Restos de Colecção: Clubs e Casinos na Foz do Douro

26 de outubro de 2024

Clubs e Casinos na Foz do Douro

Há registo de pelo menos cinco clubs e casinos, na freguesia de S. João da Foz do Douro, Porto, antes do final do século XIX, embora de naturezas muito diferentes: O "Club Rigollot", a "Assembléa do Allen", o "Casino de Cadouços", o "Casino da Foz" e o "Restaurant Casino Internacional".


Praia do Molhe e esplanadas na Foz do Douro

Alberto Pimentel no seu livro "O Porto ha trinta anos" publicado em 1893 lembrava:

«Durante a estaçao balnear nao havia bailes, nem soirées, nem pic-nics, qualquer d'estas manifestações da vida alegre das praias.
As unicas distracçoes que a Foz offerecia n'esse tempo eram uma casa de batota no Passeio Alegre e um bilhar nos baixos do Hotel da BoaVista.
De manha passavam-se duas horas na praia dos banhos, onde os banheiros hasteavam, para delimitar os arruamentos das barracas, bandeiras em que estavam inscriptos os seus nomes: Maria da Luz, Paulino, Leão, etc.
As familias que tinham alugado casa na Foz assistiam ate horas de almoco ao espectaculo que a praia de banhos offerecia todas as manhas, e que constituia o unico divertimento publico.»

Nota: Acerca do "Hotel da Boa-Vista", da Foz consultar neste blog, o seguinte link: "Hotel da Boa-Vista".

"Hotel da Boa-Vista" em c.1900

O club mais antigo e, provavelmente, o mais lendário, chamava-se “Club Rigollot” e tinha nascido de uma tertúlia de intelectuais que, desde os anos de 1840, se reuniam na “Pharmacia Amorim” situada na Esplanada do Castelo. Quanto a este club recordemos uma passagem do livro "Recordando o Velho Porto", do brigadeiro Nunes da Ponte (Porto, 1963):

«No início do séc. XX, na Foz do Douro, um grupo de amigos tinha por hábito juntar-se à porta da Farmácia Amorim, situada na esplanada do Castelo, frente ao Castelo da Foz, todos os dias ao fim da tarde. 
Era proprietário da "Farmácia Amorim" de Francisco José de Amorim, que a dirigia, auxiliado pelo técnico ajudante de apelido Pereira. Destas reuniões nasceu uma agremiação com o nome de Clube Rigollot. De entre as várias personalidades que compunham o grupo, destacou-se o barão de Paçô Vieira, de nome José Joaquim de Sousa de Barros Coelho Vieira, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, presidente do Tribunal da Relação do Porto, fidalgo cavaleiro da Casa real e comendador das ordens de Cristo e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, que terá sido elevado ao "alto" cargo de presidente da direcção do Rigollot por aclamação. Todas as tardes ali se juntava, junto à farmácia, o grupo de associados em vivos e acesos colóquios que por vezes se prolongavam pela noite dentro, nos quais não entrava política partidária mas se discutiam com calor e entusiasmo assuntos de vária ordem. O nome do clube foi adoptado para homenagem à memória de um benemérito de nome João Paulo Rigollot. Por esta sociedade intelectual, que se tornou famosa por toda a cidade, passaram vários vultos da política, das letras, das ciências, antigos ministros, governadores civis, professores, juízes, banqueiros, etc., que no mais ameno convívio, em conversa tolerante e variada, agradavelmente passavam as tardes. Um dos frequentadores do clube e seu associado foi Francisco Ramalho Ortigão, sobrinho do escritor com o mesmo apelido, homem muito activo e empreendedor que, diga-se a título de curiosidade, chegou a montar nos jardins da sua residência, na rua Alto de Vila, uma fábrica de tapetes. Não terá durado muitos anos esta agremiação. Em Dezembro de 1952, o brigadeiro Nunes da Ponte escreveu na revista O Tripeiro, V série, que nenhum dos sócios do clube Rigollot pertencia "ao número dos vivos.»

O segundo club, foi a "Assembléa" ou "Assembléa" do Allen - como se lhe referia Ramalho Ortigão - e situava-se na Rua dos Banhos Quentes, actual Rua Coronel Raul Peres. 

«Foi n'essa Assembléa que nasceu a primeira roleta da Foz. Ha mais de vinte annos, a rolêta era uma innovação recente, que produzia sensação. Alguns pais de familia, que nunca jámais jogaram, iam vêr a rolêta, por simples curiosidade, como se póde ir vêr um monstro, uma féra. Os viciosos tomaram-lhe gosto, e, dentro de pouco tempo, a rolêta popularisou-se, a ponto de começarem a funccionar, além da rolêta aristocratica da Assembléa, varias rolêtas pataqueiras e pelintras.
Os puritanos, os caturras da jogatina repeliram a rolêta, e continuaram a frequentar a batota do high-life no Passeio Alegre; os encanzinados no vicio do jogo, ultra-viciosos, frequentavam a rolêta e a batota. - accumulavam.» in: "Porto há trinta anos" de Alberto Pimentel (1893).


O "High-Life" è esquerda na foto (com arvoredo)

Pelo decreto de 15 de Agosto de 1870, o barão da Trovisqueira consegue autorização para «estabelecer à sua custa, na estrada pública entre o Porto e a povoação da Foz, podendo prolongar-se até Matosinhos, um caminho de ferro para transporte de passageiros e mercadorias, servido por cavalos». A 15 de Maio de 1872 é criada a "Companhia Carril Americano do Porto à Foz", proporcionando transporte cómodo, pois circulava sobre carris, e mais rápido, que ligava o centro da cidade à Foz, pela marginal. Em 1874, é inaugurada a linha americana entre a Praça Carlos Alberto e Cadouços (Foz), pela Boavista. No fim da década, a Câmara  autorizou as duas companhias a adoptarem a tracção a vapor. Com a entrada em funcionamento da ligação por comboio a vapor entre a Boavista e Matosinhos, tudo ficou mais facilitado. A  "máquina" fazia uma paragem prolongada em Cadouços, na Foz do Douro, para abastecimento de água, aí existindo um restaurante de apoio.


Estação ainda de "Americanos" em Cadouços

Mas, mais uma vez, segundo Alberto Pimentel no seu livro "O Porto ha trinta anos" ...

«Durante algum tempo uma companhia lembrou-se de organisar um serviço de navegação fluvial entre o Porto e a Foz. Havia um vaporzinho que fazia carreiras entre a cidade e a Cantareira, mas a empresa nao deu bom resultado, tal era o apêgo ao burro, no Porto d'aquelle tempo, como meio de transporte.
O burro venceu o vapor, não certamente pela velocidade, mas pela força do costume e da tradição.»

Por outro lado Luís António de Oliveira Ramos no seu livro "História do Porto" (2000) escrevia ...

«Os novos transportes aproximavam Leça, Matosinhos e a Foz do Porto…A Foz do Douro torna-se então « um Porto em miniatura», de barco, de charrete, de «americano», desembarcam banhistas durante a época do verão, espalhando-se pelas praias que crescem ao lado da privativa «Praia dos Ingleses», junto à Rua da Senhora da Luz. A Foz concorre então com as praias fluviais do Rio Leça e as praias de mar de Matosinhos, tornando-se a primeira estância de mar da zona do Porto. Tem casino, vários cafés, cinco colégios, vários hotéis… e um clube elitista, que cede dos seus pergaminhos e, durante o Verão, aceita sócios « de estação». Mas do « americano» desembarcava tudo, pessoas de todas as categorias sociais, cestos de pão e fruta, canastras, caixotes, trouxas de roupa branca das lavadeiras… a praia do Caneiro, mesmo encostada à Praia dos Ingleses, torna-se uma praia popular…»

Com a entrada em funcionamento da ligação por comboio a vapor entre a Boavista e Matosinhos, tudo ficou mais facilitado. A "máquina" (alcunha por que era chamada esta composição) fazia uma paragem prolongada em Cadouços, na Foz do Douro, para abastecimento de água, aí existindo um restaurante de apoio, o "Restaurante de Cadouços". Anteriormente à estação da "máquina", durante a época balnear, neste local foi montado um circo e, por um breve período, também uma praça de touros. A "máquina" funcionou entre 1875 e 1914.


A "máquina" a chegar à estação de Cadouços ...


... e a circular no Passeio Alegre

Mas ... «faltava ainda o club familiar», como Ramalho Ortigão reclamava, que as senhoras pudessem frequentar. E o primeiro foi o "Club de Cadouços", inaugurado em 1881 no edifício da estação do comboio a vapor, com orquestra privada e acesso restrito, que incluía o popular "Restaurante de Cadouços", que servia a estação. Aqui durante a tarde convivia-se jogando cartas, bilhar e dominó. Era um lugar de leitura e conversa, onde se realizavam concertos de música de câmara, árias de ópera, teatro, e reuniões dançantes. A partir de 1884 o clube formou uma orquestra amadora composta por sócios. Pagava-se uma jóia de 1$000 reis e 6$000 reis por ano.


12 de Agosto de 1909 

Relativamente ao anúncio anterior, no dia seguinte, 13 de Setembro, o mesmo jornal "A Voz Publica", comentava a soirée da noite anterior:

«Nolte brilhantissima a de hontem no Casino de Cadouços. Destacaram-se toilletes claras, como azas de pombas, rostos gentis e frescos, que mamas carinhosas contemplaram embebecidas!
Algumas cabeças meas-emulduradas por caprichosos cabelos, outras parcialmente ocultas por chapeus signés, que flores artificiaes ajardinaram, eram o enlevo dos janotas, que, de lindas flôres ao peito, aureferlam, sofregos, os sorrisos juvenis que em frescas bocas brincavam.
Namoros, flirts, emfim, o costume, que nós todos temos, quiça amargamente experimentado. Um jardim humano, com algumas deliciosas flôres que o belo matrimonio ainda não desbetou, alegre e vivo, como que agitado pela brisa da juventade, era a impressao que hontem deixava o salao nobre do Casino, a quem de relance o observasse.
Falamos do salão; falemos agora do sextetto.
E' um dos mais notaveis que tem vindo a Foz, n'estes ultimos annos. De toda aquella audição musical resultou um verdadeiro exito, um enthusiasmo na èlite que religiosamente ouviu com attenção os famosos trechos do seleto programa, em que Forssini, Quilez, Jose Bonet, Manuel de Figueiredo, José Pastrana e Manuel de Paiva, se salientaram primorosamente, como toda a gente esperava dos recursos e meritos de qualquer d'esses professores, cuja competência foi sobejamente apreciada pelo público, que no fim de cada seleção aplaudia-os gostosamente, por largo tempo. Os artistas, quer na interpretação dos trechos, quer na execução, corresponderam a todas as exigencias que sempre oferece um publico selecto e avido de optima musica.
Ha finalmenta, na Foz, onde passar noites delielosas, iluminadas pela luz da bela Arte da musica e no meio de uma fina sociedade.
Alnda bem.»


Postal publicitário (frente e verso)



Na revista "Arte e Musica de 30 de Junho de 1910


Cartão de admissão

“Casino da Foz”, foi registado na "Repartição de Propriedade Industrial" pelo negociante José Lopes Carreira Munhós em 15 de Fevereiro de 1906. Estava aberto todo o ano e era «unicamente frequentado pelos seus associados, proporcionando, durante os três meses de época balnear, várias diversões, sendo as mais distintas as suas soirées dançantes e os concertos de amadores. O club recebe nas suas salas a melhor sociedade do Porto e de fora, havendo uma inscrição especial durante o tempo de banhos para se poder frequentar este grémio como assinante de estação». Em espaços contíguos, mas pertencendo à mesma gerência, existia um café e um casino. Em 12 de Julho de 1911 seria totalmente consumido por um incêndio.

Edifício do "Café da Foz" (à esquerda o gradeamento do "Casino da Foz")


Registo do "Casino da Foz" 


9 de Agosto de 1900


Fichas de jogo do "Club da Foz"

Depois de reconstruído passou a designar-se "Restaurant Casino Internacional", - ou high-life -, e era propriedade da firma "Empresa do Casino Internacional da Foz Limitada", no mesmo lugar do "Casino da Foz" instalado num prédio com frente para a rua do Passeio Alegre, fazendo esquina com a rua das Matas. 


"Restaurant Casino Internacional" - primeiros 2 edifícios à esquerda no postal


8 de Maio de 1919


Fichas de jogo do "Casino Internacional"

15 de Maio de 1919

Em 1931 as suas instalações dariam lugar ao "Colégio Brotero", que por ali ficou até 1950.

Bibliografia:  

- Dissertação de Douturamento em História de Arte Contemporânea "A Vilegiatura Balnear Marítima em Portugal 1870-1970 - Sociedade, Arquitectura e Urbanismo - por Maria da Graça Fernandes Pestana dos Santos Gonzalez Briz -  UNL (2003).
- Blog:  "Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos Nossos Dias" 

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