O “Quarteto” - 4 Salas 4 Filmes - propriedade de Pedro Bandeira Freire e projectado pelo arquitecto Nuno San-Payo, foi inaugurado em 21 de Novembro de 1975, na Rua Flores de Lima (paralela à Avenida Estados-Unidos da América), em Lisboa.
Pedro Bandeira Freire (1939-2008), foi fundador da “Livraria Opinião”, tendo sido autor de vários livros de poesia e teatro, tendo mesmo publicado em 2007 o volume de memórias "Entrefitas e Entretelas". Foi ainda letrista, jurado em festivais de cinema nacionais e estrangeiros e colaborador da imprensa, rádio e televisão, exercendo inclusivamente funções de consultor de cinema na RTP. Estreou-se na realização com a curta-metragem "Os Lobos" (1978) e foi actor em "A Crónica dos Bons Malandros" (1984), filme realizado por Fernando Lopes com base no livro homónimo do jornalista e escritor Mário Zambujal. Foi ainda argumentista em "A Balada da Praia dos Cães" (1987), longa-metragem de José Fonseca e Costa a partir do romance com o mesmo nome de José Cardoso Pires.
Pedro Bandeira Freire
O “Quarteto” era constituído por quatro pequenas salas de cinema, com lotação total de 716 espectadores, situadas entre a cave 1º piso térreo. No rés-do-chão ficavam o bar e bilheteiras.
No dia seguinte à sua inauguração o jornal “Diário Popular”, relatava:
«As quatro salas, com uma média de 170 lugares cada - para cujo funcionamento trabalham 22 pessoas - oferecem aos cinéfilos quatro filmes diferentes, a horas que se ajustam aos diversos interesses dos espectadores, num total de dezoito exibições diárias.
Os preços dos bilhetes no novo cinema - onde não há lugares numerados - são de 27$50 para as sessões da tarde e de 32$50 à noite.
Para assinalar a inauguração das quatro novas salas de cinema, a gerência do Quarteto enviou convites a diversas individualidades, entre as quais a representantes dos orgãos da informação. Lamentamos que os promotores desse acto inaugural, marcado para o meio da tarde de ontem, se tenham dele esquecido, pois não havia ninguém para receber os convidados, nem qualquer pessoa, idónea, que fornecesse elementos sobre o empreendimento.
Chegou-se, olhou-se e falou-se ... com gente estranha ao Quarteto.»
O aparecimento do “Quarteto” fez com que os lisboetas pudessem ter acesso ao apelidado “cinema alternativo”, longe da programação de êxitos seguros que, a revolução de 1974 colocava na ordem do dia noutros cinemas de Lisboa. No dia da sua inauguração, 21 de Novembro de 1975, o cinema foi esplendorosamente celebrado com quatro filmes: “Um Filme Doce”, de Dusan Makavejev; “E Deram-lhe uma Espingarda” de Dalton Trumbo; “Amor em Tons Eróticos”, de Zai Metterling e “S. Miguel Tinha um Galo”, dos irmão Tavianni. Daí para a frente foi um longo caminho de sucessos, paixão e reconhecimento pelo investimento feito nesta sala de cinema.
O “Quarteto” não se dirigia somente ao bairro onde estava inserido, mas sim para toda a cidade e arredores, visto que as pessoas se dirigiam a este espaço por causa de um determinado filme ou autor. O público poderia ser constituído por universitários, pelos cinéfilos formados nos cineclubes ou nos ciclos de cinema da “Fundação Calouste Gulbenkian”, pelos espectadores fiéis da Cinemateca, que em 1981 foi alojada numa das salas deste cinema devido a um incêndio que destruiu o edifício da Rua Barata Salgueiro e pelos simples espectadores que estavam fartos da programação sem grande qualidade que vigorava nas outras salas de cinema. Este espaço também se servia de esquemas de angariação de público como as extensões das Quinzenas dos Realizadores ou das Perspectivas do Cinema Francês, saídas do Festival de Cannes, mostras de filmes soviéticos, maratonas que assinalaram o inicio de actividades de revistas como “Isto é Espectáculo!” e “Isto é Cinema!” e até mesmo os aniversários do próprio cinema.
Outra iniciativa foi as célebres sessões da meia-noite que o “Quarteto” promovia e que se prolongavam pela noite fora nas suas quatro salas. Esta iniciativa denominava-se de “A Memória do Cinema” e o seu slogan era Cinema até ao desfalecimento e muitas situações bizarras ocorreram nestas sessões como: espectadores que faziam as necessidades fisiológicas dentro das salas, como também a demora de um espectador em abandonar em sala...quando os funcionários estranharam a demora, descobriram que ele estava morto. Fora um "cinéfilo até ao desfalecimento", na opinião de Pedro Bandeira Freire.
Este espaço também se dedicou ao teatro, sendo que a primeira peça exibida foi “A Verdadeira História de Jack, o Estripador”, protagonizada por Ana Zanatti e Zita Duarte e encenada por Carlos Avillez. A autora, Isabelle Hupert, esteve presente na plateia no dia de estreia.
Apesar do seu grande sucesso até aos anos 90 do século XX, foi decaindo já durante o novo século XXi, tendo encerrado, definitivamente, em 16 de Novembro de 2007, em consequência de uma vistoria da “Inspecção Geral das Actividades Culturais”, que considerou não reunir condições de segurança, em virtude de não ter saídas de emergência em número suficiente, não estar equipado com sistema de detecção de incêndios, e os revestimentos de paredes e pavimento serem inflamáveis.
Na altura, era a “Associação Cine-Cultural da Amadora” que explorava o cinema, que, no ano anterior, estava ainda nas mãos da distribuidora “Filmes Castello-Lopes”. Entretanto, o edifício foi comprado em 2013 pela “Igreja Plenitude de Cristo”, que acabou por não o utilizar. Depois das devidas obras de transformação, promovidas pela sua nova proprietária, a firma “Eternoriente”, foi convertido em edifício de escritórios, em 2017.
fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Cinemas do Paraíso