Restos de Colecção: Fábrica de Gás de Belém

9 de novembro de 2014

Fábrica de Gás de Belém

A “Fabrica de Gaz de Belem” propriedade da Companhia “Gaz de Lisboa” entrou em funcionamento junto à Torre de Belém em Abril de 1889, começando por iluminar o bairro de Belém, e no mês seguinte estendendo o seu serviço pela cidade de Lisboa. Era a segunda fábrica de gás em Lisboa em concorrência com a “Fabrica de Gaz da Boavista” propriedade da "Companhia Lisbonense de Illuminação a Gaz" que tinha entrado em funcionamento em 1847.

“Fabrica de Gaz de Belem”

 

Panorâmica em 1940

Zona de Belém antes da implantação da Fábrica de Gaz, numa albumina de 1863 

A "Fabrica de Gaz da Boavista", foi a primeira fábrica de gás a ser instalada em Lisboa, tendo o seu regulamento sido aprovado em 10 de Março de 1847. A "Companhia Lisbonense de Iluminação a Gaz” ocupava, na Rua da Boavista, o antigo quartel da “Brigada Real da Marinha”. Construído o Aterro, planeou-se nova sede, com fachada nobre, em estilo gótico, sobre a artéria.Um dos engenheiros da Companhia, João Eduardo Ahrends, projectou a obra, que importando em 24 contos de réis, causou furor na Lisboa de 1865. Nas traseiras do edifício, na vasta área que ia da Avenida 24 de Julho até à Rua da Boavista, estava instalada a fábrica da gás que iluminava a cidade de Lisboa.

“Fabrica de Gaz da Boavista”

 

Quando em 1886 a Câmara de Lisboa denunciou o contrato de iluminação pública com a "Companhia Lisbonense de Illuminação a Gaz", fundada em 1846, e anunciou nos jornais de Lisboa, Berlim, Bruxelas, Londres e Paris a abertura de novo concurso, esta Companhia não mostrou interesse em concorrer. Surgiram, contudo, quatro propostas de Companhias estrangeiras. O interesse destas Companhias em obter a concessão da iluminação pública de Lisboa inscreve-se num período de internacionalização das empresas de gás.

Em Julho de 1887, a concessão foi atribuída à "Société d'Éclairage du Centre" a qual formou a Companhia “Gaz de Lisboa", com outras empresas concorrentes: a "S.A. Crédit Général de Belgique"; "Banque d'Escomptes de Paris"; "Compagnie Générale pour l'Eclairage et le Chauffage par le Gaz"; "Compagnie Générale Française et Continental d'Eclairage".

Gravura na revista “Occidente” de 21 de Maio de 1889

A revista “Occidente” de 21 de Maio de 1889 descrevia o início da actividade da nova “Fabrica de Gaz de Belem” :

«Antes de se principiarem os trabalhos tentou-se realisar uma fusão entre a nova companhia e a antiga, mas não tendo sido possível chegara a accordo, a companhia Gaz de Lisboa deu principio aos seus trabalhos aos seus trabalhos de installação, principiando por escolher local para a construcção do gazometro e mais officinas dependentes.
O logar escolhido foi em belem, n'um terreno proximo á torre e pertencente á Camara Municipal, que lh'o cedeu por licença mediante o pagamento de taxas annuaes susceptiveis de augmento proporcional ao dezenvolvimento de producção da nova companhia.
(...) Foi portanto n'aquelle mez (maio de 1888) que se principiou a construcção do gazometro e mais officinas que a nossa gravura reproduz.
O gazometro telescopico construido tem a capacidade de 20:000 metros cubicos em cuba metallica.
Junto construiram-se duas baterias de cinco fornos simples com oito retortas cada um, e mais duas baterias de cinco fornos de recoperação com nove retortas cada um.
Construiram-se armazens para carvão e outras officinas necessarias para o fabrico.
Esta fabrica assim organisada pode produzir 30:000 metros cubicos de gaz em cada vinte e quatro horas.
(...) Alem das construcções feitas em Belem, a nova companhia adquiriu na Avenida da Liberdade 700 metros de terreno para estabelecer uma estação electrica onde devem funccionar os apparelhos para a illuminação electrica da Avenida e estabelecimentos que queiram usar esta luz, sendo o Theatro de D. Maria II um dos que a vae aproveitar.
(...) Desde o mez de abril ultimo que o bairro de Belem se acha illuminado pela nova companhia, e por todo o proximo mez de junho deverá essa illuminação estender-se a toda a Lisboa
Parece que d'esta vez Lisboa ficará sufficientemente illuminada, porque alem do gaz da nova companhia apresentar mais força luminosa, que o antigo - e isto muito principalmente em consequencia da canalisação ser nova e mais ampla - o numero de candieiros é maior por estarem collocados a mais curto espaço uns dos outros.
Á actual Camara Municipal se deve este importante melhoramento e muito em especial ao seu digno presidente sr. Fernando Palha pela energia com que procedeu na intrincada questão da illuminação publica.»

“Fabrica de Gaz de Belem”, em 1912

 

 

Gazometros instalados no “Hipódromo de Belém”, com o Rei D. Manuel II, numa foto de 1910

      Scrubbers e chaminés dos fornos em 1938                              Fragata junto à Fabrica de Gaz, em 1912

 

Na sequência da obtenção deste contrato, a partir de 1889, a iluminação pública passou a ser assegurada pela Companhia “Gaz de Lisboa", enquanto a distribuição do gás a particulares era realizada em concorrência por esta Companhia e pela "Companhia Lisbonense de Illuminação a Gaz". Esta situação manteve-se até 1891, altura em que se verificou a fusão entre as duas empresas.

Resultante da fusão entre a “Companhia Lisbonense de Illuminação a Gaz” (1848) e a companhia “Gaz de Lisboa” (1887), constituiu-se a 10 de Junho de 1891, em Lisboa, a sociedade “Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade” (CRGE), para produzir e distribuir gás e electricidade.

À data da sua constituição, foram designados seus administradores o Barão G. de Soubeyran (presidente), Conselheiro Augusto César Barjona de Freitas (vice-presidente) e António Centeno (secretário). Em 1897, A “CRGE” toma parte no capital da “Companhia de Gaz do Porto” ao adquirir mais de metade das suas acções.

1910

Palácio do Conde de Sabrosa, na esquina da Av. Fontes Pereira de Melo com a Rotunda, futura sede da “Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade” (CRGE)

A CRGE toma posse de todas as instalações de produção e distribuição de gás existentes à data da sua constituição: as fábricas de gás da Boavista e de Belém, os gasómetros da Boavista, Pampulha e Bom Sucesso, e cerca de 400 000m de canalizações. O número de consumidores privados era à época, superior a 13 000, sendo o preço fixado para o gás de 45 reis/m3 e de 30 reis quando utilizado para o accionamento de motores. Expande a rede de canalização de gás para os concelhos de Oeiras, Cascais, Sintra (1899) e Setúbal (1903), tendo neste último adquirindo uma fábrica de gás aí existente.

Em 1915, a rede de gás está praticamente estabilizada, com uma capacidade de produção nas duas fábricas que atingia 35.000.000 m3/ano e 500 km de canalizações; o número de consumidores aumenta para 36.700. Será no período da 2ª Guerra Mundial que se sentirá um significativo aumento dos consumos e do número de consumidores, apesar das dificuldades na obtenção de combustível, quando o Governo decidiu aplicar um plano de restrições aos consumos de energia eléctrica, deixando livres os do gás.

A “Fábrica de Gaz de Belém” seria desactivada no dia 9 de Junho de 1949, tendo sido iniciada a sua demolição em 18 de Agosto de 1949, e concluída em 7 de Junho de 1950.

Fábrica no dia que parou a sua actividade, em 9 de Junho de 1949

 

Demolições iniciadas a 18 de Agosto de 1949

 

Fotos de Maio de 1950

 

Destruição das chaminés, com dinamite, em 7 de Junho de 1950

 

Após a demolição total e limpeza da área em Junho de 1950

 

Projecto do arquitecto Faria da Costa de 1956 para a “Zona de Protecção da Torre de Belem

1956 Zona de protecção da Torre de Belém

Projecto e execução do enquadramento paisagístico da “Torre de Belém” viria a ser realizado pelo arquitecto paisagista António Viana Barreto

Área envolvente da “Torre de Belém”, actualmente

Em 8 de Junho de 1944, seria inaugurada uma nova fábrica de gás, na zona da Matinha, a “Fábrica de Gás da Matinha”, em substituição das da Boavista e de Belém, entretanto desactivadas.

“Fábrica de Gás da Matinha”

Fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Hemeroteca Digital

4 comentários:

João Celorico disse...

Caro José Leite,
Por este “post” fiquei a saber o que se passou na zona envolvente da Torre de Belém mas mais interessante, porque era para mim um enigma, é o conhecimento da “Fábrica de Gaz da Boavista”. Habituei-me a ver os restos daquele edifício que, como diz, “em estilo gótico que causou furor na Lisboa de 1865”, desconhecendo o que teria sido. Agora, o que posso dizer é que, ao que me parece, não está a causar nenhum furor a destruição do que dele resta.
Lembro-me que, na década de 50 e talvez ainda 60, ali havia um recinto de patinagem e penso que também da prática do basquetebol, que era utilizado pelo “Lisgás”, clube ligado à empresa. Também naqueles terrenos “habitou” durante algum tempo o parqueamento da Sociedade Comercial Guérin.
Por último, uma pequena correcção. Houve um lapso na data de aprovação do regulamento, 10 de Março de 1847 e não 1947!

Cumprimentos,
João Celorico

José Leite disse...

Caro João Celorico

Grato pela sua correcção, e habitual colaboração.

Realmente foi erro de digitação. Todos nós sabemos das demoras nas aprovações de regulamentos ou projectos em Portugal, mas 100 anos ... já seria demais ...

Com os meus agradecimentos, os meus cumprimentos

José Leite

Arquitontices disse...

O jardim envolvente à Torre de Belém que encontramos hoje é da autoria do arquitecto António Viana Barreto, em 1954, julgo eu; este trabalhará mais tarde com Gonçalo Ribeiro Teles nos jardins da Fundação Gulbenkian.

referência na ficha do SIPA (Sistema de Informação do Património Arquitectónico): http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=27093

José Leite disse...

Arquitontices

Grato pela informação

Cumprimentos

José Leite