O Circo e Teatro "Recreios Whittoyne", propriedade de sociedade por accções "Empreza Exploradora de Recreios Whittoyne", fundada pelo palhaço Henry Whittoyne, foi inaugurado em 6 de Novembro de 1875, nos jardins do "Palácio Castelo Melhor" - concluído em 1858 - actual "Palácio Foz”. O projecto ficou a cargo do arquitecto Domingos Parente da Silva (1836-1901). Estas primeiras instalações eram compostas por um circo, teatro, café, restaurante, casa de jogos diversos, alamedas e jardins iluminados.
"Recreios Whitoyne" dentro da elipse desenhada, com a Avenida da Liberdade recém construída
16 de Setembro de 1876
Em 12 de Janeiro de 1879 «um dos mais pavorosos e rapidos incendios que a cidade ultimamente tem presenciado» teve lugar nos "Recreios Whittoyne", tendo provocado avultados prejuízos estragos, das quais se deram conta na notícia do "Diario Illustrado" do dia seguinte e que publico de seguida:
No dia 15 de Janeiro de 1878, uma boa notícia era dada pelo "Diario Illustrado":
«Os accionistas dissidentes da empreza exploradora dos Recreios, uniram-se com o louvavel fim de nomearem uma grande comissão para obter donativos destinados á reparação dos estragos do incendio e construir uma rotunda mais alta, e terraplanar a parte incendiada, de modo que fique unida á esplanada.
Estas obras vão começar ámanhã, e é de crêr que os promotores de tão louvavel idéa encontrem todo o auxilio entre os seus amigos e os accionistas da empreza.»
Noutra pequena nota, no mesmo jornal: «Consta que a direcção dos Recreios, em nome da empreza, manda celebrar na proxima sexta-feira, oitavario do passamento do nobre marquez de Castello Melhor, uma missa de Requiem na parochial egreja de Santa Justa, sendo o 'Libera me' executado pelos artistas da companhia italiana e toda a orchestra do theatro.
A direcção resolveu convidar para este solemne acto toda a familia e amigos do finado e a imprensa da capital»
E ainda, no tocante ao incêndio ... «A direcção dos Recreios auxiliada por todos os membros dos corpos gerentes, e alguns amigos particulares, realiza na proxima 2ª feira um beneficio destinado a attenuar os importantes prejuizos que o sr. Achiles Lupi soffreu no incendio.
Nada resta do opulento guarda roupa e abundante scenario que eram o ganha pão de tantas familias.
Os promotores d'esta recita empregam todos os seus esforços para que ella seja o mais productiva possivel, e assim succederá porque o nosso publico está prompto sempre a socorrer os que padecem com taes calamidades.»
Em 26 de Junho de 1879 umas "Variações" de Raphael Bordallo Pinheiro em "O Antonio Maria":
«O Passeio Publico, segundo annunciam os jornaes, esta sendo frequentado pelo que ha de mais selecto na sociedade lisbonense.
O Diario Popular, em abono d'esta asserção, e para que no espirito das familias mais meticulosas não ficasse restando a menor duvida, ainda na segunda-feira dizia o seguinte:
"Tendo havido alguns roubos no Passeio Publico do Rocio, parece que a sra. Amann vae requisitar para alli alguns policias. O Antunes e o Castello Branco já hontem fizeram bom serviço!"
Caspité! Passeio Publico, a que alturas tu subiste! Tal qual o que ha cousa de cinco ou seis mezes aconteceu nas salas da Ajuda!...
Os Recreios agora é que não devem ficar atraz do seu rival, e esperamos, d'um momento para o outro, ler o seguinte aviso nos jornaes, como réplica ás pretenções de bom tom do Passeio:
"Hontem a esplanada foi concorrida pelo que ha de mais distincto na nossa sociedade. Cerca d'uma duzia de senhoras ficou sem brincos nas orelhas, e oa pé do coreto foi assassinado e roubado um sujeito, do qual por enquanto se ignora o nome.
A noite estava muito amena. Aos Recreios, pois." »
Quanto à frequência, propriamente dita, do "Theatro dos Recreios" o mesmo "O Antonio Maria" comentava:
«Nos Recreios é agora costume, quando algum espectador dá provas de desagrado aos bailados de Fuensanta, ou aos 'arrepios' da Moriones, levantarem-se a claque e o grupo de 'eternos admiradores' d'aquelles dois astros, bradando para o que pateia: - Pum, pum, fóra burro!
Parece-nos um mau costume esta troca de nomes.
O Soares deve ter muito cuidado, senão, d'aqui a pouco, são muito bem capazes de lhe comer o fundo das cadeiras.
Dar-se-ha o caso de que os Recreios se tenham mudado para Cacilhas sem a gente dar por isso? »
15 de Julho de 1880 8 de Agosto de 1880
Estas instalações seriam substituídas pelo Grande Colyseu, que vira a ser designado ora por "Colyseu dos Recreios" ora por “Theatro dos Recreios” e cuja construção, no mesmo local, teve início em 6 de Junho de 1881 sob projecto do arquitecto Parente, com um custo total de 26 contos de réis. Seria inaugurado, em 27 de Maio de 1882, com um sarau «gymnastico-equestre» oferecido pelo "Real Gymnasio Club Portuguez", em benefício dos "Albergues Nocturnos de Lisboa".
«Os Albergues Nocturnos, creados para acudir aos desvalidos, aos verdadeiros desgraçados que nem podem acolher-se nas sombras da noite sob um tecto que lhe abrigue os gemidos da sua triste miseria, pertencem ao numero das instituições de caridade mais dignas do alto respeito.
Sua magestade el-rei consagra-lhe entranhado amor.» in: "Diario Illustrado"
"Theatro dos Recreios" em 27 de Maio de 1882
Em 29 de Maio de 1882, o jornal "Diario Illustrado" publicava uma pequena notícia, a propósito da sua inauguração:
«O salão a que nos referimos e cujas janellas deitam para o largo do passeio, é vastissimo, alegre, decorado com simplicidade, mas em extremo confortavel.
Segue-se-lhe a loja de bebidas, uma sala excellentemente disposta, cheia de ar e de luz, onde não é facil acotovellar-se a gente, o que é vulgarissimo nos restaurantes dos nossos theatros, succedendo frequentes vezes uns desastres mais ou menos comicos que todos conhecem.
Do salão de entrada uma larga escada conduz ao Coliseu.
Sem nos querermos alargar em detalhes e sendo o nosso unico fim relatar a impressão, se pode dizer, de momento diremos, comtudo, que o aspecto geral do circp, talvez porque o velho e hoje extincto circo Price nos esteja ainda bem patente na memoria não é completamente animado, como parece convir a este genero de casas de espectaculos.
A luz, por exemplo, pareceu-nos em pouca quantidade e mal distribuida.
O gosto decorativo agradou-nos bastante, senão no todo pelo menos em parte, tal como a architectura e pintura dos arcos e tecto entre aquelles e os camarotes, os quaes resentindo-se igualmente de falta de luz não era facil examinal-os.
E não ficariam estes muito distantes da arena? Assim nos parece.
Em compensação os logares de fauteils e cadeiras são magnificos e muito commodos.
A obra cremos não está ainda completa e a noite de hontem daria logar a um ensaio muito para aproveitar.
Perto das 9 horas chegando suas magestades ao camarote e sendo executado o hymno real, deu-se comeco ao espectaculo.»
E a revista
"Occidente", também aquando da sua inauguração, e que publiquei no artigo "
Recreios Whittoyne" em 28 de Dezembro de 2017:
«O coliseu é um recinto vasto: a arena é mais pequena que a do antigo circo de Price, mas em geral o circo é muito maior e comporta muito mais espectadores. Tem quatro qualidades de logares: 560 cadeiras, logo em torno da arena; 200 fauteuils por detraz das cadeiras na disposição em que o circo de Price eram os camarotes, 2000 logares de geral, pelo mesmo systema d'aquelle circo, e por cima da geral 62 camarotes n'uma ordem só.
Estes camarotes fazem mau effeito porque estão collocados a uma grande altura, mais altos que a 2ª ordem de S. Carlos e as divisorias convergindo todas para o centro da arena, tornando-os muito incommodos para os espectaculos que se derem no theatro.
Em frente do palco, por cima da entrada principal do circo, ficam os camarotes reservados para el-rei D. Luiz e para el-rei D. Fernando, para o proprietario do terreno dos Recreios, a filhinha do falecido marquez de Castello Melhor, e para a direcção da sociedade exploradora dos Recreios Whittoyne composta hoje dos srs. José Miguel Marques Rego, Julio Cesar da Silva e José Carlos Gonçalves.
A ornamentação do coliseu é pobre, mas da pior das pobrezas, d'aquella que finge rica e que no fim de contas sae carissima mais tarde.
Como circo o coliseu preenche as condições necessarias, mas como theatro deixa muito a desejar.
Parece-nos que foi um erro, na nossa terra e no nosso tempo, ao construir uma grande casa de espectaculos, pensar mais em fazel-a um circo de que um theatro.
No deliniamento do coliseu dos Recreios fez-se isso. Não é um theatro circo: é um circo, que em caso de necessidade arremedeia para theatro. (...)
O palco é acanhado, não tem urdimento que comporte o movimento theatral, o tablado não tem o declive proprio, de modo que as figuras que n'elle trabalharem, quando estiverem em varios planos empastam-se.
A sala depois de armada em platea é plana sem declive, de modo que os espectadores de traz difficilmente poderão ver o que se passa no palco, vendo apenas as cabeças dos espectadores que lhes ficarem á frente.
Dos camarotes muitos d'elles são inteiramente perdidos para os espectaculos theatraes, porque não se vê d'elles o palco.
Do aspecto geral do coliseu da sua architectura e ornamentação dá conta a nossa gravura.»
O “Theatro dos Recreios”, teria uma existência curta já que em virtude da construção da estação central ferroviária do Rossio, os seus terrenos viriam a ser expropriados. O seu último espectáculo ocorreu em 9 de Julho de 1887, com a exibição da ópera “La Traviata”. Oito dias depois já estava demolido. Recordo que estas construções eram em madeira pelo que a sua demolição era sempre rápida, assim como quando ocorria um incêndio as consequências eram devastadoras.
«Hoje repete-se a "Traviata" em recita dedicada aos srs. accionistas e portadores de obrigações na qual teem entrada por meios preços; no espectaculo de ante-hontem agradou muitissimo a sra. Helder, tenor Bruni e distincto baritono amador mr. Leon Hollemart.
O producto d'estes espectaculos reverte a favor do pessoal ao serviço d'aquella empreza que vae ficar desempregado.»
De referir que as suas ultimas representações já tiveram no
"Theatro da Trindade" (inaugurado em 30 de Novembro de 1867)
, que foi alugado pela direcção dos
"Recreios Whittoyne", para o efeito.:
«Em consequencia da direcção dos Recreios não ter consentido que a companhia continuasse a funccionar no Colyseu embora o seu emprezario tivesse obtido do sr. marquez da Foz, proprietario do terreno, licença para haver espectaculos até ao dia 10, o emprezario sr. Santos Junior, como hontem dissemos, tratou de alugar o theatro da Trindade para a continuaçao das representaçoes da companhia de zarzuela e baile, realizando hoje o primeiro espectaculo n'este theatro com a bella operetta a Mascotte. (...)
Estamos convencidos que a companhia lucrou grandemente, com a vinda para a Trindade o nosso unico theatro adequado aquelle genero de canto.
Com a grande reducção dos preços, tanto a empreza como o publico hão de certo lucrar bastante.» in: "Diario Ilustrado" de 2 de Julho de 1887.
Em 14 de Agosto de 1890, viria ser inaugurado o "Colyseu dos Recreios", na Rua de Santo Antão, em Lisboa.