Restos de Colecção: setembro 2024

29 de setembro de 2024

Farmácia Andrade

Em 1 de Julho de 1837, Francisco Fortunato de Assis, um dos farmacêuticos mais conceituados do seu tempo, inaugurou um estabelecimento pharmacêutico (à época "botica") na Rua do Alecrim, nº 52, em Lisboa. Foi o primeiro estabelecimento do ramo a utilizar o sistema de esterilização de Pasteur. Em 1855 ainda se mantinha neste estabelecimento.


1945


"Farmácia Andrade, Lda." à direita a seguir ao candeeiro ("Nabo")

Anos mais tarde a famosa Maria Rattazzi no seu não menos famoso livro "Portugal de Relançe" de 1880, quanto a pharmacias ...

«Se os armazéns de modas se encontram a cada passo em Lisboa, as pharmacias pullulam : deparam-se-nos em todas as ruas, á direita, á esquerda, na frente, na rectaguarda. Terá este paiz mais doentes do que outro qualquer? Não. E uma necessidade do território. Se eu fosse portugueza e os meus instinctos me chamassem á vida industrial, preferiria sem hesitar a arte de Diafoirus: n'este paiz pode-se ter a certeza de enriquecer envenenando o próximo. Imaginem que rendoso commercio ! Um sujeito compra por 2$400 réis um barril de 50 kilos de magnésia purgativa, que vende, a rasão de 10 réis cada gramma, n'uma elegante caixinha de cartão pintado. De uma parte 4$800 réis de despeza, metade na magnesia, metade nas caixas; da outra 50,000 grammas a 10 réis; receita: 500$000 réis. Não ha nada melhor!»

Em 1880, a pharmacia de Francisco Fortunato de Assis, já funcionava nos números 123 e 125 da mesma Rua do Alecrim, no edifício de esquina com a Praça Luís de Camões.

Porém, a 1 de Janeiro de 1885, passou a ser propriedade de Francisco Freire de Andrade, (que faleceria em 30 de Abril do mesmo ano), e de seu irmão Albino António Freire de Andrade (1857-1957), que teve como cooperador outro irmão, José Freire de Andrade, falecido em 19 de Outubro de 1914. O estabelecimento passou a denominar-se "Pharmacia Freire de Andrade & Irmão". De referir que Albino Antonio Freire de Andrade viria a ser, também, Secretário da Direcção do "Montepio Geral" em 1901, administrador das águas das "Termas das Caldas da Felgueira" em 1902, e Vice-Presidente da "Gaz e Electricidade (Reunidas)", em 1904.


16 de Junho de 1902

No ano de 1887 (ano do falecimento, em Novembro, do fundador Francisco Fortunato de Assis), o estabelecimento sofreu grandes obras da transformação, tornando-se desde essa data um dos mais completos de Lisboa. Tal reforma foi operada em consequência dos proprietários pretenderem corresponder ao acolhimento que lhe era dispensado pela clientela, cuja afluência crescia dia a dia. Por isso, em 1894, a "Pharmacia Freire de Andrade & Irmão" teve de ser submetida a nova ampliação, criando-se nas suas dependências do andar superior laboratórios de análises químicas, bacteriológicas, microscópicas, clínicas, industriais e agrícolas, laboratórios para esterilização pelos métodos de Pasteur de material cirúrgico e artigos de penso e ainda laboratórios para a preparação de todos os solutos injectáveis.

Aos laboratórios da "Farmácia Freire de Andrade & Irmão" deve-se o início, em Portugal, da preparação de medicamentos injectáveis em ampolas de vidro, para o que foi necessário criar uma oficina de fabrico das ampolas e de todo o material de vidro. Obteve a Medalha de Ouro para Produtos Farmacêuticos, na "Exposição Internacional do Centenário da Independência", realizada em 1922, no Rio de Janeiro.



Farmácia de viagem

A seguir um excerto de catálogo da "Pharmacia Freire de Andrade & Irmão" de 1917:




Entretanto, António Nunes, competente técnico que na casa iniciara a sua carreira farmacêutica em 1894, foi em 1906 admitido como sócio, sendo em 1945, ainda, um dos seus proprietários.

Em 4 de Setembro de 1928 o pacto social da "Farmácia Freire de Andrade & Irmão" foi alterado, - assim com a sua razão social para "Farmácia Andrade, Lda." - pela saída de Albino António Freire de Andrade, que fez cessão da sua cota a Júlio Pinto Barata, e em 3 de Junho de 1930 alterado de novo, pela saída deste último, que cedeu a sua cota a António Baião Pereira Falcão, chefe dos serviços farmacêuticos desta casa desde 1910. Em 1945 a firma "Farmácia Andrade, Lda." era constituída por António Nunes, António Baião Pereira Falcão e Dr. António Borges de Amorim Silva. Em virtude de motivos de doença conservarem o primeiro afastado da actividade, a gerência da casa era exercida por António Falcão, competindo ao ilustre clínico Dr. Amorim Silva a superintendência técnica.

«Em 1930 iniciou-se esta casa na industrialização de suas preparações farmacêuticas, que especializou e cuja aceitação pela classe médica é digna de registo. A escrupulosa pureza dos produtos empregados, as minuciosas técnicas utilizadas e a moderna aparelhagem que possui são a garantia suficiente do bom êxito dos produtos « Andrade », do seu crédito e da confiança que os mesmos merecem por parte dos clínicos mais distintos.
A lista das especialidades preparadas pela Farmácia Andrade, Lda., que não receiam confronto com as similares de origem estrangeira, é longa e dispõe de um receituário que prevê os mais variados casos de doença. O «Dextrocálcio», gluconato de cálcio puríssimo em soluto esterilizado a dez por cento, possuïdor de tôdas as propriedades do ião cálcio; «Hemohepatina», conjunto dos princípios activos do fígado e baço, com fósforo, magnésio e manganez orgânico; o «Lisococil », para quimioterapia sulfamidada, em ampolas, comprimidos e óvulos; a «Neopulmina», solução, em azeite puro e neutro, de quinina, cânfora e essências antisépticas, - são, entre outras, especialidades cuja reputação desde há muito se consolidou no mercado nacional e que têm dado sobejas provas do superior critério que dirige os trabalhos realizados nos laboratórios da Farmácia Andrade, Lda.» in: "Praça de Lisboa" - 
(1945).





Nos anos 70 do século XX o escritório da "Farmácia Andrade, Lda." seria convertido em perfumaria.

Conta actualmente, com os invejáveis (e mui raros, nos tempos que correm ...) 187 anos de existência ininterrupta. Pelo que merece que publique a informação seguinte:

«Farmácia generalista com serviço gratuito de entrega de medicamentos e de outros produtos farmacêuticos, homeopáticos, desmocosméticos, diretamente ao cliente na região da Grande Lisboa. Serviços: consultas de podologia e nutrição, shiatsu, osteopatia, terapia de Bowen, acupunctura, homeopatia, etc.»

26 de setembro de 2024

"Pensão Monumental" e "Monumental Café"

Em 5 de Julho de 1925, era aprovado o projecto de construção do edifício promovido pela firma "Almeida Cunha, Lda." na Avenida das Nações Aliadas, nos 151-179, e que viria a ser apelidado de "Palacio Almeida Cunha". O projecto foi da autoria do arquitecto Michelangelo Soá (?-1935), que elegeu Portugal para viver depois de ir dar aulas para a "Escola Industrial Infante D. Henrique", no Porto. A aprovação do projecto e sua construção, tinha sido solicitada à Câmara Municipal do Porto em 18 de Maio de 1923, tendo começado a sua construção no mesmo ano da aprovação do mesmo em 1925. Os cálculos de engenharia civil ficaram à reponsabilidade do engenheiro civil João Teixeira de Queiroz.


"Palacio Almeida Cunha", após a sua construção, à direita na foto


Projecto do arquitecto Michelangelo Soá

Futura Avenida das Nações Aliadas em construção, assim como o edifício da Câmara Municipal do Porto

Ficaram para a história deste edifício, que passou a denominar-se "Palacio Almeida Cunha", três inquilinos: A "Pensão Monumental" e o "Monumental Café" e o famoso "Palacio Ford" da firma "Manoel Alves de Freitas & C.ª" de que falarei noutro artigo neste blog.

Quanto à "Pensão Monumental", foi fundada por Miguel Vaz - sendo a sua denominação oficial "Monumental Pensão Vaz" -  e instalou-se nos 4º e 5º pisos do edifício, por volta de 1935, oferecendo 38 quartos. A sua entrada fazia-se pelo nº 151.

"Pensão Monumental nos últimos dois andares do edifício

Sobre a "Pensão Monumental", um anúncio publicitário de 1935, referia:

“Primeira classe - Com elevador
Magníficos quartos com água corrente quente e fria, telefone e chauffage, mobiliários modernos. Excelente serviço de mesa, salas próprias para casamentos e excursões, sala de televisão, etc.
Apartamentos com banho privativo. O mais central da cidade.»


1935

No roteiro "Hotéis e Pensões de Portugal" de 1939, quanto à "Monumental Pensão Vaz" ...

« Situada no coração da cidade
Comodidade - Boa mesa - Higiene
«Por fineza» - Seja amigo do seu amigo ... Recomende-lhe a Monumental Pensão Vaz

1º almoço: 2$00
Almoço: 7$50
Jantar: 9$00
Diária: entre 20$00 e 30$00 »


Etiqueta de bagagem

Em 1957 já a "Pensão Monumental" era propriedade de Eduardo Pinto da Cunha, como se pode verificar pelo postal que publico de seguida.


Em 1971, na publicação "Estabelecimentos Hoteleiros de Portugal" propriedade da Secretaria de Estado da Informação e Turismo ...

Em relação ao carimbo P a explicação seguinte, e não só, na mesma publicação:



Postal publicitário nos anos 50 do século XX

Por sua vez, o "Monumental Café", propriedade da firma "Pinheiro, Coreeia & Portugal, Lda." foi inaugurado em 10 de Janeiro de 1930. O seu projecto foi da responsabilidade do arquitecto João Queiroz (1892-1982), o mesmo que tinha projectado o "Salão Olympia" (inaugurado em 18 de Maio de 1912) e o Café Majestic (inaugurado em 17 de Dezembro de 1921).


Projecto do arquitecto João Queiroz 

Repetindo a publicação desta foto, o "Monumental Café" estava no primeiro estabelecimento à direita na foto. Depois da entrada para o edifício, o outro estabelecimento era o "Palacio Ford" (com papeis nas janelas)

No dia seguinte à inauguração o "Jornal de Notícias"  em notícia intitulada "Um Ar de Paris"  afirmava: «A cidade tem, a partir de hoje, o maior e o mais luxuoso estabelecimento da Península, no seu género».


1 de Novembro de 1930

Era extremamente luxuoso e confortável, dividido em espaços diferenciados pelos três pisos, com lugar para bilhares, restaurante e café com orquestra. Diferenciava-se dos demais pela enorme dimensão das suas salas, pela diversidade e beleza das suas decorações e por ser, na altura, dos poucos que possuíam uma esplanada com a originalidade de as cadeiras serem de palhinha. O "Monumental Café" chegou a ser considerado um dos mais luxuosos da Península Ibérica e tendo chegado a oferecer, em permanência, duas orquestras, uma de jazz e outra de música clássica. Na cave, tinha serviço de restaurante e bar. No 1º andar tinha uma sala com 24 bilhares.



Uma das curiosidades neste café foi a uma novidade técnica para a época,  o secador de mãos, que era anunciado: «mãos que se limpam sem toalhas», assim como um sistema sonoro com um aparelho "Klingsor" e altifalantes, que permitiam a audição da música nos três pisos.


31 de Janeiro de 1932 (onde refere "73" leia-se "173")

«O Monumental dispunha ainda de 24 mesas de bilhar e ficou famoso por causa do jogo do quino (tômbola, como lhe chamavam) que se jogava numa ampla sala do primeiro andar. Era frequentado por um público muito heterogéneo: jornalistas, arquitetos, médicos, funcionários da Banca e dos seguros, caixeiros, comerciantes, mas, sobretudo, pelos jovens que lá iam atraídos pelos famosos concertos do Monumental. O café tinha efetivamente uma ampla sala de concertos onde, diariamente, tocavam duas orquestras ao vivo. Foi num desses concertos que um dia, quando o “cinema mudo” estava a desaparecer e começava a surgir o “ falado”, ou “sonoro”, que se cantou aquela célebre canção: “Teodoro não vás ao sonoro / Teodoro se tu fores eu choro”. Ainda há de haver por aí muita gente que trauteou esta cançoneta.» in: blog "Porte de Antanho".

Foi no "Monumental Café" que foi fundado o "Grupo de Xadrez do Porto" em 9 de Maio de 1940, e que ainda hoje existe. Fica a Acta da sua fundação ...

O "Monumental Café" teve uma existência curta, pois encerraria em 1940.  No seu lugar instalar-se-ia um stand da "Fiat Portuguesa, S.A.", que por essa altura estava instalada na Rua de Santa Catarina, 122, e cujo processo se iniciou em 1941, com apresentação à Câmara Municipal do Porto, em 16 de Agosto de 1941, do respectivo projecto da autoria d o arquitecto Manuel da Silva Passos Júnior (1908-?).

18 de Agosto de 1941

Além do stand da "Fiat Portuguesa, S.A.", passaram por este edifício algumas empresas:  na loja do nº 165 do mesmo edifício o mui conhecido "Palacio Ford" da firma "Manoel Alves de Freitas & C.ª"; no 2º piso a firma "S.L. Soares & Cª Lda.", fundada no Porto em 1938 (importação e distribuição de artigos de decoração) ; depois desta a filial da "Philips Portuguesa" no lado esquerdo e no lado direito do mesmo piso o consulado dos Países Baixos.



"Pensão Monumental", Consulado dos Países Baixos, Filial da "Philips Portuguesa", "Palacio Ford" e stand "Fiat"

Após anos de praticamente abandono este edifício já desocupado, foi alvo de uma profunda recuperação com a finalidade de albergar um luxuoso hotel, o “Hotel Monumental Palace”, promovido pela "Mystic Invest" do empresário Mário Ferreira. O projecto da recuperação mencionado ficou a cargo dos arquitectos portuenses Audemaro Rocha e Pilar Paiva de Sousa, e representou um investimento de 30 milhões de euros.

Estado do edifício antes da sua recuperação e transformação em Hotel

As obras tiveram início em 2012, mas a promotora do empreendimento, enfrentou um conjunto de vicissitudes ao longo da construção do hotel, devidas essencialmente ao fato da obra estar a cargo da "Soares da Costa, S.A". O projeto conheceu diversos atrasos pelas dificuldades financeiras da construtora, tendo acabado por ser entregue à "ACA Engenharia & Construção", que finalizou a obra.

Quando foi inaugurado em 1 de Novembro de 2018, já Mário Ferreira ("Mystic Invest") tinha vendido o “Hotel Monumental Palace” à empresa "Maison Albar Hotels" que tinha feito «uma proposta aliciante»  para comprar o hotel de 500 mil euros por quarto. Fazendo as contas … 500.000 x 76= 38 milhões de euros ... realmente aliciante! A denominação inicial foi mudada para: "Maison Albar - Le Monumental Palace".


O hotel conta com: 76 quartos dos quais 13 suítes; "Grand Bleau SPA"; Restaurantes "O Monumento", "Yakuza Porto por Olivier" e o "Mezanino"; "Bar América"; Biblioteca; Ginásio; Garagem; Salas para conferências; Limpeza a seco, etc.