos fornecedores, originaram um processo de deterioração financeira da empresa. A CPFE entrou em declínio e, apesar de todos os esforços mobilizados para contornar tal situação, e «a intransigência do poder político em criar uma tarifa especial para esta atividade industrial levou ao fim da eletro-metalurgia em Portugal»
A "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos" viria, a encerrar, definitivamente as suas instalações fabris, no dia 4 de Novembro de 1986, após o corte do fornecimento de energia elétrica pela EDP.
Bibliografia:
- Projecto Final de Mestrado em Arte, Design e Multimédia: "(es)passos de memória: projecto artístico" - Instituto Politécnico de Viseu (2014)
- "Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos: subsídios para a sua história - 1917-1967 " autor: Duarte Sampaio Loio (1996)