Farol - «Estrutura elevada e bem visível no topo da qual se coloca uma luz que serve de ajuda à navegação. Um farol consta essencialmente do edifício, da origem luminosa e do aparelho óptico. São colocados nas costas, ilhas, baixios, etc.,e algumas vezes montados em barcos especiais surtos, de modo a constituírem uma marca bem visível no mar. Caracterizam um farol a cor, carácter, o período e fases, intensidade luminosa e o seu alcance. De dia, a forma e cor do edifício do farol servem de reconhecimento, e de noite, as características da luz. Serve de orientação ao navegantes, de noite pela luz, e de dia, pelo corpo do edifício» in: Dicionário Ilustrado da Marinha, do comandante António Marques Esparteiro
Para a publicação de uma série de cinco posts acerca da história do Farol em Portugal (na qual incluí uma selecção de faróis de Portugal Continental e alguns da Ilhas da Madeira e Açores), e que publicarei com periodicidade semanal, recorri, também, às infografias de grande qualidade, de Carlos Esteves e Jaime Figueiredo que foram disponibilizadas pelo site “Expresso Online”. Este trabalho poderá ser admirado, na sua plenitude, clicando no link que indico no final deste post e dos seguintes.
Funcionamento de um farol
Lentes Fresnel
Já na antiguidade clássica as embocaduras dos portos, os locais perigosos e os pontos que poderiam servir de referência à navegação eram referenciados à noite por fogos acesos em pontos altos ou em torres construídas para esse fim. Exemplo disso foi o Farol de Alexandria, construído na ilha de Pharos (uma ilha, hoje uma península, situada na baía da cidade egípcia de Alexandria e ligada por mar ao porto desta) para servir como um marco de entrada para o porto e posteriormente, como um farol.
Farol de Alexandria
A primeira revolução neste sistema de alerta e sinalização dá-se no século XVIII, com o uso de luzes múltiplas alimentadas a azeite e de reflectores parabólicos para intensificar o feixe de luz. Um mecanismo de relojoaria associado, permitia ir rodando regularmente a luz.
Nos finais do século XIX, passou-se ao uso da incandescência a vapor de petróleo e por sistemas ópticos mais sofisticados, como os desenhados pelo físico francês Augustin Fresnel. Aos poucos a energia eléctrica foi-se afirmando como fonte de energia aos faróis.
Barco-Farol “Welwick” atracado no porto de Cardiff no País de Gales
«Passando o Promontório Bárbaro (cabo Espichel) para o litoral Tejo, vemos, ao poente, avançando para o oceano, o Promontório da Lua (cabo da Roca)onde começava o domínio dos antigos Túrdulos (…)
Mais para dentro, a pequena distância, no extremo da abertura do estuário de Lisboa, assenta sobre cachopos uma ermida, dedicada a Nossa Senhora, chamada da Guia.à noite, acendem aliu ns fachos para indicarem o trajecto aos mareantes, não seja caso que estes, por não lobrigarem a passagem, arremessem, contra vontade, as naus para os baixios e rochedos»
Damião de Gois, “Lisboa Quinhentista” (1554)
As primeiras referências ao uso de fogueiras mantidas em pontos conspícuos ou em torres pelas comunidades piscatórias para referência dos navegantes e, mais tarde, pelas irmandades religiosas, remontam ao início do século XVI. A mais antiga referência histórica a faróis portugueses data de cerca de 1515 e fala de um farol instalado no convento do Cabo de São Vicente, antecessor do que lá existe actualmente.
A primeira estrutura classificável como farol, terá sido mandado erigir em 1528 na foz do Rio Douro pelo Bispo D. Miguel da Silva, em S. Miguel o Anjo, junto ao local onde, até ao ano de 2008, se encontrou em funcionamento o farolim da Cantareira. Existem também referências a um farol mandado erguer pelo Bispo do Algarve, D. Fernando Coutinho, no convento de S. Vicente, entre 1515 e 1520, e que em 1537, os frades da Irmandade de Nossa Senhora da Guia de Cascais terão construído uma torre para servir de farol.
Até ao reinado de D.José I a sinalização marítima era quase inexistente e a que havia estava a cargo de particulares, que acendiam fogos nos pontos mais altos ou visíveis servindo de aviso e orientação, ou então, com intuito de assaltarem os mais incautos, faziam-nos esmagar contra as falésias ou baixíos. Contudo, só em 1 de Fevereiro de 1758 por alvará do Marquês de Pombal, passou o serviço de farolagem a ser uma organização oficial, cometida à Junta do Comércio, na sequência do qual foi ordenada a construção de faróis, dos quais o primeiro foi o de Nossa Senhora da Luz em 1761 .
«Eu El-Rei faço saber aos que este alvará com força de Lei virem que o grande perigo que correm os navios que buscam a barra de Lisboa e de Setúbal, portos do Algarve e barras da cidade do Porto e vila de Viana (…) servir os navegantes de marca e guia para se desviarem oportunamente de fazerem naufrágio da mesma forma que se pratica útil e necessáriamente nos outros lugares marítimos da Europa».
O primeiro farol na costa portuguesa a entrar em funcionamento foi o farol de Nossa Senhora da Luz, a norte da barra do Douro, no Monte da Luz e construído em 1761. Foi desactivado em 1945.
foto in: Navios à Vista
Farol de Nossa Senhora da Luz, no séc. XIX Farol e estação Semaphorica e Telegraphica no Monte da Luz
fotos in: Do Porto e Não Só
Posteriormente a este entram em funcionamento, até 1790, os faróis da Guia (1761) do cabo da Roca (1772), de São Julião da Barra (1775), do Bugio (1775), do Outão (1775) e do Cabo Espichel (1790).
Farol da Guia (1761)
Por sua posição privilegiada em Cascais, entrada do porto de Lisboa, a região sempre foi importante para navegação. Por isso, desde 1523, que este ponto da costa portuguesa foi iluminado pela, então, ermida de Nossa Senhora da Guia, construída em terras doadas por Dom Luiz de Castro, senhor de Cascais e, onde em 1537, a irmandade local ergueu uma torre onde se acendia um conjunto de quatro ou cinco luzes de azeite que se via a grande distância para ajudar os navegantes. Esta luz era mantida pela irmandade, que fornecia o azeite e vidraças da lanterna, mantendo-a acesa durante cerca de oito meses do ano.
Com o terramoto de 1755, a torre foi muito danificada, obrigando a grandes obras de reconstrução e à substituição do equipamento. Entretanto, para iluminar diversos pontos da costa portuguesa ainda às escuras, é organizado pelo Marquês de Pombal e atribuído à junta de Comércio, o Serviço de Faróis no alvará de 1 de Fevereiro de 1758, que manda construir seis faróis na nossa costa, sendo o Farol da Guia um destes faróis.
Farol da Guia no início do século XX … …. e actualmente
«De muito longe avistaram o farol que está na Guia…» Romance popular do século XVII
Farol do Cabo da Roca (1772)
Farol do cabo da Roca em 1930 … … e actualmente
O poeta Luís Vaz de Camões descreveu este cabo na seguinte estrofe XX, do Canto III de “Os Lusíadas”
«Eis aqui, quase cume da cabeça
Da Europa toda, o Reino lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-se de si fora; e lá na ardente
África estar quieto o não consente.»
"Aqui … Onde a terra se acaba e o mar começa …" . Esta frase está lapidada no suporte à cruz situada no cabo.
Selo dos CTT, 2008
«Não é sem uma forte impressão que se sobe a esse mirante extremo da Europa, ali onde 'a terra acaba e o mar começa'.» Raúl Proença in: “Guia de Portugal”.
Farol de São Julião da Barra (1775)
O Farol de São Julião da Barra está instalado na fortaleza, cuja construção foi iniciada em 1553, no então designado Forte de São Gião, nome que se dava a São Julião, venerado numa ermida vizinha. mas … « o nomeado farol caiu com o terramoto ».
Vinte anos mais tarde o marquês de Pombal manda erguer, depois do sismo, o farol de São Julião da Barra. Entrou em funcionamento em 1761, com uma fonte luminosa alimentada a azeite, protegida por uma lanterna em pedra com vãos para passagem da luz. Sofreu uma modernização em 1775 onde foi instalado um aparelho de candeeiros de Argand com reflectores parabólicos, sendo em 1848 e 1865 novamente modernizado, tendo sido nesta última data instalado um aparelho lenticular de Fresnel de 4ª ordem, produzindo luz branca fixa, alimentada a gás destilado de madeira.
A iluminação, em 1885, passou a ser obtida pela incandescência de gás obtido do petróleo. O farol voltou a sofrer novas reparações em 1893 e 1913, sendo-lhe instalado um sinal sonoro de trompa em 1916, mas logo em Março desse ano e até Dezembro de 1918, esteve apagado em virtude da Primeira Guerra Mundial. Por motivo da resolução da Conferência de Balizagem realizada em Lisboa, em 1933, que bania as luzes fixas das balizagens marginando cidades ou povoações importantes, a luz do farol, que era branca fixa, passou a vermelha de ocultações, sendo o mesmo electrificado, por ligação à rede pública de energia e o sinal sonoro substituído por uma sereia electrodinâmica.
Farol de São Julião da Barra, numa litografia de 1860 … …. e actualmente
«Tem esta fortaleza um farol em cima de uma altíssima torre que se levanta no meio da praça, o qual se acendia de noite para guia das embarcações, do 1º de Outubro até aos fins de Março, e em tudo o mais é um dos mais fortes e bem obrado que se pode ver em toda a Europa, como afirmam muitos escritores…». Padre Matias Matos Cardoso in: “Memória” (pároco local)
Farol do Bugio implantado no Forte de São Lourenço do Bugio, ou da Cabeça Seca (1775)
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1693 - Existia já uma torre com estrutura de farol
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1751 - Farol a funcionar a azeite
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1755 - Torre destruída pelo terramoto
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1758 - Ordem do Marquês de Pombal de construção do farol
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1775 - Entrada em funcionamento da torre actual
Farol do Bugio, em 1775 … … e actualmente
Selo dos CTT, 2008
O Rei D. Sebastião já teria sonhado com uma defesa da barra de Lisboa no areal a meio do Tejo. O sonho foi-lhe inspirado por Francisco d’Holanda que em “Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa”, advoga a sua construção: « (…) ou se possível for havendo pedra, ou fundamento seguro, podia-se fazer este baluarte no meio da Cabeça Seca onde rebenta o mar dos Cachopos que responde mais fronteiro a São Gião o qual podendo ser seria cousa fortíssima em que muito ajudaria a barra de Lisboa de todo o perigo».
É também no ano de 1775 que entra em funcionamento o farol do Forte do Outão, inserido na fortaleza de Santiago do Outão ( desde 1900 o ‘Sanatório Marítimo do Outão’ ) na margem direita do rio Sado em Setúbal.
Posição:
Latitude, 38º 29,2’ norte
Longitude: 008º 56’ oeste
Altura da torre: 11 metros
Altitude: 34 m
Alcance luminoso: 12 milhas
Luz: Vermelha - quatro segundos ligada e dois segundos desligada
Farol do Outão (1775)
1890
«Nos varandins do farol levanto os braços: domino a torre e o mar, topeto quase os despenhadeiros do farol velho, e as gaivotas crucitam, saveiros á pesca, Tróia fronteira, o mar sem fim, azul no rio, e lá nos confins do céu crispando brasa …». Fialho de Almeida
Farol do Cabo Espichel (1790)
Há notícias que em 1430 a irmandade de Nossa Senhora do Cabo Espichel tenha instalado um farolim predecessor do actual farol. A torre actual foi inaugurada em 1790, em 1865 era alimentado por azeite, mudando de combustível em 1886, quando a sua luz passou a ser alimentada por incandescência de vapor de petróleo e, muito mais tarde em 1926 por electricidade.
Em 1883 este farol tinha instalado um aparelho iluminante chamado de primeira ordem que emitia luz em grupos de quatro clarões brancos, em vez do antigo sistema de luz fixa. Com este novo sistema passou a ter um alcance luminoso de vinte e oito milhas náuticas (quarenta e cinco quilómetros). A estrutura de apoio ao farol foi aumentada para os lados por volta de 1900.
Em 1947 entrou numa nova era no que diz respeito à iluminação. Foi montado um aparelho óptico aero-marítimo, que já tinha estado ao serviço do farol do Cabo da Roca. Esta nova óptica dióptica - catadióptica chamada de quarta ordem, um modelo de grandes dimensões, apresenta trinta centímetros de distância focal, produzindo lampejos simples, agora com um alcance luminoso de quarenta e duas milhas náuticas (cerca de sessenta e sete quilômetros).
Selo dos CTT, 2008
«O farol lá estava, grande, sólido,bonito mesmo! Ficava no meio de um de um terreiro, que tinha um muro de pedra em volta e um portão de ferro. (…). O faroleiro também era bastante diferente do que tinham imaginado. Era um homem ainda novo, não muito alto, nem muito baixo. Tinha duas rugas fundas junto aos olhos, duas rugas que pareciam dois riscos na pele queimada pelo sol (…). Vestia um fato-macaco de ganga azul e parecia contente de os ver ali.» Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada in: “Uma Aventura na Falésia”
fotos antigas e litografias in: Biblioteca Nacional Digital, Prof 2000
Infografias de Carlos Esteves e Jaime Figueiredo in: Expresso
Citações in: Livro “Faróis de Portugal” de João Francisco Vilhena e Maria Regina Louro” - Gradiva - 1995
Continuação da história dos Faróis Portugueses, na próxima semana no post intitulado “Faróis Portugueses … (2)” na etiqueta “Faróis”