Restos de Colecção: Casa das Tesouras

27 de novembro de 2016

Casa das Tesouras

A “Casa das Tesouras” abriu as suas portas por volta de 1893, na Rua da Escola Politécnica em Lisboa, inicialmente com a designação de “Alfaiate Popular” e propriedade do alfaiate José Clemente. Esta alfaiataria instalou-se num edifício construído, em 1858, em frente da Escola Polythecnica”, criada em 1837 no reinado de D. Maria II.

“Alfaiate Popular” num anúncio em 5 de Novembro de 1893

Entretanto a alfaiataria de José Clemente, “Alfaiate Popular”, em 1896 ampila-se ao ocupar a loja do edifício contíguo com os numeros 53 e 53-A, e muda de designação para “Alfayateria Elegante”.

20 de Outubro de 1896

Conhecido pela “Casa das Onze Portas” este edifício foi destinado a habitação e comércio, num luxo desusado na época, em imóveis de rendimento. O seu projecto é atribuído ao arquitecto francês Pierre Joseph Pézerat, encarregado dos trabalhos de construção da “Escola Polytthecnica”, onde era professor de desenho desde 1853.

Entretanto no início do século XX, José Clemente, muda, mais uma vez, a designação da sua alfaiataria para “Casa das Tesouras”. Este famoso alfaiate de Lisboa, torna-se divulgador dos gabões de Aveiro, abafo para homens e rapazes absolutamente nacional, cómodo, eficaz e elegante, tornando-o acessível a todas as bolsas. O gabão elegante de linhas fradescas de cor preta ou castanha, de capuz, sem cinto, era impermeável e quentinho.

Na foto anterior, pode-se observar na esquina com a Rua Monte Olivete, um  concorrente bem próximo da “Casa das Tesouras”, a “Grande Alfaiateria da Polytechnica”, inaugurada em 5 de Dezembro de 1895.

1913

José Clemente, concitava a curiosidade do público com uma publicidade, que nesse tempo não era comum, e por isso tinha um efeito muito grande, levando o público a estabelecer a moda, de que todos aproveitaram: o José Clemente, os fregueses e os concorrentes que não foram poucos ...

Exemplo de interiores de outras duas alfaiatarias concorrentes

 

A "Casa das Tesouras" não se limitou a fazer só um tipo de publicidade; de vez em quando fazia desfilar pelas ruas da Baixa de Lisboa uma fila extensa de homens de gabão, encapuzados, marchando solenemente a provarem a superioridade do produto das tesouras do sr. Clemente. Acrescente-se a todas estas manifestações de publicidade a dos jornais, também inovadora e deveras curiosa por vezes.

                                        1 de Outubro de 1908                                                  16 de Outubro de 1908

        

                                1 de Dezembro de 1908                                                11 de Dezembro de 1908

                  

                    11 de Dezembro de 1908                                                            13 de Agosto de 1909

     

«Cliente significa freguês. O título foi a primeira grande conquista da cientificação do reclamo. O comprador ou a isso candidato é cliente e todos juntos são a clientela do sapateiro, do carvoeiro, do alfaiate, etc.»

Quanto ás suas convicções políticas José Clemente era um republicano, e em 18 de Novembro de 1910 é publicado no jornal “O Século”, em destaque, um texto assinado por José Clemente, intitulado "Um alvitre a todas as classes que estão em Greve, e para aquelas que, de futuro, pretendam fazer reclamações” e cujo conteúdo passo a transcrever:

1.º - Atendendo a que as Greves nesta ocasião só poderão contribuir para a destruição do nosso ideal, que foi a implantação da República Portuguesa (…), todos deverão retomar o trabalho;
2.º - Nomear-se-á uma comissão de 3 membros de cada Classe, a qual fará as reclamações por escrito a seus patrões;
3.º - Na sendo atendida, reclamar por intermédio da Associação de Classe (…):
4.º - Nunca abandonar o trabalho sem que estejam esgotados os esforços daquelas entidades;
5.º - Não se declarar Greve numa classe sem que outra esteja terminada.”

O nunca esquecendo a publicidade ao seu estabelecimento, o texto termina com um inesperado parágrafo:

«É esta a minha humilde opinião (…) e estou convicto se hoje todos tomarem as suas ocupações, se tornará simpático esse acto e todos aplaudirão os funcionários, indo trabalhar. Ganharão o sustento para os seus e ainda lhes ficará alguma coisa para comprarem os Fatos, Sobretudos da Moda e Gabões de Aveiro da célebre Casa das Tesouras, da Rua da Escola Politécnica (…), que bem precisos estão sendo para a quadra que estamos atravessando.»

Mas a “Casa das Tesouras” não era a única alfaiataria com “Tesouras” no seu nome. Na Rua da Palma tinha-se instalado a alfaiataria “Tesouras de Ouro” que, em 1916, se mudaria para a Rua dos Fanqueiros, conforme anúncio seguinte na “Folha de Lisboa” de 10 de Outubro de 1916.

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Ruas de Lisboa com Alguma História

2 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo artigo, como é costume!
Tem mais fotografias do prédio? Chamavam-lhe das 11 portas mas só conto 10...

José Leite disse...

Grato pelo seu comentário

Mais fotos ... isso também eu queria ... :)

Cumprimentos