No século XVIII a construção de mecanismos dos instrumentos de música, e dos mesmos, encontrava-se localizado nos armazéns de Paris e Londres. A partir destes epicentros eram exportados para toda a Europa, ao qual Portugal não ficou alheio e tornou-se em mais um ponto de recepção através dos armazéns dirigidos por músicos estrangeiros aqui radicados. Foi por influência de músicos como João Baptista Waltmann ou João Baptista Weltin, ambos instrumentistas na Real Câmara, que se inaugurou a comercialização especializada de instrumentos e artigos de música importados, a par da edição musical que conheceu, também ela, um processo de expansão no mesmo período igualmente por influência estrangeira. Recordo que actividade comercial ligada à venda de música (partituras) aparece registada no século XVIII, nomeadamente com Francisco Domingos Milcent em 1787.
Pedro Marchal e João Weltin nos "Avisos" da "Gazeta de Lisboa" de 12 de Novembro de 1791
Já em 1645 ...
"Comedia Moral, e Jocoza" composta por Pero Salgado em 1645, para o "Theatro do Mundo"
Na edição deste artigo acerca destas três importantes músicos, comerciantes e personalidades no meio musical do final do século XVIII e e início do século XIX em Lisboa, inicio cada capítulo referente a um músico com uma pequena resenha biográfica, que para tal me socorri, mais uma vez, da belíssima obra "Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes". Esta obra é da autoria do musicólogo, pedagogo, flautista e compositor Ernesto Vieira (1848-1915) e foi editada, em 1900, pela conceituada e famosa Casa Lambertini, propriedade do grande pianista, afinador e fabricante de pianos, Luiz Joaquim Lambertini (1862-1920).
João Baptista Waltmann
João Baptista Waltmann foi o primeiro vendedor especializado de instrumentos, com uma oferta consideravelmente variada de artigos, regularmente anunciada na "Gazeta de Lisboa". Trompista de origem alemã, com registo de entrada para a Irmandade de Santa Cecília em Maio de 1791, Waltmann foi um músico particularmente activo na sua actividade comercial, mas também enquanto músico.
A partir de 1798 a colocação de anúncios começou a intensificar-se numa lógica de competição clara, a partir da implementação no mercado do seu concorrente mais directo, João Baptista Weltin. Uma semana depois da colocação do aviso de João Baptista Weltin anunciando para venda um «sortimento de instrumentos de vento de todas as qualidades; e que tambem vende instrumentos Mathematicos e Nauticos» (GL 44: 1799/10/29). Os anúncios de ambos os armazéns passam a destacar agora a variedade e quantidade de instrumentos disponíveis, fornecendo cada vez mais detalhes, numa intensificação das estratégias de marketing, para atrair o público interessado. A partir de 1800 Waltmann expande a sua actividade à edição musical, a qual abandonará em 1803 e só voltará a ser relançada pela firma “Viúva Waltmann e filhos”, no ano após a sua morte em 1824.
João Baptista Waltmann, a exemplo dos seu colega de profissão e concorrente comercial João Baptista Weltin (que falarei de seguida) anunciava, pontualmente, a venda no seu armazém de outros produtos, importados ou não, como era o caso de «hum sortimento de Cartas Geograficas do Reino de Portugal, divididas em oito Mapas», «excellente jaleia de França», «arêa luminosa para escrita da mais fina que tem apparecido» ou xaropes. Tratando-se sobretudo de produtos de luxo que apontavam para um público aberto ao consumo sofisticado e à aquisição das novidades em voga na Europa, e que não por acaso aparecem num jornal ("Correio Mercantil") mais directamente associado a um público ligado à actividade comercial.
João Baptista Weltin
Era collega de Waltmann, em 1791, na orchestra do theatro da Rua dos Condes, e na da Real Camara onde tocava fagotte.
Parece que era tambem habil no oboé e na flauta, pois que annunciou um concerto em seu beneficio no referido theatro,
dizendo que executaria no "fagotte, boé e flauta differentes tocatas."
Em 1795 tinha um armazem de musicas e instrumentos defronte da egreja dos Martyres nº 21 o qual se conservou até pouco depois de 1823.» (*)
João Baptista Weltin, como vimos, além de ter desenvolvido uma importante actividade como músico, a expansão da sua actividade à comercialização de música (partituras) e instrumentos importados teve início no ano de 1798, ano em que ...
A sua actividade comercial abarcou também a distribuição de música impressa importada e a sua, aparentemente limitada, actividade como editor está documentada pelo anúncio à subscrição de dois periódicos de música. Logo no ano seguinte de início de actividade, em Outubro de 1799, Weltin abandona a razão social anunciada de "Real Fabrica de Musica", talvez por se confundir com a de Francisco Domingos Milcent - "Real Fabrica e Impressão de Musica" com alvará obtido em 1788 e localizada «ao largo de Jezus». A partir de então anuncia-se como «Musico da Camara de S. A. R., morador na rua dos Martyres, na esquina que vai dar ao Real Theatro de S. Carlos» in: "Gazeta de Lisboa" de 29 de Outubro de 1799.
Em 1816 faz seu sócio seu irmão Luis Gonzaga Weltin, do qual não há registo de actividade como músico nem aparecendo inscrito na "Irmandade de Santa Cecília". Constituem então a firma "João Baptista, e Luiz Weltin com armazem de musica defronte da igreja dos Martyres, 21", onde se manteriam até 1824.
24 de Abril de 1820
Em 1816 faz seu sócio seu irmão Luis Gonzaga Weltin, do qual não há registo de actividade como músico nem aparecendo inscrito na "Irmandade de Santa Cecília". Constituem então a firma "João Baptista, e Luiz Weltin com armazem de musica defronte da igreja dos Martyres, 21", onde se manteriam até 1824.
24 de Abril de 1820
Pedro Anselmo Marchal
Apresentou-se aqui com a mulher, que era harpista, pelos fins de 1789, dando um concerto na "Assembléa das nações estrangeiras" a 12 de dezembro do mencionado anno. Em 31 de maio do anno seguinte annuncio: um ultimo concerto na mesma assembléa, dizendo assim o respectivo annuncio publicado na "Gazeta de Lisboa" :
"Segunda feira 31 do corrente, nas casas da Assembléa das Nações estrangeiras, darão Mr. e Madame Marechal o seu ultimo concerto de cravo e harpa, em beneficio dos mesmos. Tocarão duetos, modas com variações, e varias tocatas da sua composição; e além disso cantarão os cantores da Camara de S. M. Principiará ás horas costumadas."
Faziam valer os seus merecimentos estes concertistas francezes, pois cada bilhete de entrada custava 1:600 réis, quantia que hoje equivale a mais do dobro.
Em 6 de junho de 1791 deram outro concerto no theatro da Rua dos Condes. Seguidamente, Pedro Marchal estabeleceu um armazem de musicas na rua das Parreiras, defronte da egreja de Jesus, annunciando-o pela primeira vez na "Gazeta" em 16 de setembro d'aquelle anno.
Logo no anno immediato se associou com o gravador, tambem francez, Francisco Milcent, tomando então o estabelecimento o titulo de "Real Fabrica e Impressão de Musica". O annuncio que lhe diz respeito, sahiu em 17 de julho de 1792. E o primeiro emprehendimento dos dois socios foi a publicação de um "Jornal de Modinhas", collecção muito curiosa que Milcent continuou depois de se separar de Marchal. Esta separação teve logar em junho de 1795, indo Marchal estabelecer-se no Chiado e Milcent na rua de S. Paulo defronte da,casa da Moeda.
Marchal deixou ao seu consocio a especialidade das modinhas, dedicando-se a gravar as proprias composições e arranjos; entre as primeiras figura um duetto concertante para cravo e yiolino, uma collecção de vinte e quatro "Preludos ou Caprichos" para cravo, seis "Rondós" para cravo e flauta, e urnas variacões sobre o thema "As Azeitonas novas". Este thema era um dos pregões que as antigas vendeiras de Lisboa cantavam com muito notavel melodia. Além d' estas e outras composições originaes gravou tambem diversos arranjos de obras de Pleyel e outros auctores. Tudo isto representa, corno bem se póde suppor, o trabalho de um compositor medíocre que explora o gosto do vulgo.
Entretanto Pedro Marchal e sua mulher davam todos os annos um concerto na Assembléa dos estrangeiros, onde eram muito applaudidos. Em novembro de 1795 annunciou um concerto de despedida dizendo que partiam para Madrid ; mas ainda depois d'isso estavam em Lisboa, pois que elle em março de 1796 annuncia novas composições á venda no seu estabelecimento. D'esta data em diante é que não encontro mais noticias a seu respeito.» (*)
As edições de Pedro Anselmo Marchal foram apresentadas em português, italiano (língua franca da cultura musical) ou francês (sua língua pátria), como esta: «Sonate Favorite arrangée pour le clavecin ou Piano Forte, avec accompagnement de violon, par P.A. Marchal, Oeuvre 12, Prix 530. Lisbonne, en Caza de P.A. Marchal. Editeur & Marchand de Musique privilegié de S. M.»
Além das suas próprias produções - «Avisa de que imprime um jornal de 24 preludios ou caprichos para cravo de forças graduaes, todos da sua composição» in: "Gazeta de Lisboa" de 20 de Novembro de 1795 - o músico procurou oferecer serviços mais diversificados, gravando e estampando mas, aparentemente, se considerarmos que em breve passaria a Espanha, sem grande sucesso comercial:
28 de Março de 1794
24 de Outubro de 1795
A fim de abrir a sua casa comercial a "Junta do Commercio", criada pelo Marquez de Pombal em 1755, e que mudaria de denominação, em 1788 para "Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas e Navegação destes Reinos", emitiria o seguinte parecer (excerto):
«Pretendem Pedro Anselmo Marchal Professor de Muzica e sua Mulher Mara Thereza por se terem aplicado a abrirem Chapas para impremir muzica, que V. Magestade lhe conceda a necessaria licença para o estabelecerem huma Fabrica de impreção de muzica, com a clauzula de que nehuma Pessoa possa contrafazer ou mandar impremir as obras, que da dita sua Fabrica sahirem. (...)»
Já em 1842 uma notícia ...
(*) - in: "Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes" de Ernesto Vieira (1900)
Bibliografia:
- Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais (Musicologia Histórica) - "O Violoncelo na Música Sacraem Portugal entre 1750 e 1834" de Diana Gomes Vinagre - Fevereiro de 201 - NOVAFCSH
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital