Restos de Colecção

13 de outubro de 2025

Loja do Povo

 A "Loja do Povo", foi fundada por Francisco d'Almeida Grandella na Praça de D. Pedro IV (Rossio), 88 em Lisboa no ano de 1885 através da sua recém-criada firma "Grandella & C.ª ". Aqui tinha funcionado uma loja de quinquilharias de João Rodrigues de Almeida.

"Loja do Povo" no primeiro toldo branco à esquerda na foto


Gravura de 1906

Francisco d'Almeida Grandella, nasceu em Aveiras de Cima em 1853, e logo aos 11 anos veio para Lisboa substituir um irmão que então falecera esta cidade, ainda marçano. Até 1879 esteve empregado em dois estabelecimentos, tomando então a resolução de se estabelecer numa pequena loja da Rua da Prata, 112 e 114 começando ele próprio pelo corte de roupa branca. Como o capital era diminuto instituiu a sistema de vendas «a dinheiro».


Francisco Maria d'Almeida Grandella (1853-1934)

«Negociando ao balcão, pelos domicílios e pela província, dispendendo uma fôrça de vontade verdadeiramente única, Grandella chegava a 1881 livre de compromissos e com o capital preciso para tomar de trespasse uma casa mais ampla a que dava o nome de "Loja do Povo".»

Inicialmente, e em 1881, onde viria a instalar-se a "Loja do Povo" funcionava o "Armazem Central" nos números 87 e 89. Grandella que tinha constituído em 1885 a firma "Grandella & C.ª" instala-se no número 88, e logo toma de trespasse o "Armazem Central" ampliando-o ao nº 88, passando a denominar-se "Loja do Povo" e a ocupar as portas 87, 88 e 89 da Praça de D. Pedro. Loja que tinha a sua fachada pintada de vermelho, cor que fardava os seus empregados. De referir que no mesmo ano, abria uma loja com o mesmo nome "Loja do Povo"  na Rua Direita de Belém, 43-44, também em Lisboa, e propriedade de João da Conceição Silva.

«Aí durante cinco anos, o trabalho foi cruento, múltiplo, e tão grande que, em 1886, não chegando já essa casa para servir o público, adquiriu uma outra na Rua do Ouro, o "Novo Mundo", a maior de então na Capital.


Este estabelecimento veio substituir o antigo “Centro Comercial Portuguez”, instalado desde 1880 nesta Rua Áurea nº 120, tendo sido tomado por trespasse por Francisco de Almeida Grandella. O serviço da entrega de encomendas em Lisboa, na década de 90 do século XIX, era feito por oito carroças e um grande automóvel.

Em 1890 contratou a compra do prédio onde estava instalado o "Novo Mundo", que demoliu para levantar desde os alicerces esse estabelecimento, que não tem rival em Lisboa, e que acertadamente baptisou como nome de "Armazens Grandella"».


"Armazéns Grandella"  na Rua do Ouro, em 1897

Entretanto, o lado oriental da Praça de D. Pedro mantinha nas suas lojas a tradição de comércio de panos e miudezas das tendas das «Arcadas do Rossio», situadas por baixo do antigo "Hospital de Todos-os-Santos".

"Hospital de Todos-os-Santos", e respectivas arcadas

Cinco anos mais tarde, em 1886, a “Loja do Povo” não chegava para tanta clientela e encomendas o que obrigou à aquisição de outro estabelecimento, na Rua do Ouro, “O Novo Mundo”, o maior então na capital. Este estabelecimento veio substituir o antigo “Centro Comercial Portuguez”, instalado desde 1880 nesta Rua Áurea nº 120, tendo sido tomado por trespasse por Francisco de Almeida Grandella. O serviço da entrega de encomendas em Lisboa, na década de 90 do século XIX, era feito por oito carroças e um grande automóvel.

Pouco tempo mais tarde Francisco Grandella trespassava a "Loja do Povo" a Vicente Rocha.


Processo que não esteve isento de problemas ...


3 de Agosto de 1898


25 de Janeiro de 1895


1896

De um extenso artigo acerca da "Loja do Povo" publicado no jornal "Vanguarda" de 8 de Julho de 1906 retirei as seguintes passagens:

«Incontestavelmente, este estabelecimento e um dos mais importantes e conhecidos da capital, não tanto pelas suas vastas dimensões, nem pelo luxo das suas installações, mas pelo seu credito, pela sua popularidade e pela extraordinaria barateza de todos os artigos que tem á venda e que são da mais fina qualidade.

Encontra-se installada A Loja do Povo ha uns bons vinte annos, na ampla e vistosa praça de D. Pedro IV, (Rocio), n." 87, 88 /e 89, entre a rua do Amparo e a esquina do largo de S. Domingos, e destaca-se entre as casas que lhe são contiguas, por nma grande marquise» collocada sobre as tres portas, e pelos variadissimos artigos axpostos a essas mesmas portas, em grande quantidade, o que chama constantemente a attencão do publico que por alli passa.

E, a proposito, devemos dizer que essa «marquise, tem prestado e presta servico a muita gente, em occasioes de grossas chuvas, depois das onze horas da noite, pois que se abriga sob o enorme alpendre, emquanto não acaba de cahir a maior, como diz o vulgo.

"Loja do Povo" dentro da área desenhada a amarelo


Cartaz publicitário de rua


"Loja do Povo" dentro do rectangulo desenhado em foto de 1918

A «Loja do Povo» se deve a evolução que se produziu ha annos no commercio a retalho, de Lisboa, pois acabou com a rotina da venda com grandes lucros e foi a primeira casa que iniciou o systema de vender barato para vender muito: e procedendo assim, é dos estabelecimentos mais em evidencia por ter conservado fiel ás suas tradições, segundo rigorosamente a sua divisa-muitos poucos fazem muito».

O seu movimento sempre crescente é a prova mais cabal e exhuberante de que o publico reconhece as vantagens que tem, ao fazer as suas compras na «Loja do Povo que tambem tem uma entrada pela rua Nova de S. Domingos, n.° 17. 

Todas as secções da «Loja do Povo, estão fornecidas em grande quantidade e variedade, e por isso todas as encommendas são satisfeitas com a maxima promptidão e seriedade. e quem flzer compras na importancia de 2$000 réis para cima, recebe um brinde que é um lindo balão dos que a .Loja do Povo» mandou fabricar expressamente no estrangeiro em abundancia enorme. E é em consequencia tambem d'estes brindes que muitas familias affluem á «Loja do Povo», com as suas creancinhas, as quaes flcam encantadas com os lindos balões a que alludimos.


Ambos de Janeiro de 1905

A concorrencia de publico á «Loja do Povo» augmenta de dia para dia. O movimento de entrada e sahida de freguezes é constante, e como que um redemoinho de pessoas ávidas de se fornecerem n'aquelle estabelecimento. Mas, ás quintas-feiras, a concorrencia de freguezes assume proporCoes gigantescas - e isto ha annos - pois que é n'esses dias que são expostos á venda retalhos de todos os artigos, como sedas, velludos, chitas, zephyres, casimiras, las, etc., mediante preços que só a «Loja do Povo» póde estabelecer. 

Ultimamente, todas as secções da Loja do Povo» teem tomado ainda maior desenvolvimento, como a secção de alfayaterla «Lisboa-Elegante», installada no primeiro andar cuja entrada e nela rua Nova de S. Domingos, 19.

Essa secção contém um completo e variadissimo sortimento de fazendas nacionaes e estrangeiras, está a cargo, ha multo tempo, d'um habil artista estrangeiro, d'um perfeito e attencioso mestre de córte que o proprietario da «Loja do Povo», contractou directamente n'uma das primefras alfayaterias de Madrid. E' elle o sr. José Maria Atalaya Duran. (...)


1906

E' enorme a variedade de artigos de que está sortida a «Loja do Povo». Assim, citaremos, ao acaso, os seguintes: chapeus para homem e para senhora, luvas de todas as qualidades, bengalas. sombrinhas, guarda-chuvas, saias, «blouses», meias, piugas, rouparia branca para ambos os sexos, cobertores, colchas, reposteiros, bambinellas, cortinas, tapetes, capachos, pannos brancos, zephyres, camisas, collarinhos, gravatas, casimiras, lās, sêdas, velludos, cheviotes, sabonetes, etc., etc.


29 de Julho de 1906


28 de Julho de 1907


22 de Dezembro de 1907

A «Loja do Porto» tem, emfim, um sortimento vastissimo de todos estes artigos, e em virtude dos seus enormes saldos e da extraordinaria barateza por que os vende ao publico, este afflue alli todos os dias ela todas as horas, por isso que fica bem servido, tanto no preço como na qualidade.»


Mesmo ao lado ... a concorrência até como nome bem semelhante ... em anúncio de 1907

Por simples curiosidade, de referir que em 1 de Janeiro de 1935, é apresentada  no "Teatro Avenida" a Revista em dois actos e vinte e um quadros "A Loja do Povo" da autoria de Alberto Barbosa, José Galhardo, Vasco Santana e Xavier de Magalhães, com música de Raúl Portela, Raúl Ferrão e Correia Leite. 

Em 1938, conforme se pode atestar pelo excerto de "Peregrinações" de Norberto de Araújo, no Vol. XII de 1938, que reproduzo de seguida, a "Loja do Povo" já ocupava desde a porta 87 à 92, depois de ter adquirido a vizinha firma "Guimarâes & Jardim". Ou seja, todas as lojas do repectivo prédio.

«Nos n.°' 87 a 92 está a Loja do Povo, hoje com seis portas. As três de cima correspondem a um estabelecimento onde esteve, antes de se mudar para prédio próprio no Chiado, a Casa Grandella; as três de baixo ao estabelecimento de Guimarães & Jardim. O conjunto faz a Loja do Povo.»

Acerca da firma "Guimarães & Jardim - Sucr Joaquim Gomes d'Oliveira Jardim (Herdeiros)" retirei o seguinte texto do livro "Praça de Lisboa", coligido por Carlos Bastos em 1945:

«Natural de Santarém, onde nasceu a 3 de Julho de 1873 o distinto comerciante que foi Joaquim Gomes d'Oliveira Jardim, iniciou a sua carreira na Casa Manuel Marques de Sousa daquela cidade, vindo para Lisboa em 1894.
Na capital colocou-se na Casa de Guimarães, fundada por José Joaquim Rodrigues Guimarães e aí de tal maneira vincou a sua personalidade que três anos depois, por escritura de 15 de Maio de 1897, foi admitido como sócio do estabelecimento que, desde então, começou a girar sob a firma Guimarães & Jardim.
Mais tarde, por escritura de 8 de Julho de 1907, a referida sociedade dissolveu-se, sucedendo-lhe a firma Guimarães & Jardim, Sucessor Joaquim Gomes d'Oliveira Jardim.
Prosseguindo no desenvolvimento da sua actividade, em 1911 Oliveira Jardim adquiriu de V. Rocha a antiga Loja do Povo, criada pelo saüdoso e conhecido Francisco Grandella e assim reuniu os dois estabelecimentos que hoje ocupam um lugar de apreciável relêvo no seu ramo de negócio: rouparia de senhora e cavalheiros, camisaria, enxovais para noivas, baptizados e colegiais, panos de linho e algodão, serviços de cama e mesa, colchas em tôdas as qualidades, edredons, meias, luvas e todos os demais artigos similares.
Oliveira Jardim, visitando regularmente Paris, Londres e Berlim, apresentava sempre em tôdas as estações as últimas novidades europeias, facto que muito prestigiou a casa entre a melhor clientela.
Comerciante de fino trato e muito estimado por todos quantos com êle conviviam, levou a sua iniciativa a diversos empreendimentos em que sempre colheu êxito.
Deve-se-lhe a fundação da «Lingerie Parisienne», na Rua do Carmo, 57 a 61, Alfaiataria «Lisboa Elegante», na Rua do Amparo 102-1.°, Loja do Povo das Picôas, Casa de Guimarães, da Figueira da Foz, e várias sucursais em Évora e Santarém.
Faleceu em 10 de Fevereiro de 1943, tendo ficado definitivamente à testa dos estabelecimentos seus filhos, Joaquim Gomes de Oliveira Jardim Júnior e Diogo de Oliveira Jardim, que já há alguns anos, e com a melhor competência, exerciam também a gerência como colaboradores dedicados da obra de seu ilustre pai.»


Joaquim Gomes d'Oliveira Jardim


«1 de Julho de 1930 em Diante Nova Organização Comercial» ... na "Loja do Povo"


"Loja do Povo" nos anos 30 dos século XX


"Loja do Povo" em foto de 1945

Não sei o ano excto do seu encerramento em definitivo mas aponto para os primeiros anos da década de 40 do século XX. A extensa loja daria lugar a outras duas. Nos nos 87, 88 e 89 instalou-se uma que não consegui identificar. Nos restantes instalou-se a loja "Tecidos do Rossio".


Lojas outrora ocupadas pela "Loja do Povo" dentro da área desenhada a amarelo


6 de outubro de 2025

Cine Pátria e Cinema Popular

O "Cine Pátria" terá aberto pela primeira vez na, então, Rua Direita do Grilo, 46 no Bairro do Beato, em Lisboa, em 1 ou 2 de Novembro de 1916 por José Perdigão, funcionário da "Companhia Cinematographica de Portugal" (fundada em 17 de Dezembro de 1912), conhecido como o Animatographo do Beato, e anunciava-se como «o mais distinto cinema, proporcionando rendez-vous elegantes».



No jornal "A Capital" de 1 de Novembro de 1916

Instalou-se na muralha do "Palácio dos Duques de Lafões", - cuja construção foi iniciada em 1777 por iniciativa de D. João Carlos de Bragança, 2º Duque de Lafões, co-fundador da "Academia das Ciências" - numa época em que este bairro era densamente povoado, para o mesmo espaço no qual se chegou a projectar  um edifício que devia integrar cinema e habitação. Norberto de Araújo, em 1937, escrevia: «(...) a seguir vê-se a muralha sobre a qual assentavam os jardins, (do Palácio) e foi essa muralha escavada há cerca de trinta anos, e nela se construíram estabelecimentos que antecederam o Animatografo popular.»

Já em 1908 tinha existido na Rua Direita do Grilo (actual Rua do Grilo), no número 98, um animatógrafo de seu nome "Salon Biographe" pertencente a Carlos Joaquim Maria dos Santos. Esta sala teve uma existência muito curta. E para comprovar ...


Ambos de 1908

Acerca dos animatógrafos/cinemas de bairro nas primeiras décadas do século XX, vou de seguida expor algumas considerações.

A difusão do animatógrafo levou ao aparecimento dos cinemas de bairro, correspondentes, de certa maneira, aos antigos teatrinhos particulares e às salas dos clubes recreativos locais. Os primeiros surgiram logo em 1907, em Alfama, na Estrela, em Alcântara, na Mouraria, em Santos, no Rato, no Intendente, na Madragoa, na Ajuda, etc. O movimento prosseguiu ao longo dos anos, podendo considerar-se de bairro 56% dos cinemas existentes na capital em 1930. Tal como o seu congénere teatral, o cinema de bairro era geralmente mais pequeno do que o grande cinema do centro da cidade e limitava-se a reprises. Visava sobretudo um público pequeno burguês e operário.

Quanto a animatógrafos de bairro em 1932, o panorama era o seguinte: na Mouraria - "Salão Lisboa"; nas Avenidas Novas - "Trianon Palace"; no Alto do Pina - "Max Cine"; na Penha de França - "Cine Oriente"; na Graça - "Royal Cine", "Salão Recreio" e "Gil Vicente"; no Beato e em Marvila - "Cine Pátria" e "Palais Cinema"; em Campolide - "Cine Tortoise"; em Campo de Ourique - "Paris" e "Europa Cinema"; na Ajuda - "Portugal"; em Alcântara - "Eden Cinema" e "Promotora"; em Belém - "Belém Cinema"; no Bairro da Bélgica (ao Rego) - "Cine Bélgica"; na Praça do Chile - "Pathé Cinema"; no Rato - "Teatro Joaquim de Almeida". À excepção das salas "Salão Recreio", "Palais Cinema" e "Gil Vicente" as histórias de todos estas salas de espectáculos podem ser consultadas neste blog.


"Cine Bélgica(1928-1977)


"Cine Oriente"  (1931-1977)


Na revista "Cinegrafia de 2 de Maio de 1929, com o "Palais Cinema" do Poço do Bispo

«A indole do nosso pôvo é profundamente bôa, digam o que quiserem aqueles que constantemente apregoam os maus instinctos das nossas classes mais pobres. Quem não assistiu ainda a uma sessão de algum dos animatografos da periferia de Lisboa, frequentados na sua grande maioria por trabalhadores humildes? São, apezar de tudo, ainda as fitas de aventuras aquelas que mais deliciam a assistencia. As exclamações, ora de odio ora de verdadeira alegria, soltadas pelos frequentadores mais jovens desses cinemas, segundo o tirano da fita vence ou é vencido, revelam-nos o bom fundo do nosso povo.» in: revista "Cinegrafia" de 2 de Maio de 1929.


Este animatógrafo com acompanhamento ao violino e piano



Exemplos de interiores de salas de animatógrafos ou cinemas de bairro

«Os cinemas dos bairros afastados - esses - têm, realmente, uma feição muito característica ... Uma objectiva, que tivesse o mérito de ser ... subjectiva, lograria focar aspectos e sentimentos cheios de interêsse e de pitoresco. E' o Cine Tenor Romão, onde se distribuem cachimbos de louça pelos frequentadores; o Salão Ideal, o cine isto, o cine aquilo e talvez mesmo, como se diz na anecdota conhecida, o sine quanon ... Os porteiros envergam a sua casaca carnavalesca com a mesma sem-cerimónia com que os gatos-pingados se instalam nas suas lúgubres andainas ... Garotos de meio palmo compram a meias um lugar de quinze tostões e acomodam-se os dois na mesma cadeira De dia andam enervados, saltitantes, inquietos, a amealhar os magros tostões necessários para garantir a entrada ...

- Meu senhor, da-me um tostaozinho para ir ao cinema ?...
- Vai-te, diabo! Se pedisses para pão ...

... como aconteceu ao meu ilustre amigo dr. Jorge de Faria, distintissimo crítico de Teatro e atroz inimigo de tudo que cheire a cinema.
Outros gaiatos, cinéfilos e cineastas até á medula que lhes corre na coluna vertebral, conseguem a entrada por meio dos mais curiosos estratagemas. Uns vão para dentro da sala, a tilintar o seu grito infantil deCopo com água! Outros, sob o pretexto de levar qualquer coisa «áquêle senhor que lá está adiante», entram para só saír no fim da sessão. E por ai fóra ... Não tem limites a inventiva incandescente dêsses cérebros pequeninos ...
E tudo corre ao som do piano mal afinado, batido quási desordenadamente, acompanhado ás vezes por um violino que guincha, e sempre pelo assobio da rapaziada alegre que sabe de cór a valsa da Ramona ...
Mas quê? São assim os cinemas que fugiram da Baixa? Foram! Foram! Vejam agora o Royal, aquêle salão que há ali na vertente da Graça e que se abalançou a ser o primeiro a fazer ouvir as suas fitas.» excerto de artigo na revista "Cinegrafia" de 19 de Abril de 1930 e da autoria de José Ribeiro dos Santos.

Voltando ao "Cine Pátria", em 1928, este é adquirido por José Manuel Ginja que o venderia em 1931 depois à firma "Mendonça & Soares", e da qual era sócio maioritário Baldomero Gonçalves Charneca. Nos anos seguintes foram promovidas significativas melhorias na sala e na fachada, tendo nessa altura o cinema capacidade para acomodar quatrocentos e quarenta e sete espectadores.



"Cine Pátria" nesta listagem de 1938 


"Cine Pátria" e "Cinema Popular" nesta outra listagem de 1941 

Em finais da década de 40 e 50 do século XX a lotação deste «cinema de bairro» era de 490 lugares, que esgotava principalmente nas tardes de Domingo. Os arrumadores colocavam uns bancos corridos na frente da primeira fila, para satisfazer mais uns quantos clientes. Em outras ocasiões o cinema encontrava-se esgotado, só restavam aquelas cadeiras que apanhavam as colunas da sala.  A sala era composta de uma plateia, ligeiramente inclinada, acontece que motivado à pouca altura e à falta de adequada  ventilação, durante os meses quentes de verão, com a casa lotada, os espectadores sofriam com o calor ali produzido. Devido ao facto da sala não ter altura adequada, a cabina de projecção situava-se abaixo do nível normal, pelo que, com a sessão já iniciada, os retardatários eram obrigados a curvar-se para evitar que a sua sombra fosse projectada no ecrã. 



Programa do "Cine Pátria" a partir de 11 de Dezembro de 1943 (gentilmente cedido por Carlos Caria)

Nota: o filme "O Costa do Castelo", publicitado no programa anterior, era muito recente, pois tinha sido estreado no "São Luiz" em 15 de Março do mesmo ano de 1943.

Bilhete para 1 de Junho de 1954

Em 1948 Baldomero Charneca funda a empresa "Edecine - Empresa de Cinemas, Lda.", tendo como sócios Baldomero Gonçalves Charneca e sua mulher Isaura da Luz Mendonça Charneca, e cuja actividade cinematográfica se prolongou até 1985 tendo atingido as 18 salas, em território nacional (Moscavide, Forte da Casa, Alenquer, Mafra, Azambuja, etc ...). Assume, em 1950, a gerência desta sala de cinema, função que viria a exercer nas três décadas seguintes. 

Foi, igualmente, proprietário do "Cinema Popular", na Rua Direita de Marvila, no bairro de Marvila e que abriu as suas portas em 1935 no lugar do extinto "Palais Cinema" de 1929 e propriedade de José Rodrigues Thomaz. Este já com plateia e primeiro balcão, num total de 432 lugares e um pequeno bar. Eram exibidos dois filmes por sessão com desenhos animados no intervalo. 


2 de Maio de 1929




Em 26 de Março de 1965, Baldomero Gonçalves Charneca obteve o alvará nº 77/1965, para venda de bebidas no bar do "Cinema Popular", e  assim descrito : «Licença para exercer o comércio de venda de bebidas alcoólicas engarrafadas, tanto nos próprios recipientes como à taça, tanto nos próprios recipientes como à taça, no seu estabelecimento, sito na Rua Direita de Marvila, nº 10 e 18 em Lisboa.».

Depois de encerrado em definitivo, nos finais da década de 80 do século XX e posterormente demolido, foi construído no seu lugar o quartel provisório da "Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Beato e Penha de França", inaugurado em 23 de Novembro de 2024.

Entretanto, em 1968, o "Cine Pátria" encerraria as suas portas temporáriamente, para voltar a abri-las no início da década de 70 do século XX, após terem sido ectuadas obras de recuperação e de remodelação. Nesta altura, eram projectados filmes indianos e de cowboys, sendo que na última sessão eram exibidos filmes pornográficos ...

"Cine Pátria" em foto de 1974 (in: "Vamos ao Nimas" de Lauro António)

Com a D. Isaura da Luz Mendonça Charneca - «A esposa do Sr. Charneca era efectivamente uma brasa, para dar forma a tanta beleza o marido abriu-lhe uma casa de roupa de senhora em frente ao Cinema, e as peças mais exibidas nas montras eram lingerie» - e seu marido como proprietários e gerentes, o "Cine Pátria" viria a encerrar em definitivo no final da década de 80 do séc. XX. Depois de restaurado, passou a funcionar como igreja de uma confissão religiosa que não católica, por alguns anos. Actualmente as suas instalações encontram-se devolutas.

Foto de Agosto de 2024, via "Google Maps"

Bibliografia:

blog "Ruas de Lisboa com Alguma História

fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Ruas de Lisboa com Alguma História, Cinemas do Paraíso