Restos de Colecção: Café Chiado

25 de janeiro de 2018

Café Chiado

O “Café Chiado”, localizado na Rua Garrett, em Lisboa, e propriedade da firma “Café Chiado, Lda.”, foi inaugurado em 1925. Nesta loja, nos números 58-60, tinha estado instalado o botequim “Marrare” ou “Marrare do Polimento”, entre 1820 e 1866, altura em que é substituído pela sapataria “Manoel Lourenço”. Mais tarde viria a ser substituído pela alfaiataria “Vitorino, Ferreira & Almeida Lda.”, a que se lhe seguiram a chapelaria “Augusto Ribeiro” e por último a livraria “Portugal-Brasil”.

Quanto ao “Marrare”, este botequim foi fundado, em 1820, pelo napolitano António Marrare, que tinha vindo para Lisboa contratado como copeiro da casa dos marqueses de Niza. «Panssudo, corado, inxundioso, meio adormecido, andava vagarosamente, «amava com deli­rio os appetitosos productos da cozinha italiana, e superintendia, com seus.»

O “Marrare” era o mais requintado dos quatro cafés que António Marrare tinha fundado em Lisboa: “Marrare”; "Botequim de S. Carlos"; "Marrare das Sete Portas"; "Marrare" do Cais do Sodré, futura "Taberna Ingleza". Um luxo! A decoração de madeira polida, reluzente que o revestia. que logo lhe valeu o sobrenome de “Marrare do Polimento”.

Digno herdeiro dos cafés do final do século XVIII, como o “Botequim do Nicola” ou o “Botequim das Parras”, ambos no Rocio, o “Marrare” foi o mais célebre estabelecimento comercial de Lisboa do Romantismo foi ponto de encontro favorito para a geração de Almeida Garrett. Talvez também pelo fulgor absoluto dos figurões que lhe iam abrilhantando as tertúlias, tornando ainda mais selecta a já por si elegante Rua das Portas de Santa Catarina (actual Rua Garrett e vulgo Chiado), centro absoluto da vida social do tempo.

Gravura do “Marrare” ou “Marrare do Polimento”

Quanto à gravura anterior a revista “Olissipo”, nº 37 de Janeiro de 1947, legendava:

«Este prédio da Rua Garrett, um dos mais notáveis do antigo Chiado, em cujo segundo andar os tem a sua séde, paredes meias do imóvel dos Ferreiras Solas onde morou o Marquês de Niza e onde hoje se alberga (e desde 1891) o «Turf Club» e a Pastelaria Marques, pertence actualmente ao Ex.mº Sr. Carlos Octávio de Almeida, Esta gravura que o representa, saída no velho jornal alfacinha «A Semana», mostra o seu antigo aspecto, vendo-se sob a taboleta do grande alfaiate Jung, que ocupou o 1º andar desde 1840 a 1851, as portas do célebre «Marrare do Polimento», assim chamado pela «jeunesse doré» do meado do século passado, pelo envernizado irnpecável das madeiras da guarnição. Aí, esteve António Marrare desde 1820; depois passou a seu sobrinho José Marrare em 1840, e, por morte deste , ficou com ele Matias Ferrari. Do nosso tempo é, no mesmo local, o estabelecimento de Chapeleiro de Augusto Ribeiro e, a seguir o Café Chiado. No histórico Café de António Marrare onde havia um Gabinete para Senhoras, inaugurado em 1844, e um largo espelho, ali posto depois, estreou-se a luz do Gás em 1848, antes que o Rossio e o Teatro de S. Carlos fossem dotados de tal melhoramento. Do prédio da nossa séde sempre habitado por gente de cotação, o Marrare foi, sem dú,vida, o inquilino mais notável. Boa razão tinham os passeantes que se vêem na gravura para se demorar às suas portas.»

Este botequim tinha duas tabuletas. Uma dizendo ”Vinhos superiores engarrafados, café” e outra ”Licores e outros objectos. Bilhar.” Entre as duas  portas estava um lampião, e, sob ele,a  placa ”Marrare”. Ao entrar, havia em frente uma sala pequena, à direita um corredor com mesas que conduzia ao bilhar, à esquerda outro que levava à cozinha.

Segundo Zacarias de Aça, na sua "Lisboa Moderna", expressava em síntese o café que o napolitano António Marrare, instalara no primeiro quartel do século em pleno Chiado:

«Era uma espécie de café-clube frequentado de dia e de noite por uma sociedade, o hifh-life, com era com certeza a fina flor da nossa aristocracia e da alta burguesia lisbonense. O Marrare ficou único na histórai dos cafés e da cidade de Lisboa. O Grémio Literário matou-o, mas não o substituiu.»
«Era um largo corredor, antecedido de uma casa espaçosa, cercada de armários, de onde faziam negaças aos frequentadores milhares de garrafas de vinhos de maior nomeada. Ao fundo do corredor era a sala de bilhar, e mais nada.»

Interior de um botequim, segundo uma aguarela de Alberto de Souza, em 1924

E para terminar esta breve resenha histórica deste botequim: «O Marrare do polimento" passou em 1840 para a posse de José Marrare, sobrinho do fundador, e, quando este falleceu, a viuva arrendou ao Ferrari. Por cessação do arrendamento, esse café acabou em 1866, estabelecendo-se nessa mesma loja a sapataria de Manoel Lourenço.» in: “Lisboa d’outros tempos”, de Pinto de Carvalho (Tinop)

No início do século XX, antes de ser ocupado pela alfaiataria “Vitorino, Ferreira & Almeida Lda.”

A alfaiataria “Vitorino, Ferreira & Almeida Lda.”, como foi dito no início, viria a ser o segundo inquilino desta loja, após o encerramento do “Marrare”. Esteve ali instalada desde o início do século XX, e seria substituída pela alfaiataria “Piccadilly”, em 1913, antes da sua mudança para o outro lado da Rua Garrett em 1919, para os nos 69-71, pela mão do seu proprietário Benjamim Ferreira. Permaneceria na mão de seus herdeiros até 1980-85, altura em que é adquirida por Manuel Mendonça, alfaiate da casa. A sua fachada exterior viria a ser deixada intacta pelos seus sucessores, incluindo o “Café Chiado”, que colocaria um alpendre que esconderia a mesma.

11 de Janeiro de 1913

Primeiras instalações da alfaiataria “Piccadilly”, futuras instalações do “Café Chiado”

                                  7 de Fevereiro de 1920                                                                            1940               

 

Como já atrás referido, em 1925 esta loja viria a ser ocupada pelo famoso “Café Chiado”.

«Corria então o ano de 1925. Depois da inevitável interrupção para as sucessivas obras de reconstrução e embelezamento, os célebres vão de portas, números 58 e 60, com outro sistema de arquitectura, e lá dentro uma nova marcenaria, voltaram a abrir-se para acolher outro público, de características bem diferentes. Apareceu o Café Chiado, que a escritura social de 6 de Maio especificamente denominou Café Chiado, Lda. O seu parecer mostrou-se sempre carregado, de ar pacato, talvez sensaborão, sintomas que um quarteto musical procurava alterar, proporcionando aos clientes contínuos acordes de boa música, à hora dos almoços e durante a noite, passatempo que, numa volta de calendário, se extinguiu penosamente.» in: “Chiado pitoresco e elegante” de Mário Costa.

Foto de 8 de Novembro de 1929


Foto da entrada em 25 de Março de 1927

16 de Abril de 1927

Fotos aquando da sua abertura

 

Cena do filme “O Pai Tirano” (1941) com Tatão (Leonor Maia ) depois de Francisco Mega (Ribeirinho), a seu lado, lhe ter comprado uma revista na tabacaria do “Café Chiado” (fotograma)

O “Café Chiado”, era frequentado maioritariamente por estudantes, que faziam desse espaço a sua sala de estudo. Alguns escritores também o frequentaram como: Alves Redol, José Cardoso Pires, José Gomes Ferreira, Fernando Namora, Augusto Abelaira, etc.

Quarteto (Emília Santos, Mário Simões, Joaquim Nascimento e Júlio Silva) actuando no “Café Chiado”

1939

 

O “Café Chiado” foi decaindo e acabou por encerrar em Novembro de 1963, e a propósito o “Diario de Lisbôa”, escrevia:

«O velho café Chiado não mais voltará a ser o poiso de tertúlias e tradição viva da vida lisboeta. Os encontros, as conversas, os negócios e o estudo que sempre se instalaram às suas mesas chegaram ao fim. Lá dentro a vida, a sua verdadeira vida, parou. No ar triste do adeus que ali paira, ouve-se apenas o som de algumas vozes e o arrumar lugubre dos móveis para o inventário. Por fim, virá o leilão ...»

“Café Chiado” já encerrado, mantendo-se apenas a tabacaria em funcionamento

 

O leilão teria início a 4 de Dezembro de 1963. Em sua substituição instalar-se-ia um balcão da “Companhia de Seguros Império”, fundada em 28 de Julho de 1942 e já instalada no restante edifício.

1973

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Municipal de Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo

2 comentários:

Rui Granadeiro disse...

Caro José Leite,

Apenas uma referência relativamente à gravura do do Marrare:

"Este prédio da Rua Garrett, um dos mais notáveis do antigo Chiado, em cujo segundo andar os "Amigos de Lisboa" tem a Sua séde, paredes meias do imóvel dos Ferreiras Solas onde morou o Marquês de Niza e onde hoje se alberga (e desde 1891) o "Turf Club" e a Pastelaria Marques, pertence actualmente ao Ex.mo Sr. Carlos Octávio de Almeida. Esta gravura que o representa, saída no velho jornal alfacinha "A Semana", mostra o seu antigo aspecto, vendo-se sob a taboleta do grande alfaiate Jung, que ocupou o 1.° andar desde 1840 a 1851, as portas do célebre "Marrare do Polimento", assim chamado pela "jeunesse doré" do meado do século passado, pelo envernizado impecável das madeiras da guarnição. Aí esteve António Marrare desde 1820; depois passou a seu sobrinho José Marrare em 1840, e, por morte deste, ficou com ele Matiais Ferrari. Do nosso tempo [1947] é, no mesmo local, o estabelecimento de Chapeleiro de Augusto Ribeiro e, a seguir o Café Chiado. No histórico Café de António Marrare onde havia um Gabinete para Senhoras, inaugurado em 1844, e um largo espelho, ali posto depois, estreou-se a luz do Gás em 1848, antes que o Rossio e o Teatro de S. Carlos fossem dotados de tal melhoramento. Do prédio da nossa séde sempre habitado por gente de cotação, o Marrare foi, sem dúvida, o inquilino mais notável. Boa razão tinham os passeantes que se vêem na gravura para se demorar às suas portas." cf. Olisipo, janeiro de 1947

Cumprimentos

José Leite disse...

Caro Rui Granadeiro

Muito grato pela sua preciosa colaboração e indicação.

Vou consultar a revista e transcrever o texto, enriquecendo a descrição.

Mais uma vez os meus agradecimentos.

Os meus cumprimentos