Restos de Colecção: A Emigração Portuguesa e o “Sud-Express”

26 de abril de 2011

A Emigração Portuguesa e o “Sud-Express”

                      

As más condições de vida no país de origem, foram a principal causa da emigração portuguesa a partir dos anos 50 do século XX. Contudo, importa assinalar que também algumas circunstâncias de natureza política determinaram a necessidade de emigrar como por exemplo, a perseguições de natureza política,  falta de liberdade expressão,  guerra nas antigas colónias e as práticas sociais dominantes que levaram à fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.

                       

Nas fotos seguintes (em Paris) pode-se ficar com uma ideia da vida muito dura de grande coragem e espírito de sacrifício, que esperava pelos emigrantes, que viviam em “bidonvilles” bairros de barracas (vulgo “bairro da lata”) semelhantes aos que também existiam em Portugal. As imagens falam por si.

                   Gare de Austerlitz em Paris, em 1965                                       “Bidonville”  em Paris (1967)

   

              Quarto e casal de emigrantes, em 1956                       Família de emigrantes, em 1964

           

              Fila para a água no “bidonville”                  (1964)                              Corte de cabelo

 

A importância destas saídas foi bastante acentuada nas regiões densamente povoadas do norte e do centro do país, assim como nas Ilhas Atlânticas dos Açores e da Madeira.Da mesma forma, este fenómeno afectou as regiões do Minho, de Trás-os-Montes e da Beira - Alta, de onde partiram os maiores contingentes de emigrantes não só em direcção ao Brasil mas também, já durante a segunda metade do século XX, para os países industrializados da Europa Ocidental: França, Alemanha, Luxemburgo e mais recentemente para a Suíça.

Breve cronologia da emigração portuguesa para França.

1917
Inauguração da ‘Avenue des Portuguais’, em homenagem ao corpo expedicionário de 80.000 homens enviado por Portugal na 1ª Grande Guerra Mundial (1914-1918).

1918-1939 
Instalam-se em França cerca de 50.000 portugueses desmobilizados ou imigrados.

1955
Início da construção do “bidonville” de Champigny-sur-Marne.

1956 
Acordo de mão-de-obra franco- português.  A maioria dos portugueses imigrantes entraria com contrato de trabalho e outros com "passeport de lapin", como clandestinos.

1961
Início da guerra colonial nas colónias portuguesas de Angola, Moçambique, e Guinée-Bissau. Partida para França dos fugidos à tropa.

1961-1964
Duplicação de entradas de emigrantes em França.

1962
Primeiras regularizações dos imigrantes clandestinos.

1964
Descoberta pela imprensa francesa do “bidonville” de Champigny (10.000 a 15.000 habitantes), ampliado até 1970.

1969
Ano record de entrada de emigrantes portugueses em França: 80.000

1973
Fim da imigração legal em França. Em treze anos o numero de portugueses emigrados tinha-se multiplicado por quinze. Tinha passado de 50.000 a 760.000 pessoas.

Em 1992 os dados estatísticos franceses informavam que a colónia portuguesa em França era: 646.000 cidadãos portugueses (345.150 homens e 300.428 mulheres), 153.000 com dupla nacionalidade, e 200.00 à 300.000 franceses de origem portuguesa.

                  Cabeleireiro no “bidonville”, em 1964                                      Estendendo a roupa, em 1970

   

  Trabalho nas docas de Austerlitz (1950)           Emigrantes na construção da “Tour de Montparnasse” (1971)

   

fotos in: Photographies de Gerald Bloncourt , Sud-Express

Segundo dados de 1999 a emigração de portugueses no Mundo estava assim distribuída: 4.806.353 Europa: 1.386.292. Américas: 2.993.127 África: 342.264 Ásia: 29.211 Oceania: 55.459..

A grande maioria dos emigrantes utilizaram o comboio “Sud-Express” para se deslocarem para esses países, e regressarem ou de vez ou em férias.

O “Sud- Express”, inaugurado em 1887 era comboio de luxo, com carruagens cama e restaurante, primeira ligação rápida entre Inglaterra, França, Espanha e Portugal. Em Julho de 1895, o “Sud-Express” passa a circular na Linha da Beira Alta. e em 1900, altera o percurso passando a circular por Salamanca, concluindo-se a ligação Salamanca - Portugal.

             “Sud-Express”, em França, (1896 ) …                     Nos anos 60 entre Vilar Formoso e Medina del Campo

 

Há 124 anos que este comboio liga Lisboa a Paris, embora, em rigor, só vá até à fronteira francesa de Hendaye, onde outra composição faz o resto do percurso devido à diferença de bitola (distância entre carris). Hoje o troço é assegurado pelo TGV, mas durante décadas foi um comboio de luxo que assegurou o segmento francês da viagem.

                                          … nos anos 50, já com tracção a diesel, na Beira Alta

                           

O “Sud-Express” realizava-se três vezes por semana e demorava 45 horas entre Lisboa e Paris, via Madrid. Foi um sucesso e passou a diário, tendo o seu percurso sido modificado: seguia directamente pela Beira Alta até Salamanca sem prestar vassalagem à capital do país vizinho. As grandes companhias marítimas alteraram os horários dos navios para fazer coincidir as suas partidas com a chegada do “Sud Express”. Desde o centro da Europa para a África e a América do Sul poupavam-se agora três dias de navegação e evitava-se a turbulenta travessia do golfo da Biscaia. E, graças ao caminho de ferro, Lisboa ganhava estatuto nas grandes rotas internacionais.

                                                          Partida do “Sud-Express” de Lisboa

                                      

       Mudança de bitola de rodados, em Hendaye                         “Sud-Express” actual, com tracção eléctrica

 

O Sud ainda sobe vigorosamente a linha da Beira Alta. Outrora, precisava de mudar a locomotiva na Pampilhosa, mas agora já todo o percurso português é electrificado e a mesma máquina reboca a composição até Vilar Formoso. O traçado é sinuoso, mas a linha já foi modernizada. Santa Comba Dão, Nelas, Mangualde, Celorico, Vila Franca das Naves, Guarda - por que pára tantas vezes um comboio rápido? Porque esta
é uma região de emigrantes e, historicamente, este é o comboio que os levou para França. A tradição já não é o que era. Mas há ainda quem espere nas gares para fazer a longa viagem no Sud. Ele ainda é único.

                                    

Presentemente em pleno século XXI, Portugal volta a revelar que, não apresenta condições para manter uma grande parte da sua mão-de-obra no nosso território. Só na última década, 700 mil portugueses saíram do País para trabalhar. Em 2007 e 2008, emigraram mais de 200 mil. É a terceira vaga da emigração e com níveis próximos dos anos 60 e 70.  E pelo que estamos a ver pelo presente, não vamos ficar por aqui …

13 comentários:

Carlos Henriques disse...

Bom dia,

Será que vamos voltar a esses tempos?

A juventude está tão ameaçada que temos que a civilização regrida para condições de trabalho da idade média, dado a qualidade "cultural" dos nossos empresários... e provoque um êxodo sem precedentes e que as condições nos países procurados sejam de muito má qualidade!

Um abraço,

Carlos

José Leite disse...

Caro Carlos Henriques

Penso que o último parágrafo que escrevi é bem elucidativo do que espera a nossa juventude, e não só ...

Cumprimentos

José Leite

Ricardo Moreira disse...

Na foto legendada como "Mudança de comboio, Hendaye", o que ali se vê é de facto a mudança de bítola dos rodados das carruagens (havia/há algum material que permitia/permite isso).

Em relação ao resto, o texto e os comentários dizem tudo, pelo que pouco ou mesmo nada mais há a acrescentar!
Infelizmente!

José Leite disse...

Caro Ricardo Moreira

Muito agradecido pela sua correcção, que só enriquece a precisão, que me é possível, de todos artigos que tento serem o mais variados que me são possíveis.

Cumprimentos

José Leite

almagrande disse...

Excelente post.

Molduras de Poemas de Fado disse...

Descobri o seu blog numa pesquisa sobre um fado de Fernando Farinha que se chama "Expresso a Paris" ... Vivo em França há 40 anos, tive a sorte de não passar pelo bidonville, se bem que também vivi coisas muito duras e tristes (assim como a minha família). Agradeço o seu post e espero que nunca ninguém se esqueça desta desolação. Espero que mais ninguém tenha que passar por onde tantos portugueses passaram !

Cumprimentos

Susana Lopes

ACDF disse...

Uma amiga partilhou comigo o seu blog,em boa hora. Sou emigrante na Suiça há 30 anos e felizmente não conheci as condições que estes nossos compatriotas,e não só, conheceram e sofreram na pele, como se não bastasse o facto de terem de abandonar o seu País e os seus.Conheci outras que muito me doeram e ainda doem, mas nada comparado e de tão desolante como o que nos é dado vêr nestes seus testemunhos fotográficos.Bem haja, assim como o coragoso fotógrafo. É que fotografar "isto" nesse tempo, no país dos Direitos do Homem e fundador da Comunidade Europeia, é obra de Mestre e de grande Homem. Muito obrigada pela partilha.
"O que os olhos vêm o coração não esquece",e só a memória prevalece; Espero muito sinceramente que os que partem actualmente, infelizmente repete-se a história, nunca sofram o que sofreram outros compatriotas.
Cumprimentos de terras Hélvéticas
Mariana Lopes Correia

José Leite disse...

Às leitoras Susana Lopes e Mariana Correia

Muito grato pelos vossos excelentes comentários, cheios de propriedade.

Infelizmente o nosso país não só não oferece condições para manter muita gente boa e trabalhadora dentro das suas fronteiras, como continua a não oferecer motivos de regresso daqueles que em tempos se viram obrigados a partir um dia.

Um bem haja a todos vocês e que nunca esquecem as vossas origens, com saudade.

Cumprimentos

José Leite

Anónimo disse...

Óptimo trabalho de pesquisa, com excelente documentação. Só muito recentemente tomei conheciemtno deste blogue. Desejava corrigir a informação duma foto da composição ferroviária "Sud Express", que sobre a mesma tem a legenda "...Nos anos 40, em terras portuguesas". A composição circulava, então, em Espanha - seguramente entre Vilar Formoso e Medina del Campo - e em termos de época reporta-se aos anos 60 do séc. passado. A locomotiva é espanhola e atrás dos dois furgões de bagagens são visíveis duas carruagens inox de 1ª. classe, da CP. Um pormenor que desvenda a foto em Espanha é o poste telegráfico à esquerda da locomotiva, típico dos caminhos-de-ferro vizinhos.
Cordiais cumprimentos

Mário Mesquita

José Leite disse...

Caro Mário Mesquita

Muito grato não só pelas suas amáveis palavras, como pela correcção que introduziu e informações adicionais.

Cumprimentos

José Leite

Agostinho Pereira Jeronimo disse...

Algumas lagrimas lembranças do vivido em dezembro 1967 com 8anos.
Só tenho pena da não compreemsão de muitos portugueses vivendo em portugal porque,Portugal ninguėm o pode tirar do nosso coraçao.

Tato Sheriff disse...

Adorei o seu texto. Adoro andar de combio. Toda a vida andei. Sou uma inmigrante, nasci em Portugal de pais espanhois, sou espanhola de nacionalidade, nascida em Lisboa, enfim, sou iberica. Mas sei bem o que é estar fora, sentirmo- nos de fora.
Mas falando de comboios, desde muito cedo viajei no Ter e no Lusitania, portas de madeira, beliches confortaveis, viagens bem divertidas ou nao tanto, como as que me levavam de Santarem ou Entroncamento para Caceres, para o odioso internato.
Hoje o Ter desapareceu. O Lusitania ( amo este nome) continua muito bem, um pouco caro mas uma viagem boa. So nao gosto das novas carruagens, alcatifadas ate ao tecto, os beliches encalabritados uns encima dos outros... o antigo Lusitania tinha janelas de madeira que subian e descian, largos corredores onde muitas vezes, sem lugar, dormiamos encima das mochilas, emocionante e lindo comboio. Era todo em azul.
Ainda hoje amo tomar o pequeno almoço, no regresso a Portugal, olhando para os meandros do Tejo ate ver Almourol a espreitar a madrugada.
Mas sempre admirei o Sud Expresso e toda a carga emocional e historica que transportava. E ha uns 10 anos fui a Paris. Fascinate: “ Minha senhora, o restaurante está aberto, caso deseje jantar”, “ bom dia, o pequeno almoço esta servido”, uauuuu
Sim, e sei que nao era assim que viajavam os emigrantes mas juro que hoje em dia é uma das viajgens mais bonitas e emocionantes que se podem fazer.
Aconselho vivamente.
Nao gosto de voar. Acho antinatura. Viajar de comboio é outro ritmo, outra paz, uma emoçao, um observar a vida devagar.
Viajar de combio é um prazer para os sentidos e uma fonte de aprendizagem.

Sugiro a leitura de “ Amor America”, da escritora espanhola Maruja Torres, uma viagem lindissima, e tambem durissima, desde a Patagonia ate Laredo, subindo de combio toda a America do Sul e Central pela mao de uma das melhores narradoras que conheço.
Viajar de comboio é conhecimento, tempo para observar, para ler, para dormitar, para deleitar, para imaginar e sonhar, etc etc etc
Gostei muito do seu texto, agradeço a oportunidade de contar esta mimha historia.
E agora vou dormir
Bons sonhos



José Leite disse...

Grato pelo seu texto.
Bons sonhos também para si.