Restos de Colecção: Hotel da Granja

17 de outubro de 2024

Hotel da Granja

O "Hotel da Granja", ou também denominado "Grande Hotel", foi inaugurado em 1876, pelo seu promotor Henrique Burnay (1838-1909), na Praia da Granja no limite das freguesias de S. Félix da Marinha e Arcozello no concelho de Vila Nova de Gaia, numa época em que a Praia da Granja estava no auge da sua popularidade. Durante algumas décadas foi chamado, também, de "Grande Hotel". O empreendimento surgiu em resposta à crescente procura por alojamentos de luxo na área, especialmente por parte da elite lisboeta e portuense, que se deslocava para a Granja para veranear. 

"Hotel da Granja" 

A construção do hotel acompanhou o desenvolvimento das infraestruturas da região, como a linha de comboio do Norte, que parava na Granja e que facilitava o acesso à praia. Durante algum tempo Espinho ficou apenas a ver passar os comboios, pois o mais perto que paravam era na Praia da Granja, que à época era «a praia chic das elites portuguesas».

Primitiva estação de comboios da Granja em postal de 1911

«A praia da Granja, a mais graciosa e asseada das estações balneares portuguesas  a praia por excelência elegante, nasceu após a passagem da linha férrea pelo sítio. Diz-nos a quimica, que o diamante é um carvão; a Granja, uma jóia, tem, pois, essa mesma origem. Saiu do fumo negro da locomotiva, graças ao empenho do alchimista Fructuoso Ayres...». José Frutuoso Aires de Gouveia Osório, médico e politico português nascido no Porto, da qual foi Presidente da Câmara (1886-1887), adquire a quinta aos frades, passando a ser um couto privado deste ilustre portuense, sendo baptizada com o nome de "Quinta da Granja" ou "Quinta dos Ayres" .


Ramalho Ortigão no seu livro "As Praias de Portugal" publicado em 1876 ... 

«A concorrencia dos banhistas na praia da Granja, cujo movimento póde ser actualmente orçado em cerca de trezentas pessoas, augmenta consideravelmente de anno para anno.
Uma companhia estabeleceu ahi um hotel regularmente servido com quartos pelo preço de 1$200 reis, comprehendido o serviço.
O club, para o qual està sendo concluido um edificio especial com um salao para trezentas pessoas, restaurante, cocheiras, etc., acha-se estabelecido em uma casa provisoria e e muito concorrido. N'elle se dançou em muitas noites durante a temporada passada, fizeram-se concertos, e no dia em que ali passamos planeava-se a representação de um proverbio de Musset, uma sessão de quadros vivos extrahidos de illustrações de Gustave Doré, e um passeio a luz dos archotes na floresta.»


Casa de D. Tomásia Miranda e Francisco Miranda


Novo edifício da "Assembleia da Granja", inaugurado a 8 de Agosto de 1876


Do livro "A Granja de Todos os Tempos" de Antonio Paes de Sande e Castro

E no seu livro "As Farpas" publicado em 1887, num capítulo dedicado à Granja ...

« Quem é que vae para a Granja ?... Toda a gente conhecida. Toda a gente conhecida é a formula provinciana que substitue em Lisboa a expressão Le tout Paris.
Le tout Paris consta, como se sabe, de uma pequena roda de pessoas, que vão a toda a parte onde a gente se diverte, mas que não sómente não são Paris inteiro, mas quasi que nem sequer são Paris. (…)
É aos cavalheiros com essa benefica orientação de gôsto, que eu principalmente recommendo a praia da Granja como um perpetuo e inexhaurivel mananciai de satisfação e de jubilo. Porque, depois de Cascaes, a Granja é a mais aristocratica das praias do littoral portuguez. Espinho sabe isto, e não o leva a bem.»



Avenida Sacadura Cabral



Confluência da estrada Porto-Espinho com estrada para Côrvo. No 1º edfício os Correios e Telégrafo. Nos restantes, talho, padaria e pharmacia

Em 1890, o "Grilo de Gaya", um jornal local descreve muito bem ambiente: «Têm chegado algumas famílias à praia da Granja, porém sempre as de costume: só fidalguias (...) Esta praia, talvez a mais bonita e saudável da nossa beira mar, torna-se tristonha sem alegria, porque muitos banhistas  preferem andar quasi sós, não querendo gente de classe baixa que os estorvem. A Granja tornou-se num local privilegiado e elegante: local de cavalgadas, de quermesses, dos torneios de ténis e de cricket , dos bailes e concertos, das tardes de chá e bridge...um local de príncipes e  princesas, um local de conto de fadas.». Todos os serões eram acompanhados por música com concertos de piano, recitais, etc, chegando a contar com a presença de famosa violoncelista Guilhermina Suggia. O teatro estava também presenta, na "Assembleia da Granja", entre outras animações.

O "Hotel da Granja", foi instalado num prédio modesto construído entre 1872 e 1873, mas logo aumentado e melhorado em 1879, ano em que é criada a "Sociedade do Hotel da Granja", vendendo-lhe Fructuoso Ayres o terreno (até então aforado) por 200 mil réis, que seriam pagos em duas acções da nova sociedade. Além de Henrique Burnay, todos os outros sócios eram também membros da "Companhia da Assembleia da Granja, S.A.R.L.", cuja fundação datava de 1 de Novembro de 1876.



Configuração inicial do "Hotel da Granja"



Em dois ângulos ... em postais de 1905




1909

«Em 1910 a 'saison' da Granja foi uma das mais concorridas da sua história. Na assembleia inscreveram-se 189 sócios, número inusitado até então, as casas estiveram todas ocupadas ou habitadas pelos seus proprietários, o hotel, gerido desde há muitos anos por Francisco Bramão, esteve sempre cheio, tendo de alugar algumas casas da rua de baixo para satisfazer os inúmeros pedidos, (…).»

Durante muitos anos, o "Hotel da Granja" foi um dos mais renomados estabelecimentos hoteleiros da região. Ele era conhecido pelo seu estilo elegante, serviços de alta qualidade e a capacidade de oferecer aos hóspedes uma experiência sofisticada e requintada. O hotel serviu de ponto de encontro para a aristocracia, artistas e intelectuais, que procuravam a Granja como um local de lazer e descanso.


Do livro "A Granja de Todos os Tempos" de Antonio Paes de Sande e Castro


Na pérgola do Hotel


1913


Primeira ampliação, na parte posterior do "Grande Hotel"  ("Hotel da Granja")

Em 1909 o "Hotel da Granja" era gerido por Frederico Bramão, aparecendo em 1913 já como proprietário. Já em 28 de Fevereiro de 1914, o novo proprietário deste hotel, era Francisco dos Santos Silva, que submete a apreciação camarária o pedido de licenciamento para ampliação do mesmo em 1 piso, o que viria a ser deferido.





Depois de ampliado num piso (2ª configuração)


Hall de entrada e recepção


Sala de jantar

Na madrugada de 26 de setembro de 1926,  o "Hotel da Granja" sofre um incêndio no último piso, que destruiu uma parte significativa do edifício. A sua origem não foi completamente clara, mas rapidamente se alastrou, causando danos irreparáveis à estrutura do hotel, que já enfrentava problemas de manutenção. 

Após o incêndio e encerramento do hotel, estala uma polémica no jornal "O Comércio do Porto" em 1927, e no espaço reservado às cartas dos leitores, e que envolvia esta estância balnear. No dia 27 de Setembro, alguém que se assina Felix de Arcozello responde à leitora D. Tareca que dias antes publicara uma carta em que afirmava «a Granja está moribunda». Indignado, Felix de Arcozello, afirmava que a «Granja mantém ainda as suas tradições de elegância» e adianta que a praia «voltará a ser a Granja antiga, pacata e aristocrática», logo que seja construído um novo hotel. Felix sugere que D. Tareca tem uma identidade duvidosa e acusa-a de torcer por Vila do Conde, fruto da rivalidade que existia entre praias vizinhas do Porto.


Envelope de carta enviada nas vésperas do incêndio, com carimbo de 4 de Setembro de 1926

Entretanto o "Hotel da Granja" é adquirido pela "Companhia Hoteleira da Granja" da qual era gerente o Dr. António Vasco Rebelo Valente. Em 1 de Março de 1928, é apresentado, pela empresa proprietária, o pedido de licenciamento para a reconstrução do piso ardido (terceiro), reparação das restantes áreas afectadas e reforma e melhoramentos nos restantes pisos e instalações do hotel, sob o projecto do arquitecto Joaquim Coelho de Freitas, cuja memória descritiva (parte) passo a transcrever:

« - A presente memoria refere-se a reconstrucçao da parte incendiada ou seja o terceiro pavimento do Hotel da Granja, situado ne Praia da Granja, limite des freguesias de S. Felix de Marinha e Arcozello, e bem assim a completa remodelação da parte não incendiada obedecendo a todas as exigencias modernas de conforto e hygiene.
A maneirda a construir-se sera toda feita de madeira de pinho, forradas exteriormente a telha portugueza, sendo a caixilharia exterior de madeira brasileira.
Os travejamentos e madeiramento da armação serão em pinho nacional com as secções de 0,22×0,08.
A cobertura sera feita com telha tipo Marselha. »



Planta topográfica do projecto para «Servidão de tubagem para conduzir dejetos do Hotel até um terreno próximo», em 1 de Março de 1928



"Hotel da Granja" já em 1934 (3ª configuração e final). à esquerda na foto a casa do engº  Carlos Nieto Guimarães


Etiqueta de bagagem

Em 1934, o "Hotel da Granja" já era explorado por Fernando Lago, através da sua firma "Fernando Lago & C.ª" que já possuia o "Grande Hotel de Espinho". Viria a adquirir o hotel em 1947, ano em que solicitaria o pedido de licença para hotel, em 19 de Junho de 1947 e que viria a ser emitida em 6 de Abril de 1948, após que procedeu a pinturas exteriores, cuja autorização camarária foi requerida em 30 de Maio de 1948. 


1934

Segundo o guia "Hoteis e Pensões de Portugal" de 1939, o "Hotel da Granja" ... 

Classe: 2ª
Quartos: 48
Pequeno Almoço: 3$00
Almoço: 14$00
Jantar:  15$00
Diária:  de 30$00 a 45$00


"Hotel da Granja" nos anos 50/60 do século XX


9 de Agosto de 1964

Após o falecimento de Fernando Lago, o "Hotel da Granja" em 1970 já era propriedade da firma "Fernando Lago, Sucessores".


1971

Com o passar dos anos, especialmente a partir da segunda metade século XX, o "Hotel da Granja" começou a perder o seu esplendor, à medida que outros destinos turísticos surgiam e os hábitos de veraneio mudavam. O aumento da oferta hoteleira e o desenvolvimento urbano afastaram gradualmente o foco da Praia da Granja como destino de luxo. O hotel acabou por fechar, entrando em estado de abandono por várias décadas.



E a propósito de abandono ... logo no nº 1 do jornal "O Correio de Vila Nova de Gaia", cuja primeira página foi reproduzida neste calendário de bolso promocional ... "Tragédia Iminente!?"


1990

O edifício do antigo "Hotel da Granja" foi completamente restaurado em 2006 que, apesar de manter a traça original, foi transformado num edifício habitacional, conforme fotos seguintes.



fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca Nacional DigitalArquivo Nacional da Torre do Tombo, Delcampe.net, Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, Clube Amigos da Granja, mcf.a&a

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