Restos de Colecção

27 de março de 2025

J. Maury - Relojoeiro

A relojoaria "J. Maury", foi fundada em 1859 na Rua Aurea, 204, em Lisboa, pelo relojoeiro francês Jules Maury (? - 1902). Mais tarde ampliaria a sua loja ao nº 202. Em 1963 já era fornecedor do "Observatório Astronomico da Marinha".




1863


1881

Em 1945, o livro "Praça de Lisboa" organizado por Carlos Bastos descrevia esta casa com a seguinte passagem:

«A sua fundação deve-se ao súbdito francês J. Maury, que viera para Portugal empregar-se na extinta firma do mesmo ramo Girod & Gandy, onde deu sobejas provas de competência, firmando-se entre nós como técnico de raro merecimento. Montando em 1859, na mesma rua e local onde ainda funciona, uma loja para venda e reparação de relógios, J. Maury, que iniciou a sua carreira em proporções modestas, conseguiu rapidamente grande destaque no comércio da Capital, graças à enorme afluência do público que acolheu o nóvel negociante com lisonjeiras demonstrações de preferência. Profissionalmente sabedor e comerciante de rigorosa probidade, J. Maury viu-se rodeado de um carinho pouco vulgar e, para satisfazer o desenvolvimento das encomendas com que o distinguiram, teve de aumentar as instalações primitivas de molde a que elas pudessem comportar o progresso atingido.

Sucedeu-lhe na propriedade e administração da casa seu filho Hyppolite Maury, o qual, educado no bom exemplo do pai, não só manteve brilhantemente o prestígio da firma como ainda lhe imprimiu novo e intensivo incremento. Trabalhando com todas as marcas de reputação internacional e dotando as oficinas com os requisitos exigidos pela indústria, Hyppolite Maury acompanhou criteriosamente a evolução do mercado, merecendo por isso a estima e consideração daqueles que recorriam ao seu préstimo e lhe reconheciam como primacial qualidade o desejo permanente de bem servir, objectivo que sempre conseguiu ver realizado em virtude da capacidade directiva de que dispunha e dos valiosos elementos técnicos com que soube colaborar.


Habilitação de herdeiros no "Diario do Governo" de 10 de Janeiro de 1902



1902

De facto desde cêrca de 1904 que esta firma, não poupando sacrifícios, contratara directamente um dos mais distintos profissionais da indústria suíça, Paul Émile Funk, o qual veio directamente do seu país de origem a fim de proporcionar aos operários nacionais da Casa Maury os valiosos ensinamentos colhidos nos centros industriais mais  conceituados da república helvética, cuja produção em tal ramo caminha na vanguarda do fabrico europeu.

Por morte de Hyppolite Maury, em 1930, sua viúva e filhas, assumindo a propriedade do estabelecimento, confiaram a gerência à dedicação e competência de Paul Émile Funk, que no exercício de tão dedicadas funções se tem comportado com a superioridade de orientação que era de esperar em quem anteriormente exercera com apreciável brilho um cargo bem difícil. 

J. Maury, Sucr. H. Maury enfileira assim entre as casas mais antigas do ramo que explora e a sua actividade, manifestada em oitenta e seis anos de honesto e constante labor, torna-se digna da homenagem que neste lugar lhe prestamos com sincera satisfação.»


1914


Dezembro de 1934


Maio de 1936

 




10 de Agosto de 1944


28 de Abril de 1974

Jules Maury mandava, como outros, gravar o seu nome nos mostradores dos relógios que vendia. A "J. Maury" manteve-se nas mãos da família até quase ao final do século XX, até ser adquirida, em 1986, pela prestigiada cadeia de lojas "Torres Joalheiros", que teve origem em 1910 quando Anselmo Torres e seu filho Carlos Torres iniciaram, em Torres Vedras, um pequeno negócio na área do comércio de joalharia, vindo a instala-se em Lisboa em 1940 , quando adquiram a "Ourivesaria Pimenta" na Rua da Palma, no local onde hoje se encontra o "Hotel Mundial".

Legenda da foto anterior: «É um relógio de parede com caixa de estilo neoclássico, concebida pelo escultor Anatole Calmels, em 1866, mecanismo produzido pelo relojoeiro Reusot, em 1868, e comercializado por Jules Maury. Esta peça encontra-se no entablamento da antiga Sala da Câmara dos Dignos Pares do Reino (designada por Sala do Senado), e está posicionado de frente para a Mesa da Presidência.» in: "Parlamento.pt"

A relojoaria "J. Maury", já sob a designação de "Torres Joalheiros", viria a encerrar definitivamente em 2013.


2013

A seguir, no edifício e loja lá se instalou mais um ... adivinhem ... hotel!. O "Moon & Sun".


23 de março de 2025

Restaurant Paris

O "Restaurant Paris", abriu, pela primeira vez, as suas portas em finais de 1899 na Rua S. Pedro de Alcântara, em Lisboa, sendo propriedade de José Fernandes. Inicialmente, e até 1902, o restaurant só ocupava o rés-do-chão do edifício, ano em que sofreu grandes obras de remodelação e passou, também, a ocupar o 1º andar , onde foram incluídos cinco gabinetes. Tornava-se assim, num dos mais luxuosos, importantes e conhecidos restaurants de Lisboa.

"Restaurant Paris" dentro do rectângulo a vermelho (rés-do-chão e 1º andar)


24 de Dezembro de 1899


30 de Setembro de 1900


1900

A remodelação do "Restaurant Paris", seria inaugurada em 11 de Janeiro de 1902,  e a propósito na notícia intitulada "O José do Paris", o jornal "A Vanguarda" noticiava:

«Está um encanto o restaurante do José, em S. Pedro de Alcantara: a sala do rez do chão, em estylo século XVI, até meio, almofadada em carvalho; o tecto na mesma madeira com as traves a descoberto; o abobadado da cosinha mostrando os tijolos taes como são; o chão a mosaico; a metade superior das paredes azulejadas, com um tom verde e amarello; as traves que assentam sobre o grande pilar com espelhos emmoldurados egualmente a carvalho, revestidas a azulejo, semelhando mosaico; as cadeiras e todo o restante mobiliario, muito typico e caracteristico; os cinco gabinetes e a vasta sala do primeiro andar no mesmo gosto; um encanto, repetimos, a casa do conhecido José, do Restaurant Paris, que hoje as suas portas ao público.
José Fernandes em festa intima, reuniu hontem os seus melhores amigos: commerciantes, industriaes, professores, officiaes do exercito, empregados superiores do commercio, escriptores e representantes de jornaes. O primeiro levantou-o Eduardo Coelho. Seguiram-se-lhe Moraes Carvalho, Gregorio Fernandes, Albino Sarmento, major João José de Figueiredo, Taborda, Castanheira de Moura, emprezario Gouveia, Carlos Mello, Constantino Fernandes, Xavier Lobato, Carlos Trilho, França Borges, Duarte, Julio de Novaees, o photographo Fernandes, Alfredo Feiner, Baptista e muitos outros de que é impossível tomar nota. 
Um encanto a casa; uma festa deliciosa!»


Uma cozinha de restaurant, no início do século XX


12 de Janeiro de 1902

Publico, de seguida, um excerto de um artigo escrito pelo próprio José Fernandes no jornal "A Folha de Lisboa", de 20 de Fevereiro de 1902 e intitulado "Manifesto ao povo alfacinha, sem exclusão de edades ou sexos»:

«(...) Quereis saber mais? Ministros d'Estado, conselheiros pares do reino, deputados, todos, todos veem aqui, ao Restaurant Paris, ao estabelecimento que eu acabei de reformar, e que desde 1899 tira o ventre de miseria a muita gente boa, e n'estes dias de pó de amido que nos emporcalha, de ché-chés que nos nauseiam, nada mais agradavel do que darmos ao queixo, e por isso vos chamo até mim.
Olhae para o annuncio adiante publico, ponde os olhos n'aquella belleza de hortaliça de vinhos e licores, e se não vieres é porque sois o povo mais sem paladar que o sol cobre, a terra sustenta e a chuva molha.»


20 de Fevereiro de 1902


1 de Outubro de 1903


1903

Pelo que me apercebi, e deduzo, o "Restaurant Paris" terá interrompido a sua actividade entre 1904 e início de 1906. Isto porque foi interrompida a sua contínua publicidade e o seu proprietário mudava. Falecimento de José Fernandes ou simples trespasse? Não consegui saber. Apareceria de novo publicidade ao "Restaurant Paris", em 24 de Dezembro de 1906. Em publicidade de 1907 já aparecia M. Domingues Rodrigues como novo proprietário. 


 24 de Dezembro de 1906


16 de Setembro de 1907


1908

E em 1914, os últimos anúncios publicitários do "Restaurant Paris", que encerraria, definitivamente, neste final de ano de 1914.


1 de Maio de 1914


24 de Dezembro de 1914


31 de Dezembro de 1914


"Alfaiataria Smart"  nas antigas instalações do "Restaurant Paris" em foto de 1956


"Alfaiataria Smart" nas antigas instalações do "Restaurant Paris" em foto de 1963

fotos in: Hemeroteca DigitalBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Bilblioteca Nacional Digital

16 de março de 2025

Farmácia Ultramarina

A "Pharmacia Ultramarina" terá aberto no início de 1856, na Rua de São Paulo, 27-E, em Lisboa. Era seu proprietário o farmacêutico Lázaro Joaquim de Sousa Pereira. Em 1865 já se tinha mudado para os nos nº 99-101 da mesma rua, e por lá ficou por cerca de 150 anos.


"Farmácia Ultramarina", na R. de S. Paulo 99 e 101


6 de Junho de 1857


Primeira "Pharmacia Ultramarina" no nº 27 E da Rua de S. Paulo (última porta à direita na foto, junto ao arco)

10 de Agosto de 1857

No jornal "Diario do Govêrno" de 18 de Fevereiro de 1856 num debate na "Câmara dos Senhores Deputados" ... 

« O Sr. D. F. da Costa, que elle via que depois das opiniões dos illustres Deputados que com­batiam o artigo da commissão eslava persuadido que a sua substituição não  podia  vingar, porque á auctoridade  do S*.  Ex.as  era  tamanha, que a sua opinião havia de prevalecer, e por tanto ia retirar a sua proposta ; que se honrava de  ficar derrotado depois de ter combatido com tão  va­lentes  adversários; que apesar deste resultado estava satisfeito, porque o Ultramar tinha ga­nhado muito com a discussão, visto que lá fóra tinha attraído tanto sobre si as attenções que até um  pharmaceutico, abrindo hoje uma loja, ti­nha posto no mostrador o letreiro seguinte: pharmacia ultramarina. » 


1865

Foi nesta farmácia que o célebre médico Dr. Sousa Martins (1843-1897) a 1 de Abril de 1856 iniciou oficialmente funções como praticante de botica. Esta farmácia pertencia a seu tio. Tornou-se exímio manipulador de produtos naturais e adquiriu uma experiência que depois muito valorizou como médico e professor de Medicina.  Frequentou o Liceu Nacional de Lisboa e a Escola Politécnica; com aulas de manhã, trabalhava de tarde na farmácia e à noite dava explicações de forma a conseguir receitas para as despesas inerentes à sua formação académica. Ingressou nesse ano no curso de Medicina da "Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa". A prática de oito anos de Farmácia e o facto de ter completado os 21 anos de idade permitiram-lhe propor-se a exame no mesmo estabelecimneto de ensino superior e no dia 11 de Julho de 1864 foi aprovado ficando habilitado como Farmacêutico. Concluído o curso de farmácia, continuou a frequentar a "Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa", terminando o curso de medicina aos 23 anos, em 186, tendo sido sempre um aluno distinto.

Dr. Sousa Martins (1843-1897)

A partir de 1888 a frontaria da "Pharamacia Ultramarina" foi enriquecida com um inédito painel azulejar, cuidadosamente decorado com ilustrações de várias plantas medicinais e dos seus nomes científicos, destacando-se no centro da composição a representação de um anjo que segura um cálice com uma serpente, simbolizando a medicina. A especificação do nome da então responsável pela direção técnica reflete a exclusividade desta obra produzida na "Fábrica de Cerâmica Constância" e da autoria de Helder Silva e Mariete.


 


Quanto ao altruísmo de Lázaro Joaquim de Sousa Pereira o "Asylo dos Orphãos Desvalidos da Freguezia de Santa Catharina" numa nota de reconhecimento a vários farmacêuticos ...

«A commissão vem hoje por este meio dar um publico testemunho do seu mais sincero reconhecimento, agradecendo a continuação dos valiosos serviços prestados a este asylo pelos illmos. srs. Serzedello & C .*; Lazaro Joaquim de Sousa Pereira, proprietario da pharmacia ultramarina; Joaquim Ferreira Norberto, pharmaceutico no largo do Calhariz; Pedro Augusto Franco, pharmaceutico em Belem; pela maneira com que espontanea e genorosamente concorreram, durante o anno findo, com todos os medicamentos gratuitos que necessarios foram a este estabelecimento.»


10 de Setembro de 1861

Lázaro Joaquim de Sousa Pereira morre em 14 de Março de 1878, deixando viuva, Mary Parry Pereira e oito filhos.


27 de Março de 1868

Entretanto, outro farmacêutico-químico, diplomado e laureado pela Universidade de Coimbra, António Dias Amado exercia com notável brilho as funções de Director dos laboratórios da farmácia daquele estabelecimento de ensino e cultural, o que lhe valeu o apreço da classe médica que dispensava especial interêsse pela sua colaboração nos trabalhos de investigação.

Foi justamente em consequência desse facto que seu primo Dr. Egas Moniz Barreto de Araújo (1870-1924), do Estado da Bahia no Brasil, o convidou para com ele se dedicar ao estudo dum novo agente terapêutico destinado ao tratamento da sífilis por processo não mercurial. Acedendo ao lisonjeiro convite, António Dias Amado abandonou o lugar universitário e, durante alguns anos, foi prestar a cooperação solicitada até que, em 1895, fundou em Lisboa a "Farmácia Luso--Brasileira" para aperfeiçoar e divulgar no nosso País um produto que, além-Atlântico, havia já dado provas de extraordinário êxito, o depois celebrado e popular "Depurativo Dias Amado" que, no Brasil e em Portugal, registava dentro de limitado espaço de tempo o assombroso número de 15.000 curas comprovadas.


1907

Em 10 de Março de 1899, os irmão farmacêuticos António Dias Amado e Luiz Dias Amado, viam aprovado o registo da marca «destinada a um producto pharmaceuticos». E em Dezembro de 1905 viam aprovados os registos do "Depurativo Dias Amado" e "Depurativo Radical" respectivamente.


14 de Dezembro de 1905


14 de Dezembro de 1905

Em 4 de Fevereiro de 1906 é pedido o registo do nome "Pharmacia Luso-Brazileira", pelo seu proprietário o farmacêutico Antonio Dias Amado.


Em 29 de Fevereiro de 1908, é dissolvida a sociedade "Freitas & C.ª", tida por António Dias Amado e Luis de Freitas Lindo, tendo o passivo e activo sido assumidos por João Luis de Freitas Lindo. A "Pharmacia Luso-Brazileira" fica na posse de Antonio Dias Amado, que ao pretender registar o nome de "Pharmacia Ultramarina", viu em 6 de Agosto de 1908, o seu pedido «Recusado porque existe registada uma marca que contém o nome pedido e o respectivo registo não está feito a favor do requerente.»

Entretanto António Dias Amado dá sociedade na "Pharmacia Luso-Brazileira" a seu irmão Luiz Dias Amado, e a partir dessa altura a sua expansão acentuou-se e, tendo sido apresentados os seus depurativos em diversas competições internacionais onde foram galardoado com altas recompensas. Nas exposições de Génova (1908), Paris (1910), Roma (1911), Londres (1911), Anvers (1911), Liège (1912), etc., conquistou sempre Grandes Prémios e Medalhas de Ouro, numa carreira verdadeiramente apoteótica e nunca igualada como outro qualquer produto similar. Animado pelo êxito, Antonio Dias Amado dedicou-se, mais tarde, à elaboração de outros produtos sob a marca genérica "Ada", os quais conseguiram obter também sólida posição no mercado.


1909


1911

Entretanto a "Pharmacia Ultramarina", que por morte do seu fundador tinha sido adquirida por Francisco Freire de Andrade em 1881, em 28 de Maio de 1895 já aparece como propriedade de Antonio Dias Amado. 

Mas em 12 de Março de 1906 o sucesso do "Depurativo Dias Amado" dá origem a desavenças entre os irmãos ... 


Entretanto a "Pharamacia Luso-Brazileira", funcionaria até por volta de 1921, restando só a "Pharmacia Ultramarina", na posse de Antonio Dias Amado, até à sua morte. Esta farmácia durou ainda muitos anos, creio até ao início do século XXI, altura em que deu lugar a uma loja de «comes e bebes», a que se lhe seguiu um "Restaurant & Bar" que faz parte do "Independente Hotels and Hostels" instalado no prédio.


fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de Lisboa, Digitile (Biblioteca de Arte - FCG)