O primeiro documento oficial sobre um caminho de ferro ao Sul do Rio Tejo foi uma consulta do Conselho de Obras Públicas, publicada no dia 19 de Abril de 1854, sobre uma proposta dos Pares do Reino Marquês de Ficalho e José Maria Eugénio de Almeida, como representantes de uma companhia, para instalar um caminho de ferro entre as localidades de Aldeia Galega (actual Montijo) e Vendas Novas. A escolha deste trajecto recaiu no facto do terreno na região em causa oferecer várias dificuldades, o que impedia uma eficaz comunicação terrestre, especialmente os serviços de Mala-Posta, compostos por veículos a tracção animal; em Aldeia Galega seria criado um serviço de transporte fluvial, para a ligação a Lisboa. Uma outra motivação para a construção de uma ligação ferroviária entre o Alentejo e Lisboa foi a necessidade de estabelecer rotas comerciais, para abastecer a capital e combater o isolamento das áreas produtivas; no caso da Linha do Alentejo, este ciclo de transportes foi denominado “Rota do Trigo”.
Primeira Estação de Caminho de Ferro do Barreiro, inaugurada em 28 de Janeiro de 1861
Em 1860 é publicado o decreto que declara a "Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses" formalmente constituída, após a realização de 40 por cento do seu capital. Pode considerar-se como a primeira antepassada da "CP - Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses" .
O contrato para a construção e exploração foi assinado entre o governo e a recém-criada, em 1861, "Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo" (mais conhecida por Companhia dos Brasileiros, já que alguns dos seus principais accionistas eram antigos emigrantes do Brasil) em 24 de Julho, tendo o ponto inicial sido alterado para o Barreiro, e prevista a extensão das linhas até Évora, Beja e Setúbal; o Parlamento votou, no mesmo dia, a confirmação do contrato, tendo sido aprovado oficialmente numa carta de lei de 7 de Agosto. O principal motivo para a localização da estação inicial ter sido alterada foi o facto do Barreiro, ao contrário do Montijo, oferecer um porto natural, o Vale do Zebro, deixando, assim, de ser necessário construir infra-estruturas de protecção às embarcações, o que seria bastante dispendioso; por outro lado, a partir do Barreiro podia-se, futuramente, fazer uma ligação ferroviária até Cacilhas.
O primeiro troço do caminho de ferro do sul, entre o Barreiro e Bombel, foi inaugurado em 15 de Junho de 1857, com uma bitola de 1,44 metros. Inicialmente, o embarcadouro encontrava-se afastado da estação do Barreiro, o que gerava vários desconfortos para os utentes.
Em 23 de Janeiro de 1861, a "Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo", que estava incumbida do troço entre o Barreiro e Vendas Novas, completou as obras até Vendas Novas, na bitola de 1,44 metros; no entanto, já a "Companhia do Sueste" tinha iniciado as obras a partir desta localidade, utilizando, conforme acordado com o estado no ano anterior, a bitola de 1,67 metros.
Mapa dos Caminhos de Ferro em 1870
A sua inauguração teve lugar a 28 de Janeiro de 1861, e mantém ainda hoje o mesmo aspecto exterior com 65 metros de frente, 16 vãos de janelas e portas, três portões e relógio no frontão, com dois lanços de escadas de cantaria onde se desemboca num terraço guarnecido de um gradeamento de ferro.
«Tinha quatro salas muito espaçosas para passageiros, e instalações para várias repartições, possuindo anexos, do lado sul, para armazéns de mercadorias servidos por duas linhas, estação telegráfica, etc. A gare, com 32 metros de largura por 67 de comprimento e plataforma com cinco vias para o movimento, era no centro da estação, coberta de vidro e ferro galvanizado. Do lado norte estavam montadas diversas oficinas. Toda a sua área média 6460m2. Mas os passageiros, que se dirigiam à capital, tinham que percorrer ainda dois quilómetros para apanhar “o vapor” na ponta do Mexilhoeiro – junto aos Moinhos de Alburrica – facto que levou à construção de uma nova estação inaugurada a 1884. Na sua arquitectura reconhecem-se manifestações artísticas, típicas do Romantismo, como o “estilo” Neo-manuelino – cuja Estação do Rossio, em Lisboa, constitui o seu melhor exemplo.»
Consciente dos problemas de transbordo resultantes desta diferença de bitola, o governo resolveu rescindir a concessão à "Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo" em Setembro desse ano, passando a exploração das antigas ligações desta Companhia a pertencer ao estado
Os estatutos da "Companhia de Caminhos de Ferro do Sul e Sueste" são publicados em 23 de Julho de 1863. Em 14 de Setembro de 1863 e 15 de Fevereiro de 1864, esta companhia conclui, respectivamente, as linhas férreas até Évora e Beja; em 21 de Abril deste último ano, o governo concedeu-lhe, provisoriamente, a exploração das antigas linhas da extinta, "Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo" por um valor de 1.008.000$000 reis, e ordenou que lhes fosse alterada a bitola para 1,67 metros. Também autorizou, nesta data, a construção, com um subsídio de 18.000$000 réis por quilómetro, de uma ligação entre Évora até à Linha do Leste, e da continuação da linha férrea de Beja até ao litoral algarvio e até Espanha, na direcção de Sevilha. Este contrato foi aprovado pelas cortes em 30 de Abril do ano seguinte, regulado por uma lei publicada em 23 de Maio, e oficializado em 11 de Junho. Concretizada a união, a Companhia começou a alterar a bitola, e iniciaram-se as obras até Estremoz, à fronteira Espanhola e ao Algarve.
Vapor "Victoria" de 1870. Um dos que fazia a ligação Lisboa - Barreiro
Em 8 de Outubro de 1881 é inaugurada a linha directa de Madrid à fronteira de Portugal através da linha de Valência de Alcântara - Madrid. A ligação das duas capitais fazia-se desde 1866, através de Elvas - Badajoz.
Reis D. Luis I de Portugal e Afonso II de Espanha na inauguração em Valência de Alcântara
O estado nacionalizou a "Companhia de Caminhos de Ferro do Sul e Sueste" em 12 de Março de 1869, tendo sido formado, em 1898, um órgão governamental, os "Caminhos de Ferro do Estado", para gerir as antigas ligações desta empresa.
Exemplos de painéis de azulejos afixados em estações de caminho de ferro
Automotora a vapor A. Borsig 201 utilizada pela divisão Sul e Sueste dos CFE em 1906
Em Agosto de 1873, Miguel Carlos Correia Pais foi nomeado engenheiro chefe de tracção e conservação do caminho de ferro do Sul. Em 1875 têm início os trabalhos preliminares para a construção da nova Estação Ferroviária do Barreiro que iria permitir encurtar a distância de cerca de 2 km que mediava o primitivo terminal dos comboios e o porto, construindo-a junto ao porto fluvial. O projecto de obras da gare marítima do Barreiro, da autoria do Engenheiro Miguel C. C. Pais, é apresentado em 1876 e orçado em 280 000$000 reis. A 4 de Outubro de 1884 é inaugurado o edifício. Em 1905 viria a ser construída uma ponte-cais, de serviço ao cais construído numa superfície de 30 790 m2, conquistada ao mar.
Estação Ferro-Fluvial do Barreiro inaugurada 4 de Outubro de 1884
Esta obra foi por muito tempo julgada de execução impossível por falta de fundamentos sólidos para os alicerces, opinião compartilhada por alguns engenheiros estrangeiros. O desenvolvimento do Barreiro ficou incondicionalmente ligado à construção da Estação Fluvial e ao Terminal Ferroviário de Sul e Sueste. Muitos dos ornatos da estação foram obtidos nas próprias oficinas dos Caminhos de Ferro no Barreiro.
Rei Afonso XIII de Espanha desembarcando no Barreiro a caminho de Vila Viçosa
Interior da estação
O engenheiro Luís de Albuquerque d’Orey, chefe do Serviço de Tracção e Oficinas dos Caminhos de Ferro, influenciou a administração da empresa a apoiar a criação de um corpo de bombeiros no Barreiro.
Em 23 de Julho de 1894, foi fundada a "Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste", em instalações cedidas provisoriamente pela C.P. Os estatutos oficiais viriam a ser aprovados oficialmente em 18 de Outubro de 1896.
Algumas figuras responsáveis pela fundação da Associação: Caetano Francisco da Silva, João António do Carmo, António Germano Bolina, António José da Loura
As instalações cedidas provisóriamente pelos "Caminhos de Ferro do Estado", foram substituídas em 27 de Maio de 1900, por um novo quartel doado pela firma "Bensaúde & Cª.", situando-o nas imediações do Largo das Obras.
Primeiro corpo de bombeiros da Associação
Devido às necessidades industriais a Associação foi obrigada a mudar de instalações, tendo como nova morada, em 17 de Novembro de 1912, o rés-do-chão do edifício dos escritórios da Via e Obras, cedido pela C.P. onde permaneceu durante 96 Anos. Este prédio situado no cruzamento da rua Miguel Pais com o largo do Moinho Pequeno, serviu desde 1923 a 1930 de casa escola para os Bombeiros Voluntários do Sul e Sueste.
Desde 21 de Novembro de 2008, a Associação muda novamente de instalações. Através de um protocolo estabelecido entre a "Quimiparque" e a "AHBVSS", foi-nos cedido um espaço mais adequado às necessidades deste corpo de bombeiros.
Mapa dos caminhos de ferro de Portugal e Espanha em 1898
1904
Em 1906, a estação provisória do Sul e Sueste, em Lisboa e construída em madeira, revelava-se demasiado pequena para o movimento, tinha problemas de insalubridade, e era desconfortável para os utentes; no entanto, a construção de um edifício definitivo estava a encontrar diversas dificuldades, devido à oposição do Conselho dos Monumentos Nacionais, que temia que a sua instalação deturpasse a estética do Terreiro do Paço, e a restrições da Alfândega e da "Associação Comercial de Lisboa". Assim, a "Estação Ferroviária do Sul e Sueste" definitiva só foi inaugurada em 28 de Maio de 1932.
Primitiva Estação fluvial do Sul e Sueste
É a única estação ferroviária projectada para não dar serviço a comboios, nem de passageiros nem de mercadoria, situação que deriva do facto das linhas ferroviárias do Sul terem o seu término na cidade do Barreiro, necessitando de uma ligação a Lisboa por via fluvial. Foi projectada pelo arquitecto Cottinelli Telmo, com uma traça Modernista, tendo sido inaugurado para servir como terminal de Lisboa dos comboios das regiões Sul e Sueste de Portugal; desta forma, o vestíbulo de entrada foi decorado com painéis de azulejos representativos de algumas das principais estações ferroviárias naquelas regiões: Faro, Lagos, Silves, Portimão, Setúbal, Évora, Estremoz, e Portalegre.
Em 1921, a Administração Geral dos "Caminhos de Ferro do Estado" é autorizada a contratar a empresa "William Beardmore & Cª Ltd." para o fornecimento dos materiais de construção para as novas Oficinas Gerais do Barreiro.
Em 1931 a CP adquire à empresa alemã "Fried Krupf A G. Germaniawert", o barco "Évora", em 1931, para o serviço Lisboa - Barreiro. Sendo a primeira unidade fluvial com propulsão a diesel (2 motores diesel de 6 cilindros desenvolvendo cada 250 hp), veio proporcionar maior rapidez à viagem e por isso mais conforto aos passageiros. Considerado o melhor barco da sua época, serviu mais de 40 anos o tráfego do Tejo, sendo retirado de serviço em finais de 1975.
Resultado da intervenção entre os anos 1933 e 1935, as antigas instalações da estação de caminhos de ferro do Barreiro foram transformadas em "Oficinas Gerais dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste" para reparação do material circulante, primeiro a vapor depois a diesel - sendo o edifício que hoje conhecemos . As novas oficinas formavam dois grupos, um com 182 m x 30 m e o outro com 198 m x 80 m, somando 20.800 metros quadrados.
Por esta planta de 1934, se vê como ficaram relacionadas as diferentes oficinas.
Os cortes que inserimos mostram as pontes rolantes para elevação e transporte de locomotivas e veículos. Como se podem conjugar duas a duas é possível manobrar com um peso de 100 toneladas, superior ao da maior locomotiva. Os armazéns gerais ficam ligados às oficinas por um transportador aéreo de 2 toneladas.
«Todas as oficinas são movidas por electricidade com a disposição precisa para o aproveitamento de corrente da central ou de corrente que venha de fora, quando houver distribuição geral de energia na região». Nos anos 40, as reparações incidiam especialmente sobre locomotivas a vapor, carruagens, furgões e navios da via fluvial da CP chamados vulgarmente «barcos».
O parque das locomotivas a vapor sofreu grandes reparações, levantes periódicos e reparações por avarias grandes.
No final desses mesmos anos, começou a aparecer algum material Diesel e que, se por uma razão ou outra, tinha necessidade de intervenção oficinal, era para estas oficinas encaminhado, dado que se tratava das mais bem equipadas, enquanto que as operações de manutenção o eram, de uma maneira geral, noutras e nos postos de manutenção.
Exteriores e interiores das "Oficinas Gerais dos Caminhos de Ferro" do Barreiro
Entretanto em 1959 a CP encomenda aos "Estaleiros Navais de Viana do Castelo" dois barcos para as ligações fluviais entre Lisboa e Barreiro: o "Estremadura" e o "Algarve"
Entre 1968 e 1970 seriam adjudicados aos mesmos estaleiros mais 4 barcos idênticos: os "Minho" e "Trás-os-Montes" em 1968, e os "Lagos" e "Alentejo" em 1970.
Voltando às "Oficinas Gerais" do Barreiro, refira-se que as operações de manutenção eram muito bem executadas por pessoal tecnicamente bem preparado e, já em 1963, havia mesmo um banco de ensaio de motores, onde após as reparações eles eram ensaiados e faziam a rodagem sob o controlo de um técnico de grande valor profissional.
A oficina estava apta a realizar e até a efectuar modificações e construções novas se fosse preciso, pois além de equipamento, dispunha do pessoal necessário desde serralheiros, soldadores, carpinteiros, marceneiros, pintores, estofadores, correeiros, etc.
A partir de 2004, o material de tracção do Barreiro, deixou de ter relevância, culminando na sua extinção. Os comboios de longo curso do Sul passaram a ter origem e chegada na estação de Lisboa - Oriente. A tracção desses comboios passou a ser eléctrica, contribuindo para a extinção de uma significativa percentagem do parque de material diesel da CP.
fotos in: Hemeroteca Digital, CP Comboios de Portugal, Vialivre.org, AAG News, Comboios de Hoje, Barreiroweb.com,
2 comentários:
Nunca pensei que fosse tão antiga , há uns anos apanhei o comboio lá algumas vezes e perdi algum tempo a contempla-la é pena que pessoas achem que o graffite é uma forma de arte em vez de defender o património que nos foi legado , em miúdo morei algum tempo na estação de Fafe e a paixão por comboios ficou , ainda andei nos chamados a vapor , o cheiro característico das madeiras do carril é algo que me deixa saudade .
Fiquei contente que um painel meu, fosse referenciado neste estudo tão elaborado deste Blogue !
https://azulejariaartisticaguerreiro.blogspot.com/2009/04/painel-comemorativo-do-115-aniversario.html
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