A “Livraria Ferin”, foi fundada em 1840 na Rua Nova do Almada, em Lisboa, como “Livraria Langlet”, por Maria Thereza Ferin e seu marido, o belga Pedro Langlet, sendo, actualmente, a segunda livraria mais antiga do país, a seguir à “Livraria Bertrand” desde 1773 na Rua Garrett, em Lisboa.
“Livraria Ferin” e seu enquadramento na Rua Nova do Almada em 1913
Tudo começou com a vinda do belga Jean-Baptiste Ferin, e sua família, para Portugal por altura das guerras napoleónicas, tendo cá fixado residência. Teve 11 filhos, dos quais sete começaram a trabalhar em profissões ligadas aos livros, como a tipografia ou a encadernação.
A fundação da “Livraria Ferin” é resultado do casamento de Maria Theresa Ferin com Pedro Langlet, o dono da “Librairie Belge-Française”, na Rua Nova do Almada. Quanto a este casal, é-lhes atribuída a propriedade de uma hospedaria na Praça dos Remolares (actual Praça Duque de Terceira) ao Cais do Sodré. Tal é referido na seguinte passagem extraída do livro "Entre duas revoluções, 1848-1851", de José Augusto Barbosa Colen, publicado em 1901:
«Entrou em Portugal, por Castello Branco, com o nome supposto de Mr. Brooneus, negociante de Bruxellas, e apresentando um passaporte legal. Conheceu-se o personagem verdadeiro, assim disfarçado, quando este se achava já em Lisboa, n'uma hospedaria, que havia na praça dos Remolares, nº 3, e que era dirigida por dois francezes: Pierre Langlet e sua mulher Maria Thereza.
Foi, desde então, esse quarto da hospedaria, o quartel general para as conspirações contra os dois governos da peninsula, - e com tal arte nélle se manobrou - que no 1 de fevereiro rebentava a revolução em Malga e no dia 4 em Torres Vedras.»
«Entrou em Portugal, por Castello Branco, com o nome supposto de Mr. Brooneus, negociante de Bruxellas, e apresentando um passaporte legal. Conheceu-se o personagem verdadeiro, assim disfarçado, quando este se achava já em Lisboa, n'uma hospedaria, que havia na praça dos Remolares, nº 3, e que era dirigida por dois francezes: Pierre Langlet e sua mulher Maria Thereza.
Foi, desde então, esse quarto da hospedaria, o quartel general para as conspirações contra os dois governos da peninsula, - e com tal arte nélle se manobrou - que no 1 de fevereiro rebentava a revolução em Malga e no dia 4 em Torres Vedras.»
Por outro lado, António Feliciano de Castilho no seu livro "Vivos e mortos; apreciações moraes, litterarias, e artisticas", publicado em 1904, escrevia a seguinte passagem:
Realmente como refiro neste blog, no meu artigo “Grand Hotel Central em Lisboa” (1 de Setembro de 2016), o prédio onde este hotel esteve instalado, teria sido inicialmente ocupado por uma hospedaria de seu nome “Estrella Branca”, por volta de 1835, ao que se lhe teria seguido o “Hotel de France” de Madame Langlet em 1838, que seria trespassado, por volta de 1855, ao proprietário do ”Grand Hotel Central”.
Entretanto, Gertrudes Clara, irmã de Maria Teresa, casa por sua vez com um encadernador francês, Manuel Robin, que era proprietário de uma oficina de encadernação na rua da Horta Seca. Estes viriam a transferir a sua actividade para a livraria da irmã e do genro. A essa união chamam “Cabinet de Lecture de la Librairie Belge et Française”, onde era possível requisitar livros. As pessoas pagavam um aluguer para ler os livros.
3 de Agosto de 1850
Em 19 de Dezembro de 1857, aparecia no jornal "A Revolução de Setembro" a "Ferin & Robin" nos nos. 77 e 78 da Rua Nova do Almada em 1857 . Mas chamo a atenção para o facto de, em 31 de Maio de 1853, neste mesmo jornal, ter sido publicado anúncio indêntico.
31 de Maio de 1853
19 de Dezembro de 1857
Entretanto, e no mesmo jornal de 31 de Dezembro de 1862 ...
Já em 22 de Dezembro de 1866, e no mesmo jornal noutro anúncio, já os nos. de porta já tinham mudado, para os definitivos 70 e 74.
Pelo que depreendo que fosse uma firma paralela, com sede na mesma casa, fica a dúvida ...
Esse gabinete acabou por ser transformado na “Livraria Langlet” - no local onde ainda hoje funciona a “Livraria Ferin”. Neste tempo, a livraria ganhou notoriedade como encadernadora e foi nomeada por D. Pedro V, em 1861, encadernadora das reais bibliotecas, o que lhe conferia o direito de usar as armas reais.
No livro “Entre duas revoluções, 1848-1851”, de José Augusto Barbosa Colen, de 1901, pode-se ler:
«De dias a dias dava um passeio até ao fim da rua Nova do Almada e entrava na Livraria Langlet, descansava n'essa loja, que é hoje a livraria Férin, e, de uma vez viu em cima do balcão aquelle livro Fleurs animées, obra franceza, edição de luxo, em papel velino, com estampas, sabem? Quiz rasgal-o. Dizia-lhe o liveiro:
-Esteja quieto, senhor!»
«De dias a dias dava um passeio até ao fim da rua Nova do Almada e entrava na Livraria Langlet, descansava n'essa loja, que é hoje a livraria Férin, e, de uma vez viu em cima do balcão aquelle livro Fleurs animées, obra franceza, edição de luxo, em papel velino, com estampas, sabem? Quiz rasgal-o. Dizia-lhe o liveiro:
-Esteja quieto, senhor!»
Em 1852 torna-se na “Livraria Augusto Ferin”, com oficinas de tipografia e encadernação, sendo nomeada “Encadernadora Oficial da Casa Real”. Em 1897, já sob o nome actual de “Livraria Ferin”, era propriedade da firma “Ferin & C.ª ” (Sucessores de A.Ferin). De referir, que esta livraria era, na época, correspondente em Lisboa da grande “Livraria Chardron” do Porto, que, em 1894, seria vendida aos irmãos José e António Lello, passando a designar-se “Livraria Lello & Irmão”, a partir de 1919. A história desta livraria, pode ser consultada neste blog, no seguinte link: “Livraria Lello & Irmão”.
Augusto Ferin (1825-1890) Etiqueta na contracapa de livro
1873
Factura passada a “Sua Alteza Real o Princepe”, em 17 de Dezembro de 1875
Facturas de 1870 e de 1881
Notícia da morte de Augusto Ferin, no jornal “O Tempo” de 25 de Julho de 1890
4 de Março de 1897
A “Livraria Ferin” manteve-se sempre na mesma família, apesar de, de vez em quanto ter tido outros sócios de fora e consequentemente alterando a designação da firma proprietária. Hoje, ainda aceita trabalhos especiais de encadernação, mas as oficinas estão no Porto. Esta vertente caiu nos anos 40 do século XX, pelas dificuldades acrescidas que trazia a guerra na Europa. Nesse período extinguiu-se também a actividade editorial que a “Livraria Ferin” exercia.
1873 1891
20 de Janeiro de 1885
15 de Novembro de 1893
1905
Primeiro e ultimo número da “Revista Portugueza Colonial e Marítima” editada pela “Livraria Ferin”
1905
1902 1911 1912
Últimamente, o negócio, gerido por João Paulo Dias Pinheiro, o último membro da 6ª geração da família Ferin a estar à frente da livraria, mantinha-se com as exportações de livros para Angola, Moçambique e Brasil e a clientela do juízes e advogados do “Tribunal da Boa Hora”, bem perto das suas instalações. Com a crise financeira nesses países e a mudança de instalações do Tribunal, a livraria sofreu um rude golpe, pelo que desde 2011 a 2016 teve uma parceria com a “Editora Principia”, que detinha 49% do capital.
15 de Janeiro de 1905 1 de Junho de 1907
1911 1917
João Paulo Dias Pinheiro
Em Novembro de 2016, José Pinho, dono da “Ler Devagar” (no LX Factory), e organizador do “Festival Literário Fólio” em Óbidos, adquire a “Livraria Ferin”.
Sob as arcadas, móveis e livros escondem-se rastros de um outro universo da “Livraria Ferin”: uma enorme cave, também com arcos feitos de pedra antiquíssima, onde se guardam os instrumentos de tipografia e encadernação. Letras de chumbo, prensas, cofres com medalhas régias e raridades bibliográficas como uma edição de “Hamlet”, de Shakespeare, traduzido pelo rei D. Luís I e cuja impressão e encadernação foi feita nesta Livraria.
A nova “Livraria Ferin”, foi inaugurada em 23 de Abril de 2017, “Dia Mundial do Livro”, passando a abrir todos os dias, em horário alargado, e com o portão da Rua do Crucifixo a funcionar em pleno. Oferece, agora, dois novos espaços: uma livraria generalista onde, à semelhança da “Ler Devagar”, tem fundos de catalogo e novidades e outra livraria com livros sempre em saldo e livros infantis. Passou a ter, ainda, uma programação semanal intensa, que passa por concertos, sessões de poesia e teremos um ciclo de conferências em parceria com a editora “Relógio d’Água”.
9 comentários:
Bom dia. Parabéns por esta publicação. Perfeita e profunda obra de arte poética e literária.
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O Amor escrito e descrito em três sextilhas.
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*Nós dois ... um só coração *
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Votos de um dia feliz
Caro Gil António
Muito agradecido pela gentileza do seu comentário.
Também lhe desejo um dia feliz.
Os meus cumprimentos
Bom dia. Está de parabéns pelo excelente post e pelas imagens. Quanto às facturas, falta uma da Casa Real. Se tiver interesse, posso enviar digitalização de um exemplar.
Cumprimentos
if
D. Ivete Ferreira
Grato pelo seu comentário.
Se quiser ter a amabilidade de me enviar o documento em questão , terei muito prazer em publicá-lo.
Os meus cumprimentos
José Leite
Que bela reportagem histórica! Gostei particularmente de saber do final feliz da Livraria, que desconhecia.
Aprende-se sempre muito por aqui. Obrigada.
D. Graça Sampaio
Muito grato pelos sempre amáveis comentários.
Eu é que agradeço as suas visitas a este espaço.
Os meus cumprimentos
Muito obrigada por mais um excelente post que muito me agradou pois a minha família era amiga dos proprietários - Férin.
Estou a olhar para livros que foram encadernados na Férin e que o meu Pai me deixou.
Maria Teresa Mónica
D. Maria Teresa
Muito agradecido pelo seu amável comentário.
Os meus cumprimentos
José Leite
Parabéns pela excelente homenagem à Livraria e a quem foi orientando com tanta qualidade durante tantos anos. Infelizmente, por várias razões, o centro de Lisboa já não é a Cultura mas sim a Gastronomia e a Moda, pelo que sucessivas livrarias ou lojas de comércio tradicionais, pouco ou nada apoiadas pelas autoridades políticas, cada vez menos cultas, tem claudicado ou emigrado. Ficam as belas imagens, as recordações de eventos ou conversas e os livros editados ou encadernados pela Ferin, e os que adquirimos nela...
Cumprimentos a si e ao João Paulo, que tão longamente timonou e resistiu com afabilidade e amor, diligência e esmero...
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