Restos de Colecção: novembro 2017

30 de novembro de 2017

J. Nunes Corrêa & C.ª

O Armazem de Fazendas e Fato Feito “J. Nunes Corrêa & C.ª”, instalado no edifício esquina da Rua do Ouro com a Rua de S. Julião, em Lisboa, abriu as suas portas em 14 de Abril de 1856, tendo como seu fundador o alfaiate Jacinto Nunes Corrêa (1830-1905), oriundo de uma família de algibebes.

 Jacinto Nunes Corrêa (1830-1905) 


Gravura de 1885

Jacinto Nunes Corrêa foi um homem de fina educação e de apreciável cultura, já que cursara Medicina, que se viu forçado a abandonar, devido à morte de seu pai para se dedicar aos técnicos do corte; e se a Medicina perdeu, talvez, um grande médico o certo é que a alfaiataria ganhou o seu mais reputado industrial da época.

Inteligente e empreendedor, Jacinto Nunes Corrêa, que, sob orientação paterna se havia já iniciado anteriormente no ofício, foi, segundo a tradição, o comerciante do ramo que, antes de qualquer outro, realizou compras directas no estrangeiro, visitando anualmente Paris e outros centros da moda, sendo ele quem apresentou em Portugal a primeira máquina de costura "Singer".

«Jacinto Nunes Correia conseguira, então, que os alfaiates da sua casa cortassem calças melhor que o famoso Strauss, e assim obteve os favores dos elegantes do tempo e ser nomeado fornecedor da Casa Real, da melhor aristocracia e de todo o corpo diplomático. Foi o primeiro chefe português de alfaiataria a ir escolher as fazendas ao estrangeiro, e as fábricas de Inglaterra aguardavam a sua chegada para saberem as cores que haviam de lançar.
Homem de vistas largas e de grande coração, fundou no Asilo Maria Pia, uma oficina de alfaiate para desenvolver a industria em Portugal e criar os seus continuadores.»

 


“J. Nunes Corrêa & C.ª”, no edifício na Rua do Ouro com a Rua S. Julião, durante as comemorações do 5 de Outubro de 1911 e no edifício com as tabuletas da 2ª esquina, à esquerda na foto da direita

Interiores do edifício segundo projecto do arquitecto Hermenegildo A. Faria Blanc

Nas suas oficinas, chegaram a trabalhar sessenta costureiras sob a direcção de seis contra-mestres, alguns dos quais de nacionalidade francesa, espanhola e inglesa. Muito dos portugueses viriam a estabelecer-se por conta própria como por exemplo, Miguel Pereira Lourenço, António Marques, Alfredo Augusto Faria, Alberto Pereira da Silva, Manuel Antunes Cabral e António Pena.

Nascido em 1830, Jacinto Nunes Corrêa abriu um estabelecimento em 1856, de sociedade com Manuel Igreja e Jerónimo José de Abre, na esquina da Rua Augusta com a Rua de S. Julião, onde viria a funcionar mais tarde a casa bancária "Pancada, Moraes & C.ª ", onde ficou até 1871.

23 de Março de 1879

De progresso em progresso, acentuou-se o desenvolvimento da "J. Nunes Corrêa & C.ª ". pelo que, e por consequência, as suas primitivas instalações tornaram-se insuficientes para comportar o aumento excessivo dos seus clientes e encomendas. Mudaria a sua sede, em 1871, para umas instalações mais amplas localizadas na esquina da Rua do Ouro, 40-42 com a Rua de S. Julião, 150-156.

A alfaiataria, então apenas na posse do fundador, começou a expandir a sua actividade. No rés-do-chão do referido prédio, instalou-se a secção de vendas e um gabinete de provas. No primeiro andar o armazém de fazendas e no quarto andar as oficinas. O terceiro andar ficou reservado para a residência particular de Jacinto Nunes Corrêa, ficando desocupados o segundo e quinto pisos.

Contudo, em 1897, não só houve necessidade de utilizar os mencionados andares desocupados, como foi necessário anexar às instalações as lojas do prédio da Rua do Ouro, 46 e 48, que uma servia de livraria do livreiro Torres e a outra ao relojoeiro Bertholot. O edifício sendo, talvez, a mais vasta instalação de alfaiataria existente em Lisboa, custava uma renda anual de 800$000 réis (oitocentos mil réis), uma pequena fortuna para a época.

1893

 

1905

O político e olissipógrafo Luís Pastor de Macedo (1901-1971), no IV Volume de "Lisboa de Lés-a-Lés", referindo-se a esta firma narrava:

«Um dia, em 1880 o Infante D. Augusto mandou dizer a Jacinto Nunes Corrêa que queria fazer alguns fatos nas sua afamada casa. Foi um dos grandes dias que ali se viveram. Imediatamente Jacinto Nunes Corrêa, acompanhado por dois contra-mestres tomou um trem de praça, mandou ao cocheiro que tirasse o número da matrícula e aí vai, alvoroçado para o Paço. Tiradas as medidas para o fato de Sua Alteza, escolhidas as fazendas, a execução das obras foi vigiada  como se tratasse da execução da obra de arte mais sublime. Os alinhavos para a primeira prova foram feitos com a perícia de desenhador; as entretelas foram depois cosidas reverentemente; as casas, abertas com esmero pela melhor costureira das oficinas; o passar a ferro das obras foi saudado com emoção. O Infante gostou do trabalho; ficou freguês. Depois foi o Rei D. Luiz, por fim toda a Família Real que ali se afreguezou.(...)
Por esses tempos o feitio de uma casaca era pago lá na casa por 5$000 réis, o de um fraque 3$200 réis, o de um smoking por 3$100, o de um jaquetão por 2$000 réis, o de uma calça por 5 tostões e o de um colete por 480 réis. Preços elevados para a época, sem dúvida, mas tratava-se do primeiro alfaiate-mercador do país, e o freguês sabia que a obra de lá saída era impecável.»

Entretanto seu irmão possuía idêntico estabelecimento, na esquina da Rua de São Julião com a Rua Nova do Almada, com a designação de “Manoel Nunes Corrêa, Filhos & C.ª”.

Foram clientes ilustres, Almeida Garrett, o Conde de Farrobo, Manuel de Arriaga, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Rainha D. Amélia (fatos de amazona), etc.

Jacinto Nunes Corrêa faleceu com setenta e cinco anos em 10 de Novembro de 1905, mas antes já tinha dado sociedade a seu empregado Domingos José Ferreira Ribeiro (1875-?) e ao contra-mestre Jacinto Augusto Marques (1888-?). Dois anos mais tarde, a 26 de Fevereiro de 1907, entrariam para sócios Manuel Ribeiro e José Ferreira Ribeiro.

Foi da "J. Nunes Corrêa & C.ª" que saíram os antigos empregados Miguel Pereira Lourenço e Manuel Gomes dos Santos (era empregado e em 1926 abriria a sua própria alfaiataria também na Praça dos Restauradores), que fundariam, em 10 de Maio de 1910, a prestigiada alfaiataria "Lourenço & Santos, Lda.", instalada na esquina da Rua Primeiro de Dezembro com a Praça dos Restauradores, numa das lojas do "Avenida Palace Hotel".

"Lourenço & Santos, Lda."

Em 1919, depois de vendido o prédio onde estava instalada, a "J. Nunes Corrêa & C.ª ", muda de instalações e ocupa o prédio esquina da Rua Augusta, 250 com a Rua de Santa Justa, em Fevereiro de 1920. 

Esta firma tinha acabado de adquirir o edifício onde anteriormente tinha estado instalada a “Casa Brasil” desde 1912, tendo chegado a ocupar o prédio todo. As antigas instalações na rua do Ouro seriam ocupadas em 1919 pelo “London & River Plate Bank” entre 1919 e 1923 , ano em que se instala o “Bank of London & South America” (1923-1973), fundado nesse mesmo ano resultado da fusão do “London & River Plate Bank” (1919-1923) com o “London & Brazilian Bank Limited” (1862-1923).


Novas instalações na Rua Augusta

Nessa data fica constituída a firma "J. Nunes Corrêa & C.ª, Lda.", tendo como sócios os empregados João Alberto Pinheiro, Alfredo do Nascimento, Eugénio Augusto, António do Nascimento, José Maria dos Santos, Adelino Gonçalves Ribeiro e Jacinto Ribeiro Pires de Sousa, além dos sócios que já faziam parte do anterior pacto social: Jacinto Augusto Marques, Manuel Ferreira Ribeiro e Augusto José Ferreira Ribeiro.

Eugénio Augusto

Na revista “Illustração Portugueza” em 23 de Fevereiro de 1920, com algumas sérias imprecisões no texto


  


Instalações da“Casa Brasil”, em duas alturas diferentes, antes do edifício ter sido adquirido pela "J. Nunes Corrêa & C.ª" 

"J. Nunes Corrêa & C.ª, Lda." já no edifício da Rua Augusta (edifício de esquina)

Esta casa continuou na posse dos descendentes de Jacinto Nunes Corrêa até 1957, altura em que passou para Mário Leão, também ele alfaiate.

Em 14 de Abril de 1956 comemorava o seu Centenário

Em 1 de Janeiro de 1960 é criada a “J. Nunes Correia & C.ª, Imobiliária, Lda.”, com sede no mesmo edifício do estabelecimento comercial, Rua Augusta 250-252, e com o intuito de gerir os bens imobiliários da empresa.

Em 1974, a casa "J. Nunes Corrêa & C.ª, Lda.",  foi alvo da remodelação mantendo o que a caracterizava - loja bem decorada, forrada a painéis de madeira, ao estilo clássico, de fachada notável e na esquina uma placa comercial emoldurada por cantaria lavrada.

 

 

A "J. Nunes Corrêa & C.ª, Lda.", seria despejada do edifício que ocupava desde 1919, conforme edital de 20 de Julho de 2015.

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital

28 de novembro de 2017

Cinema do “Casino Estoril”

O primeiro Casino Estoril”, foi promovido por Fausto de Figueiredo, e projectado pelo arquitecto Raoul Jourde, em estilo Art Déco e inaugurado em 15 de Agosto de 1931. Com ele o primeiro Cinema do “Casino Estoril”.


6 de Setembro de 1931

 

Cartaz de 1932 e publicidade de 1934 com referência ao Cinema do primeiro “Casino Estoril”


1946

“Programa” do Cinema do primeiro “Casino Estoril”, para o período de 10 a 16 de Agosto de 1964

Programação semana no jornal “Diario de Lisbôa” em 23 de Dezembro de 1941

O novo Casino Estoril’”, viria a ser inaugurado em 28 de Março de 1968. Projectado pelos arquitectos Filipe Nobre de Figueiredo (1913-1990) e José Almeida Segurado (1913-1988), o projecto de decoração de interiores ficou a cargo de Daciano da Costa e José Espinho (“Móveis Olaio”), tendo este último desenhado todo o mobiliário.



Plantas do Corte Longitudinal e do Tecto da autoria de Eduardo A. Dias de Fevereiro de 1967 (© copyright Daciano da Costa Office)

Maqueta da sala (© copyright Daciano da Costa Office)

O cinema, teatro e anfiteatro, do novo “Casino Estoril”, com lotação para 452 espectadores, seria inaugurado em 2 de Abril de 1968 como o filme da “Walt Disney”, intitulado “Bailarina”. Esta sala de espectáculos foi projectada e decorada pelo arquitecto, professor, pintor e designer Daciano Henrique Monteiro da Costa (1930-2005), que  tinha iniciado a sua actividade em 1947, e estabelecido um atelier próprio em 1959.


Entrada do cinema do “Casino Estoril”



Sala de cinema, teatro e anfiteatro 

Quanto à sua inauguração em 2 de Abril de 1968, o jornal “Diario de Lisbôa” descrevia no dia seguinte:

«Cadeiras forradas a um tom verde mar, paredes de um castanho claro, mostrando os veios da madeira fina, um tecto de belos efeitos (recordando o do Teatro Villaret), alcatifas de verde-azul-marinho escuro, reposteiros igualmente azulados. Uma cortina que abre lateralmente para descobrir um 'ecran' de belas proporções.
Iniciada a sessão veríamos também que a projecção obedecia a todas as regras (pelo menos no refere ao 'ecran normal' que 'Bailarina' exigia). Iluminação correcta, óptimo som, boa visibilidade.
Lotação máxima. 452 lugares. Autor do projecto de decoração: Daciano da Costa, auxiliado por Jorge Vieira e Eduardo Afonso Dias. (...)
Este cinema do Casino Estoril destinar-se-á, em princípio, a 'reprises' de estreias recentes. A sua estreia de ontem justifica-se como inauguração solene da sala.»

 

Capa e contracapa de “Programa” do Cinema para o período de 20 a 29 de Setembro de 1968

“Programa” do Cinema para o período de 16 a 22 de Agosto de 1971

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Horácio Novais), Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital, Atelier Daciano da Costa

26 de novembro de 2017

Farmácia Barral

A "Farmácia Barral"  foi fundada em 1835 na Rua Áurea, em Lisboa, por José Maria Barral. Em 1849, seus irmãos Dr. António Francisco Barral, Dr. João Pedro Barral prestigiados professores da Escola Médica, e outro irmão Raimundo António Caetano Barral, associaram-se a José Maria Barral e formaram a firma "Barral & Irmão", e logo se transformou numa das mais importantes farmácias do país.

“Farmácia Barral” na Rua Áurea

Anúncio em 1863

Começa então um período de enorme actividade, fornecendo Hospitais, Laboratórios e Companhias, iniciando-se transacções importantes com as Ilhas e Colónias, mantendo a supremacia na venda, não só de artigos farmacêuticos, como toda a espécie de instrumentos de precisão.

Como tal, é a "Farmácia Barral" que fornece a nossa Marinha Mercante e Marinha de Guerra, a aparelhagem para os postos meteorológicos de Moçambique, Angola, Índia, Cabo Verde e Madeira, assim como as mais reputadas firmas de então e as mais nobres famílias da segunda metade do século XIX, incluindo a Casa Imperial do Brasil.


Por falecimento de Raimundo António Caetano Barral em 1879, assume a direcção seu parente Luís Barata Diniz, empreendedor e com a noção clara das necessidadesda época e que imprimiu à farmácia um forte movimento de progresso.

Em 1891, sucedeu-lhe seu primo António Alves Barata, farmacêutico, formado pela Universidade de Coimbra, espírito dotado de uma grande tenacidade e que soube dar ao seu comércio enorme impulso, nunca esquecendo a parte técnica inerente à sua responsabilidade profissional, que valorizou brilhantemente.

1909


1912

Ainda no século XIX a "Farmácia Barral" destacou-se pela excelência dos seus produtos, designadamente os manipulados, alguns dos quais, como o “Barral Creme Gordo”, conseguiram a rara proeza de confundir a marca comercial com o próprio produto. Ainda hoje, quando se diz «Creme Barral», quer dizer-se «Creme Gordo».

Tendo em conta a elevada procura do produto, são criados os “Estabelecimentos Barral” que permitem industrializar a produção de "Barral Creme Gordo". 

Rapidamente o negócio cresceu, atingindo tais proporções que os manipulados farmacêuticos da "Farmácia Barral" foram autonomizados em laboratórios próprios, chegando a ser os maiores do país. A sua produção foi notável e dos seus laboratórios, excelentemente apetrechados, saíram preparados farmacêuticos que ainda hoje são procurados. Concorrendo com os seus produtos a várias exposições internacionais, a "Farmácia Barral" em todas foi recompensado com honrosos prémios.

Laboratórios da “Farmácia Barral”  





1943



Em meados do século XX a "Farmácia Barral" adquiriu a "Farmácia Avelar", também muito conceituada na época e com instalações na Rua Augusta e Rua dos Sapateiros. Depois de vender as suas instalações originais e de absorver a farmácia então comprada realiza-se a mudança da "Farmácia Barral" para o número 225 da Rua Augusta, onde permanece até então.

Por morte de António Alves Barata, a "Farmácia Barral", passou a ser dirigida por Jayme Alves Barral, pessoa de incontestáveis méritos profissionais, que dotou o estabelecimento com todos os requisitos exigidos pela técnica moderna de então, impondo-o entre os mais categorizados e de maior destaque.








Ao longo do séc. XIX e da primeira metade do séc. XX o grupo foi crescendo e afirmando-se, transferindo a comercialização dos seus produtos do retalho para a distribuição e daqui para a indústria, sector onde alcançou o seu apogeu, nos anos 20 e nos anos 60 do séc. XX, sempre nas mãos da mesma família.

Envelope em 1931 

1951

1953

 Stand na “Feira das Indústrias de Lisboa”, em 1957

  

Após 1974 e o simultâneo falecimento do seu líder de então, o grupo entrou em declínio e acabou fraccionado, sendo os seus activos vendidos separadamente.

Em 2000 a marca “Barral” é vendida à empresa “Angelini Farmacêutica”, e em 2006 esta emblemática farmácia muda de novo de proprietário e dá o nome de "Rede Barral", iniciando um novo ciclo de existência.  

          

Cerca de 2013, a "Farmácia Barral", na Rua Augusta, sendo uma das mais antigas e mais relevantes farmácias portuguesas sofreu profundas obras de remodelação. No espaço agora modernizado, e que passou a contar com duas entradas, pratica-se hoje a mais avançada actividade de farmácia.

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Hemeroteca Digital, Farmácia Barral